Capitalização. O Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional o art. 5º da MP 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que permite a capitalização de juros em período menor que um ano.

Capitalização. O Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional o art. 5º da MP 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que permite a capitalização de juros em período menor que um ano.

Antes de abordarmos a questão em destaque, é relevante salientar que este artigo busca realizar uma análise interpretativa do Decreto-Lei 22.626/1933, bem como da jurisprudência do STJ e STF relacionada ao tema.

O objetivo é verificar se há a possibilidade de capitalização de juros remuneratórios no território nacional. Este estudo não se aprofundará na possibilidade de capitalização de juros conforme outras legislações especiais em nosso ordenamento jurídico (como a Cédula de Crédito Bancário e Imobiliário), as quais podem ser discutidas em artigos específicos. Assim sendo, o foco deste artigo será a análise da viabilidade da capitalização de juros em contratos bancários, tais como empréstimos, cheque especial, cartões de crédito e financiamentos imobiliários não regidos por legislações especiais.

Contudo, para compreender a possibilidade de cobrança de juros sobre juros, é necessário primeiro entender o conceito de capitalização, identificar a legislação que a permite ou proíbe, e analisar como a jurisprudência nacional tem se posicionado a respeito.

A cobrança de juros capitalizados, também conhecida como “contagem de juros sobre juros” ou “anatocismo” , embora possa parecer, à primeira vista, questão trivial aos olhos de matemáticos e economistas, ou seja, apenas uma entre as diversas fórmulas aceitas como válidas para o cálculo da remuneração do capital, é questão que no direito ainda gera perplexidade e insegurança, tendo em vista a falta de clareza dos textos legais e a incerteza quanto ao resultado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.316, pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de 10 anos, como verdadeira espada de Dâmocles.

Com o advento da Lei 11.977/2009, que instituiu o programa Minha Casa, Minha Vida, parte do problema foi mitigado, com a inclusão do art. 15-A na Lei 4.380/1964, contendo autorização expressa para a capitalização de juros com periodicidade mensal nas operações de crédito pactuadas no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A par dessa atuação tímida do legislador, circunscrita ao setor da habitação, fato é que ainda persiste a situação de insegurança jurídica a respeito da possibilidade de capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual, o que compromete o desenvolvimento das operações de crédito nos demais setores da economia e a estabilidade das relações jurídicas entre instituições financeiras e mutuários.

O presente artigo busca enfrentar essa questão. A análise inicia-se pelo panorama legislativo, destacando os principais atos normativos Conforme o mito, Dâmocles seria um cortesão a quem o rei Dionísio ofereceu a oportunidade de ocupar o seu lugar por um dia e assim experimentar da sua “sorte”. Dâmocles aceitou a proposta de Dionísio, mas logo se arrependeu ao notar, após degustar um grande banquete, que sobre o trono, acima de sua cabeça, pendia uma imensa espada, presa ao teto apenas por um fio de rabo de cavalo, e então implorou ao rei que lhe permitisse abdicar daquela “sorte”.

O Supremo Tribunal Federal decidira tema atinente à capitalização de juros, fato esse ocorrido no RE 592.377-RS. Esse julgamento tivera forte impacto no meio jurídico e, mais ainda, aos mutuários de empréstimos bancários. O tema central do julgado dizia respeito à possibilidade, ou não, da capitalização mensal dos juros. É dizer, a regra dos empréstimos onerosos é de permissão, tão só, de capitalização anual dos juros. São as diretrizes gerais contidas na Lei da Usura e o Código Civil. Contudo, as instituições financeiras não estão submetidas às regras gerais supra-aludidas, uma vez que respondem às legislações especiais que tratam do tema. Afinal, atende-se ao princípio da especialidade das normas jurídicas (lex specialis derrogat lex generalis). Nesse passo, além de tantas outras normas que tratam da capitalização dos juros nos tratos financeiros bancários, há a norma que fora debate pelo STF, ora alvo de alguns comentários. No entanto, antes de adentrar no âmago do decisório proferido pelo STF, penso ser interessante tomarmos algumas considerações acerca do que sejam os juros capitalizados, maiormente sob o enfoque do que seja a capitalização anual e mensal.

1. Significado da expressão “juros capitalizados” 1.1. O significado da palavra “juros” “Grosso modo” teríamos dois sentidos: a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor; e o outro, no sentido de penalidade imposta a esse em face do atraso no cumprimento da obrigação.

O conceito de juros não se apresenta na lei.

Os juros provêm de convenção entre as partes ou determinados por lei. Esses são frutos civis do capital. Portanto, é uma obrigação acessória da principal. Tanto é assim, que da leitura do art. 323 do Código Civil colhemos que se presumem como pagos os juros com a quitação da obrigação principal. Dessa forma, os juros surgem quando do nascimento da dívida.

Juros ordinariamente é usada no plural, todavia pode ser utilizado no singular, “juro”.

1.2. O significado da palavra “capitalização” (capitalização de juros).

Capital tem vários significados. Pode ser o principal ou parte de uma dívida, distinguindo-se dos juros; também como acepção de dinheiro ou equivalente à soma de bens, representando um patrimônio. Nesta exposição vamos debater unicamente no sentido de dinheiro.

Mas então, o que seria a expressão “capitalizar os juros” ?

Para melhor compreendermos essa expressão, conveniente que entendamos primeiro o que seja o sufixo gramatical “izar”. Esse sufixo “izar” é utilizado para formar verbos oriundos de substantivos e adjetivos Com isso, os verbos passam a ter o sentido de “fazer” ou “tornar-se” do que se revela substantivo ou adjetivo.

Vamos exemplificar:

Humanizar = tornar humano; individualizar = tornar individual; capitalizar = tornar capital (os juros se tornam capital)

Vejamos isso em uma conta aritmética:

Sujeito A toma emprestado a quantia d R$100.000,00 do Banco B. O empréstimo foi convencionado para ser pago em 12 parcelas sucessivas e mensais, com juros remuneratórios, capitalizados mensalmente, à razão de 1%.

1º mês – 1% x R$ 100.000,00(capital) = R$ 1.000,00(juros)

2º mês- 1% x R$ 101.000,00(capital)= R$ 1.010,00(juros)

Perceba que, no segundo mês, os juros do primeiro mês integraram o capital no segundo mês, ou seja, foi capitalizado. Desse modo, os juros do primeiro mês passaram a ser capital. Daí o sentido do sufixo “izar”, que, nesse caso, tornou o substantivo “juros” em capital. https://lh3.googleusercontent.com/a/ACg8ocK0KUlC2aRnPTRLQof9XOvkUA479pSjNU2TyhtQMrkp7mKLuBV7=s40-p

O Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional o art. 5º da MP 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, que permite a capitalização de juros em período menor que um ano.

Essa decisão, que ainda não transitou em julgado, e, portanto, não é imutável, embora as chances de modificação sejam pequenas, foi proferida recentemente e, aparentemente, pôs fim a uma controvérsia antiga, surgida quando do ingresso de uma ação que questionava a norma, ainda no ano de 2000.

No mérito do recurso, foi consignado que não haveria possibilidade de o Judiciário aferir os pressupostos de relevância e urgência da Medida Provisória, algo que cabe ao chefe do Executivo e do Congresso Nacional, somente sendo passível esse exame quando houver abuso do poder político ou desvio de finalidade, algo que, no caso, não foi vislumbrado.

A respeito da inconstitucionalidade formal apontada, o ministro Nunes Marques, relator da ação, afirmou que a necessidade de edição de Lei Complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional não engloba a sistemática dos juros, algo que pode ser feito por meio de leis ordinárias, com o Código Civil e o Código de Defesa dos Consumidores.

Por fim, foi decidido que a alegação de atecnia legislativa, em razão de existência de conexão entre a norma impugnada e a medida provisória seria matéria restrita ao plano da legalidade e não da constitucionalidade.

Desse modo, seguindo precedentes do próprio Supremo e do STJ, foi decidido que a capitalização mensal de juros, para os integrantes do Sistema Financeiro Nacional, desde que expressamente prevista no contrato, é constitucional, podendo, portanto, ser cobrada.

Veja a decisão e o processo. O que isso muda, na prática? Absolutamente, nada.

A decisão proferida pelo Supremo apenas sepultou um sonho antigo de que a capitalização mensal de juros pudesse ser expurgada do ordenamento jurídico, mas esse sonho, como qualquer utopia, sabidamente era muito distante.

Há muito tempo a posição dos Tribunais era pela constitucionalidade/validade da cobrança da capitalização mensal de juros pelos entes integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Essa permissão, contudo, não é irrestrita.

É necessário que a capitalização mensal seja feita por quem integre o Sistema Financeiro Nacional

Primeiramente, é necessário que a referida cobrança seja feita por um ente que integre o Sistema Financeiro Nacional, algo que não pode ser ignorado, que, no geral, são apenas as instituições financeiras.

Não sendo instituição financeira, não será possível realizar a capitalização mensal de juros, mesmo que expressamente prevista em contrato. A capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil, firmado com pessoa jurídica que não integra o Sistema Financeiro Nacional, constitui prática vedada em nosso ordenamento jurídico, nos termos do disposto no art. 2º da Medida Provisória n.º 2.172- 32, de 23 de agosto de 2001, vigente por força da EC n.º 32:

Art. 2º São igualmente nulas de pleno direito as disposições contratuais que, com o pretexto de conferir ou transmitir direitos, são celebradas para garantir, direta ou indiretamente, contratos civis de mútuo com estipulações usurárias.

Assim, não sendo a parte integrante do Sistema Financeiro Nacional, a cobrança de juros capitalizados mensalmente é vedada, sendo permitida apenas a capitalização anual, de acordo com o artigo 4º do Decreto n. 22.626, de 07 de abril de 1933:

Art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano.

Essa, aliás, é a posição recorrente da justiça, em decisões que, na maior parte das vezes, vemos em casos que envolvem a comercialização de imóveis por empresas do ramo imobiliário, como incorporadoras, construtoras e imobiliárias, veja: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE LOTE. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA AFASTADO. SÚMULA 28 DESTA CORTE. CAPITALIZAÇÃO PREVISTA ANUAL. POSSIBILIDADE. RETENÇÃO DOS VALORES QUITADOS. FLUTUAÇÃO ENTRE 10% E 25%. (...). 2. Nos contratos de compra e venda de imóveis celebrados entre particulares é admissível a capitalização anual, a teor do art. 4º do Dec. n. 22.626, de 1933, c/c art. 4º e 5º da Lei n. 9.514, de 1997, vedada a capitalização mensal. (...) (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5472613-48.2017.8.09.0064, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR MARCUS DA COSTA FERREIRA, 5ª Câmara Cível, julgado em 16/02/2022, DJe de 16/02/2022). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. APLICAÇÃO DO CDC. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO IGP-M. PREVISÃO CONTRATUAL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PRÁTICA VEDADA. TABELA PRICE. MANUTENÇÃO DA POSSE. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE, DE OFÍCIO. 2 A contratação da capitalização mensal de juros pode ser verificada pela simples previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal. 3. A capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil, firmado com pessoa jurídica que não integra o Sistema Financeiro Nacional, constitui prática vedada em nosso ordenamento jurídico, conforme artigo 2º da Medida Provisória n. 2.172-32, de 23 de agosto de 2001 (...). (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5719670-49.2019.8.09.0051, Rel. Des (a). DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, 6ª Câmara Cível, julgado em 24/01/2022, DJe de 24/01/2022).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. LOTEAMENTO URBANO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. PERÍCIA. MANTENÇA NA POSSE DO IMÓVEL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. É vedada a prática de capitalização mensal de juros em contratos de mútuo civil celebrados com construtora/incorporadora, haja vista que esta não se equipara à instituição financeira (art. 2º da Medida Provisória nº 2.172/ 32 de 23 de agosto 2001, vigente por força da EC nº 32, e art. 4º do Decreto nº 22.623/33), admitindo-se, contudo, a capitalização em periodicidade anual (precedentes deste Sodalício). (...) (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5459698-98.2020.8.09.0051, Rel. Des (a). DESEMBARGADOR CARLOS HIPOLITO ESCHER, Goiânia - 25ª Vara Cível, julgado em 14/12/2021, DJe de 14/12/2021). A capitalização mensal não pode ser feita, nem por integrante do Sistema Financeiro Nacional, antes da edição da Medida Provisória n.º 1.963-17/2000. Outro ponto importante é que a capitalização mensal de juros, praticada pelos integrantes do SFN, somente se tornou permitida com a edição da Medida Provisória n.º 1.963-17/2000, que foi editada em 31/05/2000, atualmente reeditada pela MP 2.170-36/2001: 3. Admite-se a incidência da capitalização mensal de juros em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/00 (em vigor como MP 2.170/01), desde que expressamente pactuada. 4. Por 'expressamente pactuada' deve-se entender a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, dispensando-se a inclusão de cláusula com redação que expresse o termo 'capitalização de juros' ( REsp 973827/RS, Recurso Especial Repetitivo, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012). Acórdão 1352187, 07053866420208070012, Relatora: SIMONE LUCINDO, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 30/6/2021, publicado no PJe: 9/7/2021.

Dessa forma, caso o contrato tenha sido celebrado antes de 31/05/2000, mesmo que com uma entidade integrante do SFN e com previsão expressa da capitalização mensal de juros, esta será considerada inválida pela justiça.

Necessidade de pactuação expressa da capitalização mensal de juros

Há, ainda, a necessidade de que essa capitalização, quando feita em contratos após 31/05/2020, com entidade integrante do SFN, tenha previsão expressa da referida capitalização. Essa previsão pode ser por meio de uma cláusula contratual, dizendo que a periodicidade da capitalização será mensal ou, então, pela previsão de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal, por exemplo, taxa de juros mensal de 1% e anual de 12,89%.

Nessa situação, será permitida a realização da capitalização mensal de juros.

Em muitos casos, vemos, na prática, que não existe a pactuação da capitalização mensal de juros, contudo, na execução do contrato, por meio de uso da Tabela Price, principalmente, há o uso dessa periodicidade de capitalização mensal de juros, algo que é vedado, em razão da ausência de expressa pactuação.

Conclusão

Dessa forma, a decisão do STF apenas confirmou algo que a justiça vinha decidindo a quase 25 anos, sem nenhuma surpresa. Evidentemente, se houvesse a declaração da inconstitucionalidade da norma, isso resultaria em um grande benefício aos consumidores, que poderia questionar a capitalização mensal dos juros em seus contratos, de forma mais abrangente, algo que resultaria em economia enorme de valores. Entretanto, a decisão não altera as balizas anteriormente definidas para a realização da capitalização mensal dos juros, algo que deverá continuar sendo observado pelas entidades integrantes do SFN e das demais empresas.

Guaxupé, 25/07/24.

Milton Furquiim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 25/07/2024
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