É possível a penhora de salário para o pagamento honorários advocatícios?

É possível a penhora de salário para o pagamento honorários advocatícios?

Imagine a seguinte situação: João ajuizou ação contra Pedro cobrando R$ 100 mil. O pedido foi julgado improcedente. Como João foi sucumbente, ele foi condenado a pagar R$ 10 mil de honorários advocatícios em favor de Dr. Rui, advogado de Pedro. Rui ingressou com cumprimento de sentença contra João cobrando o valor dos Honorários advocatícios.

João, executado, é servidor público e recebe R$ 20 mil de proventos mensais. O juiz autorizou a penhora de 15% da remuneração recebida mensalmente por João até que se consiga todo o dinheiro para o pagamento integral da dívida. Executado alegou a impenhorabilidade da remuneração. [Subsidio, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

Advogado argumentou que a cobrança de honorários advocatícios é uma exceção à impenhorabilidade do inciso IV do art. 833. Rui, o advogado exequente, contra-argumentou alegando o seguinte: O inciso IV do art. 833 do CPC realmente traz, como regra geral, a impenhorabilidade das verbas salariais do devedor. No entanto, o § 2º do art. 833 prevê duas exceções, ou seja, duas situações nas quais será possível a penhora de verbas salariais do executado: 1) para pagamento de prestação alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um ato ilícito). Ex: Pedro atropelou Júlia e foi condenado a pagar à vítima prestação alimentícia pelo período em que ela ficar sem trabalhar. O salário de Pedro poderá ser penhorado para pagar essa dívida, sem que ele possa invocar a regra da impenhorabilidade.

2) sobre o montante que exceder 50 salários-mínimos. Veja a redação do art. 833, § 2º do CPC/2015: Art. 833 (...) § 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.) § 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de seus ganhos líquidos. Segundo alegou o advogado Rui, os honorários advocatícios possuem natureza alimentar e, portanto, enquadram-se na regra de exceção prevista no § 2º do art. 833, o que possibilita a penhora de valores de aposentadoria para sua quitação.

O termo “prestação alimentícia” previsto no § 2º do art. 833 (veja acima) não se restringe aos alimentos decorrentes de vínculo familiar ou de ato ilícito, abrangendo todas as verbas de natureza alimentar (ou seja, todas as classes de alimentos), como os honorários advocatícios contratados pelo devedor ou devidos em razão de sua sucumbência processual.

O próprio CPC reconhece o caráter alimentar dos honorários, ao dispor no § 14 do art. 85 que: Art. 85 (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

O termo “independentemente de sua origem” previsto no § 2º do art. 85 revela uma intenção do legislador de ampliar a compreensão do que deve ser entendido por prestação alimentícia.

Em resumo, Rui argumentou que é possível a penhora do salário do devedor, com base na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015, para o pagamento de honorários advocatícios, por se tratarem estes de verba de natureza alimentar, nos termos do art. 85, § 14, do CPC/2015.

disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.

A origem do termo verba de “natureza alimentar” (“natureza alimentícia”)

Diversamente da prestação alimentícia, a expressão “débitos de natureza alimentícia” tem origem relativamente recente. Foi introduzida no ordenamento brasileiro pela Constituição Federal de 1988, que previu prioridade no pagamento dos precatórios para os créditos de “natureza alimentícia”.

Havia dúvidas sobre a abrangência da expressão e, em razão disso, foi editada a EC 30/2000, que conceituou o que seriam os débitos de natureza alimentícia.

Essa definição está, atualmente, no § 1º do art. 100 da CF/88: Art. 100 (...) § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009).

Os honorários advocatícios são considerados créditos de natureza alimentícia, para os fins de precatório? Os honorários advocatícios estão incluídos no § 1º do art. 100 da CF/88? SIM. Havia várias decisões do STF e do STJ sobre o tema e, para deixar esse entendimento ainda mais evidente, a Corte Constitucional editou uma súmula vinculante: Súmula vinculante 47-STF: Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza. Desse modo, não há dúvidas de que os honorários advocatícios são considerados como verba de natureza alimentar. Possuem natureza alimentícia.

Os honorários advocatícios são considerados créditos de natureza alimentícia, para os fins de falência e recuperação judicial? Caso um advogado tenha créditos de honorários advocatícios devidos pela sociedade empresária falida, tais créditos são equiparados a créditos trabalhistas (art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005)? SIM.

Os créditos resultantes de honorários advocatícios (sucumbenciais ou contratuais) têm natureza alimentar e são equiparados aos créditos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, estando, portanto, enquadrados no art. 83, I, da Lei nº 11.101/2005.

STJ. Corte Especial. REsp 1.152.218-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2014 (recurso repetitivo) (Info 540).

CPC/2015

Vale ressaltar, ainda, que o CPC/2015 expressamente afirma que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar: Art. 85 (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

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Honorários são equiparados a salário; ambos são verbas remuneratórias

Os honorários advocatícios são equiparados a salário considerando que ambos são verbas remuneratórias, responsáveis por assegurar o sustento de quem as recebe. Por essa razão, essas verbas merecem uma proteção legislativa maior quando comparadas com outros créditos que não possuem a mesma finalidade.

Verbas remuneratórias não são alimentos

Não se pode afirmar que as verbas remuneratórias, ainda que sejam destinadas à dor, sejam iguais aos alimentos disciplinados pelo Código Civil.

Diferentemente das verbas remuneratórias, os alimentos são devidos para a pessoa que não pode prover a sua subsistência com sua própria força ou que a proteção ainda maior.

Os honorários advocatícios, apesar da sua inquestionável natureza alimentar, não se confundem com a prestação de alimentos, sendo esta última obrigação periódica, de caráter ético-social, normalmente lastreada no princípio da solidariedade entre os membros do mesmo grupo familiar, embora também possa resultar de condenações por ato ilícito e de atos de vontade.

As verbas remuneratórias destinadas à subsistência do credor e de sua família são essenciais, razão pela qual merecem uma atenção especial do legislador. No entanto, os alimentos estão revestidos de grave urgência, porque o alimentando depende exclusivamente da pessoa obrigada, não tendo outros meios para se socorrer, justificando um tratamento mais sensível ainda do que aquele conferido às verbas remuneratórias.

Foi justamente por essa razão que a Constituição Federal autorizou a prisão civil do devedor de “obrigação alimentícia” (art. 5º, LXVII, da CF/88).

Assim, verba de natureza alimentar é diferente de prestação alimentícia

Uma verba tem natureza alimentar quando é destinada para a subsistência de quem a recebe e de sua família, mas só é prestação alimentícia aquela devida por quem possui a obrigação de prestar alimentos familiares, indenizatórios ou voluntários em favor de uma pessoa que deles efetivamente necessita.

Execução de verbas de natureza alimentar (como é o caso dos honorários advocatícios) não permite: a) penhora de salários; b) penhora de bem de família; c) prisão civil

Em suma: A verba honorária sucumbencial, a despeito da sua natureza alimentar, não se enquadra na exceção prevista no § 2º do art. 833 do CPC/2015 (penhora para pagamento de prestação alimentícia).

STJ. Corte Especial. REsps 1.954.382-SP e 1.954.380-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/6/2024 (Info 815).

Guaxupé, 20/07/24

Milton Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 20/07/2024
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