Advogado. Violência doméstica. Exclusão OAB.
Advogado. Violência doméstica. Exclusão OAB.
Súmula impede inscrição na OAB em casos de violência contra a mulher
O plenário do Conselho Federal da OAB aprovou, em 18/03/2019, a edição de uma súmula para impedir a inscrição de bacharéis em Direito nos quadros da OAB, nos casos de agressões e violência contra a mulher.
Redação da Súmula: Requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Inidoneidade moral. A prática violência contra a mulher, assim definida na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – ‘Convenção de Belém do Pará’ (1994)”, constitui fator apto a demonstrar a ausência de idoneidade moral para a inscrição de bacharel de Direito nos quadros da OAB, independente da instância criminal, assegurado ao Conselho Seccional a análise de cada caso concreto.
Cumpre ressaltar o que dispõe nossa Carta Magna acerca da igualdade e direito de liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão: Art. 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
A prática de um crime infamante por parte de qualquer membro da advocacia é razão suficiente para a abertura de um procedimento administrativo para o fim de aplicar-lhe a pena de exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, tal conclusão se extraí da leitura do Art. 34, inciso XXVIII c/c Art. 38, II, ambos da Lei 8.906/94.
Acrescenta-se que o inciso XXVII do Art. 34 da Lei 8.906/94 igualmente lista como falta ética passível de exclusão o fato do advogado ter se tornado moralmente inidôneo para o exercício da advocacia.
De mais a mais, o Estatuto da Advocacia dispõe que cabe ao advogado proceder de forma que o torne merecedor de respeito e contribua para o prestígio da classe (Art. 31 da lei 8.906/94).
Não podemos nos esquecer que esses profissionais são indispensáveis à administração da Justiça conforme previsão expressa no Art. 133 da Constituição Federal, fato que lhes demanda maior rigor ético e moral.
Destaca-se que o Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil editou a Súmula 09 dispondo que a prática de violência doméstica conceituada na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará” constitui fato apto para comprovar a falta de idoneidade moral, sendo capaz de barrar a inscrição do bacharel em Direito nos quadros da OAB.
Deve ser defendido que não há necessidade de aguardar a condenação criminal do advogado, o processo disciplinar pode ser aberto a qualquer tempo caso sejam protocoladas provas contundentes e seguras, nesse sentido temos a doutrina e um acórdão do Tribunal de Ética da OAB-SP:
Para efeito do Estatuto, inclusive para inscrição, não se exige que haja condenação criminal transitada em julgado, sendo suficiente a comprovação do fato, a juízo do Conselho competente, em virtude de ser submetido o processo disciplinar a jurisdição administrativa exclusiva, não se aplicando o direito penal supletivamente. O único requisito é o do devido processo legal com a garantia da ampla defesa. (LÔBO, 2019, p. 269-270).
EMENTA: INIDONEIDADE MORAL – CRIME INFAMANTE – APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 09/2019 10/2019 DO CONSELHO FEDERAL – PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO – REMESSA AO CONSELHO SECCIONAL PARA APLICAÇÃO DA PENA DE EXCLUSÃO. Advogado que praticou o crime do art. 270, § 2º, inciso III, do ECA. Gravação de sexo explícito com adolescente. Desnecessidade do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Crime que depõe contra a advocacia. Fato suficientemente comprovado e entendimento sumulado pelo Pleno do Conselho Federal. Remessa ao Conselho Seccional para análise da pena de exclusão. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Processo Disciplinar no 09024R0000392017, acordam os membros da Nona Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, por maioria de votos, nos termos do voto da Relatora, em julgar procedente a representação e aplicar ao representado a pena de exclusão, “ad referendum” do Egrégio Conselho Seccional da OAB/SP, por configurada a infração prevista no inciso XXVIII, do artigo 34, do Estatuto da Advocacia e a OAB, Lei Federal nº 8.906/94, nos termos do artigo 38, inciso II § único, do mesmo diploma legal, com determinação de extração de cópia integral dos autos, para análise de possível aplicação de suspensão preventiva com base no artigo 70 § 3º do EAOAB. (ACÓRDÃO 664 - PD. 09024R0000392017, Sala das Sessões, 24 de novembro de 2020).
Logo, restou evidente que o processo administrativo pode e deve andar de maneira autônoma do processo criminal, não sendo necessário aguardar a condenação criminal transitada em julgado.
O presente artigo vai além e esclarece que o mero cumprimento da pena não tem o condão de tornar o advogado apto ao retorno nos quadros da OAB, a doutrina é bastante clara em afirmar que deve obrigatoriamente o interessado em reingressar passar pelo procedimento de reabilitação criminal, porque o simples cumprimento da pena não exclui a idoneidade moral: Além da idoneidade moral, também é necessário que o requerente não tenha comedido nenhum crime infamante, sendo estes os crimes com forte repúdio ético da comunidade em geral e/ou profissional.
Recentemente o Conselho Federal da OAB editou três ementas sobre este tema, e passou a considerar como infamantes os crimes praticados contra mulheres (Súmula nº 09/20219/COP do Conselho Federal181), crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência física ou mental (Súmula nº 10/2019/COP182) e pessoas LGBTI+ (Súmula nº 11/2019/COP183).
O cumprimento integral da pena, nestes casos, não acarreta no consequente afastamento da inidoneidade, sendo necessária à sua reabilitação criminal. (PIOVEZAN et al, 2019, p. 149-150).
Em razão do narrado, temos que tanto para os interessados em ingressar quanto para os que foram excluídos, não há outro caminho, eles devem cumprir integralmente as penas impostas (civis e criminais) e passar por um processo de reabilitação, somente após a conclusão da reabilitação que esses profissionais ou bacharéis poderão ingressar ou retornar à advocacia, tal conclusão se extraí do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB: Recurso nº 2007.08.02749-05. (...). Relator: Conselheiro Geraldo Escobar Pinheiro (MS). Ementa PCA/089/2007. Inscrição de Bacharel indeferida - Processo de inidoneidade moral reconhecido - Reabilitação criminal concedida - Restrições mantidas - Inadimissibilidade. É inadmissível manter as restrições de inidoneidade moral contra Bacharel condenado em processo criminal que teve julgado favorável processo de reabilitação, conforme permite o art. 8º, § 4º do EOAB, ainda mais quando não existiu contra ele qualquer outro processo que pudesse manter dúvida relacionada a sua idoneidade moral. Provido o recurso para afastar a inidoneidade moral e devolver o processo para análise dos demais requisitos indispensáveis à inscrição nos quadros da OAB. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros da Primeira Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, à unanimidade de votos, em conhecer e prover o recurso nos termos do voto do Relator. Brasília, 08 de outubro de 2007. Gisela Gondin Ramos, Presidente "ad hoc" da Primeira Câmara. Geraldo Escobar Pinheiro, Conselheiro Relator. (DJ, 14.11.2007, p. 1098, S1).
Além da Súmula 09, não negamos que há nos Tribunais de Ética uma posição firme de que a prática de violência doméstica torna o profissional moralmente inidôneo para o exercício da advocacia, justificando a aplicação da pena de exclusão, vejamos alguns acórdãos: Recurso n. 49.0000.2021.003027-7/SCA-TTU. (...) Relatora: Conselheira Federal Ana Cláudia Pirajá Bandeira (PR). EMENTA N. 084/2022/SCA-TTU. Recurso ao Conselho Federal da OAB. Artigo 75, caput, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Acórdão unânime de Conselho Seccional da OAB. Parecer preliminar. Fundamentação suficiente para embasar a instauração do processo disciplinar. Não se exige do parecer preliminar que contenha vasta e extensa fundamentação, como se a própria decisão final fosse, exigindo-se que aponte, de forma fundamentada, a presença de indícios de autoria e provas de materialidade de infração disciplinar, viabilizando a instauração do processo disciplinar e permitindo o exercício do contraditório e da ampla defesa, o que se verifica dos autos. Nulidade rejeitada. Mérito. Tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia (art. 34, XXVII, EAOAB). Violência contra a mulher. Os atos de agressão contra a mulher, ainda mais atos de agressão física, praticados pelo advogado devidamente inscrito na OAB, resultam a perda de inidoneidade moral para o exercício da advocacia, e, consequentemente, infração disciplinar (art. 34, XXVII, EAOAB), independentemente de decorrerem ou tiverem qualquer relação com o exercício da profissão. A OAB não pode permitir a permanência de agressores de mulheres em seus quadros. Precedentes do Conselho Federal da OAB, no sentido de que a infração disciplinar de tornar-se moralmente inidôneo para o exercício profissional não demanda o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, pois não está vinculada à prática de crime (art. 34, XXVIII, EAOAB), mas dela também podendo decorrer, ressalvada a hipótese de decisão que negue a existência do fato ou sua autoria. Recurso não provido. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Terceira Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 108 do Regulamento Geral, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Brasília, 20 de setembro de 2022. Milena da Gama Fernandes Canto, Presidente. Ana Cláudia Pirajá Bandeira, Relatora. (DEOAB, a. 4, n. 949, 29.09.2022, p. 46).
Não é demasiado reforçar que violência doméstica vai além das agressões físicas, visto que a legislação brasileira pune com o mesmo rigor as violações de ordem sexual, moral, psicológica e patrimonial (Art. 7º da lei 11.340/2006), sendo correto concluir que, segundo as palavras de (SILVA, 2022, p. 492), “o legislador apontou, exemplificativamente, cinco tipos de violência contra a mulher no artigo 7º da Lei 11.340/06”.
E que não se argumente que a retirada do advogado dos quadros da OAB viola o direito ao livre exercício de ofício ou profissão, visto que há norma específica autorizando a exclusão do profissional que cometer um crime infamante ou tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia (Lei 8.906/94), que é uma atividade indispensável à administração da Justiça (Art. 133 da Constituição), demandando maior probidade por parte dos seus integrantes.
A própria doutrina especializada em direito constitucional é bastante transparente no sentido de que a Lei poderá impor restrições e impedimentos ao exercício da profissão, o que é totalmente válido, legal e correto, sendo o artigo 5º, XIII uma norma de eficácia contida, por essa razão não há inconstitucionalidades na exclusão do profissional, não afrontando o inciso mencionado:
O art. 5º, XIII, declara que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Trata-se de norma constitucional de eficácia contida, pois prevê a possibilidade de lei regulamentadora restritiva, vale dizer, que estabelecerá as qualificações e requisitos necessários para exercer determinadas profissões. (TAVARES, 2012, p. 645).
Em desfavor desses advogados pesa o fato de que o crime de violência doméstica causa grande antipatia na sociedade, visto que todos os limites foram ultrapassados, assim se encaixando perfeitamente no inciso XXVII do Art. 34 da Lei 8.906/94.
Diante do exposto, conclui-se que o cometimento de violência doméstica é razão mais do que suficiente para a exclusão do profissional dos quadros da OAB, não sendo necessário aguardar o trânsito em julgado da ação penal para iniciar o processo administrativo e aplicar-lhe a pena de exclusão, o que não podemos fazer é retardar punições e contribuir com o sentimento de impunidade, que gerará maior dor e sofrimento às vítimas.
Assim pudermos observar que há entendimentos díspares quanto a questão, os que admitem a rigorosa punição e os que são contrários.
Pois bem. E os juízes que cometem ou cometeram crimes contra mulheres se sujeitariam ao mesmo rigor? Então creio que estaríamos diante de uma inconstitucionalidade. Não se pode desconhecer umm princípio básico constitucional, chamado ISONOMIA, pois então que se proíba o exercício de todas as profissões, em casos de agressão à mulher, bem como que se exija o exame para o exercício de toda profissão graduada, afinal o cidadão se forma em medicina e pode fazer uma cirurgia, sendo a vida o bem mais valioso, mas o advogado não pode advogar.
OAB também possui o dever de observar a constituição no exercício de sua autotutela administrativa. Pois há de se lembrar de determinados princípios: a) presunção de inocência em processo sancionatório ou criminal; b) direito à manifestação do contraditório; c) vedação, em qualquer seara, de penas em caráter perpétuo, inclusive as administrativas. Inclusive todos esses princípios também se fazem presentes na própria Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Não rechaço que crimes cometidos contra mulher configuram inidoneidade moral e um óbice a entrada em qualquer cargo ou carreira que exija tal como requisito, mas há de serem observados os referidos ditames constitucionais. Os operadores do direito não devem se deixar serem conduzidos pelo superficial juízo de valor realizado pela mídia e população leiga, mas, sim, pautarem-se na ciência jurídica e direito positivo.
Anuladas normas da OAB que impediam inscrição de acusados de violência. Juiz entendeu que precisa haver decisão judicial para caracterizar a inidoneidade.
O juiz Federal Diego Câmara, da 17ª vara Federal Cível da SJ/DF, declarou a ilegalidade de súmulas da OAB que impediam a inscrição de advogados acusados de violência doméstica contra mulheres, crianças, idosos e homossexuais por inidoneidade. O magistrado entendeu que precisa haver decisão judicial para caracterizar a inidoneidade.
Mas o judiciário repôs as coisas no seu devido lugar ao anular normas da OAB que impediam inscrição de acusados de violência, na ação civil pública proposta pelo MPF em face do Conselho Federal da OAB objetivando a revogação dos efeitos das súmulas 09/2019/COP, 10/2019/COP e 11/2019/COP.
Argumentou-se que a OAB extrapolou seu poder regulamentar ao editar as súmulas acima referidas, uma vez que estas restringem a inscrição de pessoas desprovidas de idoneidade moral, classificadas pela prática de violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência física ou mental e contra pessoas LGBTI+, em razão da orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero, independentemente de instância criminal ou pronunciamento pelo Poder Judiciário. A Ordem, em contrapartida, sustentou a legalidade das súmulas, bem como destacou que a idoneidade moral não se limita à prática de fatos criminosos apurados pelo Poder Judiciário, sequer necessitando de fato penalmente típico para a sua caracterização.
Ao analisar os autos, o sentenciante pontuou que embora o CFOAB seja responsável por regulamentar o Exame de Ordem, não há como ampliar o conceito de inidoneidade moral, de forma subjetiva, para abarcar pessoas acusadas de violência doméstica contra mulheres, crianças e idosos, e homofobia, independentemente de instância criminal, ou certificação judicial ou oficial.
As súmulas do Conselho Federal da OAB excedem o poder regulamentador conferido ao órgão de fiscalização profissional, diante da limitação imposta ao conteúdo da garantia inscrita no inciso XIII do art. 5.º da Constituição Federal, assecuratória do direito ao livre exercício profissional. Isso porque, em que pesem as atribuições regulamentares do Conselho Pleno, não há limitação legal ao registro de pessoas simplesmente acusadas de tais atos, enquanto não houver certificação judicial provisória ou definitiva.
Em que pese as condutas ali listadas sejam absolutamente reprováveis, e dignas do mais severo controle e repressão estatal, não há como caracterizar a ausência de idoneidade moral apenas a partir de elementos subjetivos, sem que haja chancela prévia do Poder Judiciário, sob pena de se violar frontalmente o princípio da isonomia e da impessoalidade, dado o elevado grau de subjetividade que o julgamento do conselho seccional pode resultar.
Com efeito, julgou o pedido procedente para declarar a ilegalidade das súmulas.
Guaxupé, 12/07/24
Milton Biagioni Furquim