Juiz, a arte de julgar!
Juiz, a arte de julgar!
Julgamos nosso comportamento, o que origina ansiedade e culpa em muitas situações. Julgamos o tempo todo o comportamento alheio, a menos que nos policiemos em um grau quase neurótico. Extremamente difícil não estabelecer juízo pessoal de valor acerca de determinada pessoa e determinada situação – fosse assim, aliás, não nos interessaríamos tanto por notícias de celebridades ou acontecimentos pitorescos, o que é utilizado fartamente pela mídia.
O juiz é o profissional que, por ofício, realiza obrigatoriamente esse ato natural e inerente, devendo fundamentar os motivos pelos quais o faz e sem a possibilidade de uma esquiva de consciência para o ato.e o juiz, por ter assessores (nem todos têm), delega o julgamento. Não é verdade. O trabalho de redação ou pesquisa é delegável, o julgamento é indelegável. O ato de julgar não enseja em si possibilidade de delegação, simplesmente porque inerente à consciência do magistrado, e, salvo um transtorno mental que bloqueie qualquer sentimento de culpa, remorso ou moral, nenhum magistrado escapa do julgamento de consciência ou da carga emocional.
O magistrado que condena um criminoso, mesmo com todas as provas e garantias, dentro da mais estrita legalidade, não escapa da enorme carga emocional da condenação de outro ser humano, por mais terrível e demonstrado que tenha sido o crime por ele cometido. Um magistrado que analisa um caso de acidente de trabalho, por exemplo, com morte do empregado – fazendo audiência na qual, em regra, está presente a família e, do outro lado, um representante ou, não raramente, um sócio da empresa –, recebe carga emocional indelegável.
Nessa esteira, é bastante delicado a um juiz socorrer-se, para decidir, da opinião, seja de colegas mais experientes, seja de outros profissionais, mesmo diante de um laudo pericial, um parecer do Ministério Público, ou uma orientação de ótima assessoria. O ato de julgar é solitário. Da mesma forma, fundamentar-se na opinião da mídia ou mesmo no clamor social não afasta o fato de que o julgamento ocorre de dentro para fora, jamais ao contrário.
Da mesma forma que é impensável um médico não ser afetado pela perda de um paciente, por mais que as condições de saúde e de sobrevivência fossem difíceis, impossível ao juiz não ser afetado pela decisão.
Julgar é, portanto, o ofício do juiz, que dele não escapa – não existe fuga dentro da consciência. Fora dela, entretanto, o juiz, que deve fundamentar toda e qualquer decisão, também é, de certa forma, réu na sociedade midiática. Não há saída. Seja qual for a decisão e a fundamentação, o juiz será sempre julgado, seja pela sociedade ou pela juíza mais rigorosa e verdadeira que existe: sua consciência.
Matias Aires apresenta o modelo de juiz. E mesmo assim, com mais razão, a consciência há de nos julgar sempre e de modo implacável: É severo, sem injúria, nem dureza, inflexível sem arrogância, reto sem aspereza, nem malevolência; modesto sem desprezo; constante sem obstinação; incontrastável sem furor e douto sem ser interpretador, sutilizador ou legislador; O seu caráter é um ânimo cândido, sincero e puro; é sensível a divertimento honesto, mas sem uso dele por causa do lugar; em tudo é moderado, civil, circunspecto, diligente, laborioso e atento; a ninguém é pesada a sua autoridade, e quando foi promovido a ela, todos reconheceram nele um protetor seguro da verdade e um medianeiro discreto e favorável para tudo o que fosse favor, clemência, generosidade; chegou àquele emprego por meio das virtudes e não por meio da fortuna; um alto merecimento o fez chamar; e as gentes se admiram, não de que fosse chamado, mas de que o não fosse mais cedo. No seu conceito não valem mais nem o pobre por humildade, nem o grande por poderoso; distingue as pretensões dos homens, pelo que elas são e não por de quem são”. (Extraído do livro Interpretação Realista do Direito, João Del Nero, Ed. Revista dos Tribunais).
Extrema, 23/03/21.
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