Da Alienação Fiduciária em Garantia sobre imóveis
Da Alienação Fiduciária em Garantia sobre imóveis
Os efeitos da decisão são imediatos, logo, os registros de imóveis do Brasil devem fiscalizar o cumprimento da nova norma nacional.
A decisão do Conselho Nacional de Justiça no PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0008242-69.2023.2.00.0000, que o julgou procedente, para acrescentar o Capítulo VI, “Da Alienação Fiduciária em Garantia sobre imóveis” ao Provimento nº 149/2023, inaugurado pela atuante e competente advogada Dra. Laura Porto, estabeleceu a obrigatoriedade da escritura pública nos contratos de alienação fiduciária de bem imóvel elaborados por pessoas jurídicas não pertencentes ao Sistema Financeiro Imobiliário ou que não sejam cooperativas de crédito.
Primeiro é importante compreender o surgimento e a evolução do Sistema Financeiro Habitacional, com a Lei nº. 4.380/64, art.8º, que destinava a aquisição de moradia para pessoas de baixa renda. Posteriormente, na metade da década de 90, surgiu a Lei nº 9.514/97, que concebeu o Sistema Financeiro Imobiliário, com o objetivo de estimular o mercado de crédito imobiliário e trazer mais oportunidades e condições vantajosas na aquisição de imóvel.
A discussão relacionada à possibilidade de qualquer pessoa física ou jurídica não integrante do SFI firmar o contrato de alienação fiduciária que envolve bem imóvel, por meio de instrumento particular com força de escritura pública, surgiu com a alteração do art. 22, § 1º, que autorizou esses sujeitos a firmarem esse tipo de contrato. O dispositivo gerava certa divergência de interpretação entre os Tribunais do Brasil.
O Conselho Nacional de Justiça, com a decisão a que aqui se alude, fulminou a discussão ao concluir que a excepcionalidade do instrumento particular como força de escritura pública é cabível somente para os integrantes do sistema financeiro imobiliário e cooperativas de crédito, padronizando-a em todo o território nacional por meio da emissão de provimento que altera o Código Nacional de Normas e aplica-se em todo o país.
Cumpre salientar ainda que os operadores do Sistema Financeiro Imobiliário e as cooperativas de crédito são regulamentados e fiscalizados pelo Bacen, nos termos da Resolução nº 4.676/2018, o que justifica ainda mais a referida decisão e a consequente limitação do uso instrumento particular com força de escritura pública para referidos entes.
Nota-se que a obrigatoriedade da escritura pública para os demais sujeitos valoriza ainda mais a função desempenhada pelos notários, que, além de cumprir a regra do art. 108 do Código Civil, também irão atuar com imparcialidade em eventuais casos de abuso econômico e supremacia do credor sobre o devedor, bem como na segurança jurídica dos atos e na proteção da sociedade, em razão da sua atuação nas comunicações decorrentes das transações imobiliárias relacionadas ao SISCOAF e à DOI.
Importante destacarmos os brilhantes fundamentos trazidos pelo eminente corregedor nacional de Justiça ministro Luís Felipe Salomão nos considerandos do provimento ora debatido, que assim dispôs: “CONSIDERANDO que a utilização de instrumento particular, relativo à alienação fiduciária, com efeitos de escritura pública tão somente pelos integrantes do Sistema Financeiro Imobiliário propiciará mais segurança jurídica, influenciando diretamente questões sociais e econômicas, fortalecendo os direitos dos cidadãos, sobretudo dos hipossuficientes, e funcionando como incentivo à política de desjudicialização, em alinhamento aos objetivos estratégicos deste Conselho Nacional de Justiça”.
Denota-se, nesse trecho do festejado provimento, o fortalecimento da atuação notarial por meio da exigência da escritura púbica como forma para a contratação da garantia de alienação fiduciária de bens imóveis, salvo nas hipóteses de operações no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
E a presença do notário nesses atos se justifica por inúmeras razões: i) o notário, como profissional do Direito, detentor de profundo saber jurídico e fé pública, está habilitado a conferir tanto a melhor sugestão jurídica aos negócios que lhe são apresentados como maior segurança jurídica às partes envolvidas; ii) na seara contratual, o notário deve informar às partes a direção a ser seguida dentro dos ditames da lei, atuando com a imparcialidade própria da sua função, auxiliando-as na consecução de seus objetivos visando garantir a higidez do negócio, a manifestação livre de vontade das partes contratantes e a confiança.
É neste ponto que a importante decisão trouxe enfoque: a confiança que a atuação notarial, por meio da confecção da escritura pública para contratação da garantia de alienação fiduciária de bens imóveis, traz ao tráfego negocial imobiliário.
Como “guardião dos negócios jurídicos imobiliários” e detentor da capacidade de prevenir litígios e de fomentar a paz social, o notário cada vez mais está sendo chamado a atuar em situações em que possam existir disparidades ou vulnerabilidades de uma parte em relação à outra, como nos contratos em massa.
E a intervenção notarial nesses contratos que envolvem operações de garantia fiduciária, principalmente quando existam hipossuficientes que necessitam de uma análise cuidadosa tanto das regras formais como do conteúdo do ato, extirpando qualquer vício existente em qualquer das cláusulas contratuais, é o mecanismo essencial para conferir a tão almejada segurança jurídica nas relações sociais.
A decisão enfatiza ainda mais o movimento de desjudicialização em andamento no Brasil, atribuindo aos serviços notariais e registrais do Brasil, com exclusividade, mais uma função.
Por fim, ressalta-se que a decisão do Conselho Nacional de Justiça estabelece o prazo de 30 (trinta) dias para que as Corregedorias locais adequem seus Códigos de Normas. Entretanto, os efeitos da decisão são imediatos, logo, os registros de imóveis do Brasil devem fiscalizar o cumprimento da nova norma nacional, exigindo, para registro, escritura pública ou, excepcionalmente, instrumento particular com força de escritura pública elaborado por pessoas jurídicas pertencentes ao Sistema Financeiro Imobiliário ou cooperativas de crédito.
Eventuais constrições sobre o direito real de aquisição do fiduciante – tais como a indisponibilidade e apenhora – não obstarão a consolidação da propriedade ou o leilão do imóvel. Essa alteração legislativa consolida o atual entendimento da jurisprudência.
Possibilidade de leilão dos imóveis em conjunto ou separadamente
A lei agora permite expressamente que, quando a alienação fiduciária envolver dois ou mais imóveis, o credor terá a prerrogativa de realizar o leilão em ato simultâneo ou em atos sucessivos, à medida do necessário para a satisfação do crédito. A proposta de alteração da lei reflete exatamente as cláusulas contratuais que o Teixeira Fortes sempre recomendou aos seus clientes.
Consequência jurídicas da arrematação
Com a arrematação do imóvel ou a consolidação definitiva da propriedade em virtude de leilões infrutíferos, fica determinado que litígios judiciais relacionados às condições contratuais ou aos procedimentos de cobrança e realização dos leilões não constituirão empecilho à reintegração de posse. Tais processos, salvo aqueles que dizem respeito à notificação prévia do fiduciante, serão resolvidas exclusivamente em perdas e danos.
Essa disposição visa assegurar a fluidez do processo de transferência de propriedade, evitando que disputas paralelas sobre aspectos contratuais ou procedimentais interrompam ou posterguem indevidamente a posse legítima por parte do arrematante ou do credor. Desse modo, contribui-se para a celeridade e efetividade do sistema de garantias e execuções imobiliárias, enfatizando a responsabilidade civil como meio de reparação.
Em síntese, estes foram, em nosso entendimento, os pontos mais relevantes das recentes modificações na lei de alienação fiduciária de bens imóveis introduzidas pelo Marco Legal das Garantias.
Guaxupé, 09/07/24
Milton Biagioni Furquim