PESSOAS MAIORES DE 70 ANOS. PESSOA IDOSA. VULNERABILIDADE. CASAMENTO. A RECENTE DECISÃO DO STF

PESSOAS MAIORES DE 70 ANOS. PESSOA IDOSA. VULNERABILIDADE. CASAMENTO. A RECENTE DECISÃO DO STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, nesta quinta-feira (1°), que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes. Por unanimidade, o Plenário entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, prevista no Código Civil, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.

Segundo a decisão, para afastar a obrigatoriedade, é necessário manifestar esse desejo por meio de escritura pública, firmada em cartório. Também ficou definido que pessoas acima dessa idade que já estejam casadas ou em união estável podem alterar o regime de bens, mas para isso é necessário autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável). Nesses casos, a alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

Em recente decisão nos autos do recurso extraordinário com agravo, com repercussão geral (Tema 1.236), ARE 1.309.642, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, entendeu que manter a obrigatoriedade da separação de bens, prevista no art. 1641, II, do Código Civil, desrespeita o direito de autodeterminação das pessoas idosas.

Nos autos, discutiu-se, basicamente, a constitucionalidade da regra prevista no art. 1.641, II, do Código Civil, de acordo com a qual, nos casamentos com pessoa maior de 70 anos, é obrigatória a separação de bens, sendo também enfrentada a questão da aplicabilidade dessa norma às uniões estáveis.

O pleno do Supremo Tribunal Federal, acolhendo o voto do relator, Ministro Roberto Barroso, definiu que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes, por meio de escritura pública. Ficou definido também que pessoas acima dessa idade que já estejam casadas ou em união estável podem alterar o regime de bens, sendo necessária, neste caso, autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável).

Nessas situações, a alteração produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro, tendo o Ministro Barroso acolhido a proposta de modulação feita pelo ministro Cristiano Zanin, que alegou necessidade de respeito ao princípio da segurança jurídica, para estabelecer que a mudança somente passasse a valer para os casos futuros, sem afetar processos de herança ou divisão de bens que já estejam em andamento. O ministro Barroso, então, incluiu em seu voto que “a presente decisão tem efeitos prospectivos, não afetando as situações jurídicas já definitivamente constituídas".

Portanto, a tese de repercussão geral fixada para o Tema 1.236 recebeu a seguinte redação: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública".

Mas seria essa a melhor solução dada pelo Supremo Tribunal Federal?

Não estaria a Corte Superior, a pretexto de prestigiar questionável argumento (de cunho evidentemente “politicamente correto”), ao destacar que a discriminação por idade, entre outras, é expressamente proibida pela Constituição Federal (artigo 3°, inciso IV), desguarnecendo a pessoa idosa, portadora de vulnerabilidade, a quem a Constituição Federal, o Estatuto da Pessoa Idosa e o próprio Código Civil procurou proteger?

Como é cediço, o Brasil, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, debruçou-se com mais atenção na Tutela dos Vulneráveis, procurando proteger os menos favorecidos nas relações jurídicas e pessoais, e buscando equalizar, por meio de normas protetivas, aqueles grupos merecedores de maior proteção por parte do ordenamento jurídico.

O conceito de vulnerabilidade, como situação de predisposição a um risco social, busca reconhecer a desigualdade em certas relações jurídicas, visando garantir igualdade e isonomia, equalizando a assimetria de poder e preservando o vulnerável de ofensa à sua existência digna. Daí a vulnerabilidade por idade (crianças, adolescente e pessoas idosas), a vulnerabilidade por deficiência (física ou mental) e a vulnerabilidade por condição de vida ou de gênero (mulher em situação de violência doméstica e familiar). Para tanto, há o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) e o Estatuto da Pessoa Idosa (Lei n. 10.741/03).

Ora, como já ressaltado, o artigo 1.641, II, do Código Civil estabelece que é obrigatório o regime de separação total de bens nos casamentos de pessoas maiores de 70 anos. Este dispositivo legal impõe uma restrição específica quanto à escolha do regime de bens para casais nessa faixa etária.

A justificativa por trás dessa obrigatoriedade reside precipuamente na proteção do patrimônio dos cônjuges mais idosos, visando evitar situações de vulnerabilidade econômica e possíveis abusos financeiros que possam ocorrer em relacionamentos estabelecidos nessa fase da vida. O legislador entende que, em razão da idade avançada, as pessoas podem estar mais suscetíveis a influências externas, como pressões familiares ou até mesmo questões de saúde que possam comprometer sua capacidade de discernimento em relação aos bens.

Portanto, ao impor o regime de separação total de bens para casamentos de pessoas com mais de 70 anos, o Código Civil busca proteger essas pessoas idosas, garantindo que não sejam prejudicadas financeiramente em decorrência de um eventual desequilíbrio de poder nas relações conjugais.

Nesse sentido, há diversos fatores que contribuem para essa vulnerabilidade, tais como:

a) Possível fragilidade física e mental: com o avanço da idade, é comum que as pessoas enfrentem desafios relacionados à saúde física e mental. Esses problemas podem afetar a capacidade da pessoa idosa de tomar decisões assertivas, especialmente em questões complexas, como as relativas aos bens e ao patrimônio.

b) Relações familiares e interpessoais: pessoas idosas muitas vezes dependem de familiares ou cuidadores para auxiliá-las em diversas atividades do dia a dia. Infelizmente, nem sempre essas relações são saudáveis e equilibradas, podendo haver casos de abuso de confiança, manipulação ou coação, especialmente em questões financeiras.

c) Experiência limitada em questões modernas: muitas pessoas idosas podem não estar tão familiarizadas com questões financeiras mais complexas, como investimentos, contratos e planejamento patrimonial. Isso pode torná-las mais propensas a tomar decisões precipitadas ou serem influenciadas por terceiros que possuem interesses próprios.

d) Risco de exploração financeira: infelizmente, há casos em que pessoas idosas são alvos de golpes financeiros, fraudes e abusos por parte de terceiros, incluindo membros da família, cuidadores, cônjuges ou mesmo estranhos. A impNada, absolutamente nada, tem a ver com “preconceito”, “discriminação” ou desrespeito à autodeterminação da pessoa idosa, como fez parecer a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Partindo de argumentação falaciosa, de premissas equivocadas (com todo o respeito) e chegando a conclusão perniciosa, a referida Corte fez crer que aqueles que abonam a proteção legal à pessoa idosa (decorrente da vulnerabilidade presumida), são preconceituosos e compactuam com a discriminação, desrespeitando o seu direito de autodeterminação.

Nada disso.

O próprio Código Penal, ao tratar das imunidades nos arts. 181 e 182, excepciona, no art. 183, III, a aplicabilidade das imunidades penais absolutas e relativas quando “o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, em evidente caráter protetivo, já que essa disposição foi incluída na lei penal justamente pelo Estatuto da Pessoa Idosa (art. 110 da Lei n. 10.741/03).

Apenas para registro, vale ressaltar que o Código Civil de 2002, em sua redação originária, previa, no art. 1.641, II, a obrigatoriedade do regime de separação de bens no casamento “da pessoa maior de sessenta anos”, somente após, por força de alteração promovida pela Lei n. 12.344/10, se referindo a “pessoa maior de 70 (setenta) anos”, já buscando, de certa maneira, prestigiar a autonomia de vontade da pessoa idosa de menor idade.

Independentemente de judiciosas posições em contrário, já que diversos “amici curiae” foram admitidos pelo relator do processo, entendemos que a solução dada ao caso não foi a mais acertada. A melhor solução, a nosso ver, seria prestigiar a proteção à pessoa idosa estabelecida pelo Código Civil, em atenção à vulnerabilidade latente, para preservá-la e mitigar os riscos acima especificados, garantindo que tenham uma proteção adicional em relação aos seus bens e patrimônio, preservando sua autonomia e dignidade na tomada de decisões relacionadas ao seu próprio futuro financeiro.

Tenho que haverá aumento nos casos de judicialização, mas acredito que o magistrado sempre irá pautar sua decisão de acordo com o direito de escolha do cidadão, a capacidade de autodeterminação é que prevalece, como em todos os negócios jurídicos.

A decisão abrirá brechas para questionamentos dos casamentos e união estáveis, mas serão teses a serem defendidas a partir de cada caso concreto. O importante é que essa decisão valorizou a liberdade das pessoas de escolherem o seus regimes de bens, mesmo quando tiverem mais de 70 anos.

Guaxupé, 31/05/24.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 31/05/2024
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