É possível cumular pensão vitalícia integral do Estado, em decorrência do óbito de seu companheiro, ocupante do cargo público, e a decorrente de ato ilícito causado por acidente automobilístico?
É possível cumular pensão vitalícia integral do Estado, em decorrência do óbito de seu companheiro, ocupante do cargo público, e a decorrente de ato ilícito causado por acidente automobilístico?
A questão foi apresentada para decisão da seguinte forma:
João, servidor público estadual, colidiu com seu veículo com o automóvel de Pedro. João faleceu em razão do acidente. A perícia atestou que ambos os condutores foram culpados pelo sinistro (houve culpa concorrente). Francisca, companheira de João, passou a receber pensão por morte da Administração Pública estadual. Paralelamente a isso, Francisca ajuizou ação de reparação de danos morais e materiais em face de Pedro. A autora pediu para receber do réu uma pensão mensal, a título de alimentos indenizatórios, na forma do art. 948, II, do Código Civil: Art. 948. No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: (...) II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
O juiz concederá a indenização por danos morais, por verto, mas a prestação de alimentos indenizatórios oferecendo é questão muito relativa, não são ‘favas contada’ e, cada caso é um caso.
A pretensão relativa ao recebimento de pensionamento mensal, a ser pago pelo causador do evento danoso, não é de ser aceita como causa definida. Isso porque o falecido, por ser servidor público, deixou para a autora uma pensão mensal vitalícia, a ser paga pelo Estado, no valor integral dos vencimentos do “de cujus”.
A discussão no STJ sobre tal questão é no sentido de que é possível cumular pensão vitalícia integral do Estado, em decorrência do óbito de seu companheiro, ocupante do cargo público, e a decorrente de ato ilícito causado por acidente automobilístico. desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima. Eis a questão.
A pensão previdenciária tem uma causa jurídica e a pensão indenizatória possui outra causa jurídica, embora ambas decorram do mesmo evento lesivo (morte ou incapacidade para o trabalho).
Por terem causas jurídicas distintas, o fato de a pessoa receber pensão de natureza previdenciária não é motivo, por si só, para estar proibida de receber pensão decorrente de ato ilícito. Nesse sentido: STJ. 4ª Turma. REsp 1.525.356/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/9/2015.
Todavia, deve-se olhar a matéria sob o prisma do princípio da reparação integral do dano consagrado no art. 944 do Código Civil como definidor da indenização a ser suportada pelo agente: Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
Assim, somente se justificará a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurar, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior.
No caso concreto, a autora recebe pensão previdenciária no exato valor que o falecido recebia a título de remuneração quando estava vivo. Isso significa que não houve, para a requerente uma perda patrimonial. Ficou comprovado que não existiu a diferença patrimonial na renda familiar.
Diante disso, se fosse concedida pensão indenizatória para a autora haveria uma quebra do princípio da reparação integral do dano, positivado no art. 944 do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”.
Somente se justificaria a condenação ao pagamento de pensão alimentícia indenizatória se o valor da pensão paga pelo Estado não assegurasse, ao dependente da vítima, a recomposição da situação patrimonial anterior.
Ademais, houve culpa concorrente entre a vítima fatal e o réu no acidente que causou o óbito, o que deve ser considerado no arbitramento de pensão alimentícia caso tivesse havido decréscimo na renda familiar. Nesse arbitramento também deverá ser levado em conta que parte da renda familiar seria destinada a manutenção do próprio companheiro falecido.
Dessa forma, como a companheira do falecido já recebe pensão integral paga pelo Estado decorrente do falecimento de seu companheiro, e não comprovou que ele exercesse alguma outra atividade que lhe proporcionasse renda extra, não há prejuízo a ser ressarcido sob o título de pensão alimentícia indenizatória (art. 948, II do Código Civil). Assim foi decidido.
Em suma: O recebimento de pensão previdenciária não exclui a condenação do ofensor à prestação de alimentos indenizatórios, desde que demonstrado decréscimo na situação financeira dos dependentes da vítima. STJ. 4ª Turma. REsp 1.392.730-DF, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/3/2024 (Info 804).
Guaxupé, 10/04/24.
Milton Furquim