Metrô deve ser responsabilizado por roubo ocorrido em suas dependências, se ficar evidenciado que a empresa não adotou os procedimentos mínimos de segurança
Metrô deve ser responsabilizado por roubo ocorrido em suas dependências, se ficar evidenciado que a empresa não adotou os procedimentos mínimos de segurança
Imagine a seguinte situação hipotética: João, passageiro regular do metrô de São Paulo, aguardava o trem na Estação Paraíso. Ele foi abordado por três indivíduos, sendo um deles armado. Sob ameaça, João foi forçado a entregar seu telefone celular e sua carteira. Vale ressaltar que o roubo ocorreu dentro das instalações da Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) e que não havia nenhum agente de segurança ou dispositivo de monitoramento no local do assalto.
Importante ainda destacar que os roubos no metrô aconteciam com frequência e já tinham sido noticiados por reportagens meses antes do ato criminoso contra João. Inconformado, João ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais contra a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), alegando que a empresa falhou em fornecer um ambiente seguro para seus usuários. Argumentou que, como concessionária de serviço público, o Metrô tem a responsabilidade de garantir a segurança dos passageiros, e a ausência de segurança adequada na estação contribuiu para o ocorrido. Após a tramitação nas instâncias ordinárias, o caso chegou até o STJ. A concessionária foi condenada a indenizar João? Por evidente que sim, uai.
Em regra, o STJ entende que a concessionária de transporte coletivo não possui responsabilidade civil por crimes praticados por terceiros em suas dependências. Nesse sentido: Não há responsabilidade da empresa de transporte coletivo na hipótese de ocorrência de prática de ilícito alheio à atividade fim, pois o ato doloso de terceiro afasta a responsabilidade civil da concessionária por estar situado fora do desenvolvimento normal do contrato de transporte (fortuito externo), não tendo com ele conexão. STJ. 2ª Seção. REsp 1.853.361/PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, relator para acórdão Min. Marco Buzzi, DJe de 5/4/2021.
A concessionária de serviço público de transporte não tem responsabilidade civil em caso de assédio sexual cometido por terceiro em suas dependências.
A importunação sexual no transporte de passageiros, cometida por pessoa estranha à empresa, configura fato de terceiro, que rompe o nexo de causalidade entre o dano e o serviço prestado pela concessionária – excluindo, para o transportador, o dever de indenizar. O crime era inevitável, quando muito previsível apenas em tese, de forma abstrativa, com alto grau de generalização. Por mais que se saiba da possibilidade de sua ocorrência, não se sabe quando, nem onde, nem como e nem quem o praticará. Apenas se sabe que, em algum momento, em algum lugar, em alguma oportunidade, algum malvado o consumará. Então, só pode ter por responsável o próprio criminoso. STJ. 2ª Seção. REsp 1.833.722/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 03/12/2020.
O caso concreto, contudo, é diferente. A concessionária deve ser responsabilizada não pelo mero ato ilícito praticado por terceiro ou por não ter impedido o assalto à mão armada. A concessionária deve ser responsabilizada porque não cumpriu com os requisitos mínimos legais de segurança. Ela deve ser responsabilizada porque não havia agente de segurança nem dispositivo de monitoramento nas dependências da estação de metrô. Essa omissão facilitou a ocorrência do roubo e impossibilitou que a vítima buscasse auxílio para prender os assaltantes.
A falta de corpo de segurança no local e de dispositivos de monitoramento configura ofensa flagrante aos deveres impostos à prestadora de serviço público de transporte metroviário, à luz do disposto na Lei nº 6.149/74, que dispõe sobre a segurança do transporte metroviário: Art. 3º Para a segurança do transporte metroviário, a pessoa jurídica que o execute deve manter corpo próprio e especializado de agente de segurança com atuação nas áreas do serviço, especialmente nas estações, linhas e carros de transporte. Art. 4º O corpo de segurança do metrô colaborará com a Polícia local para manter a ordem pública, prevenir ou reprimir crimes e contravenções penais nas áreas do serviço de transporte metroviário. § 1º Em qualquer emergência ou ocorrência, o corpo de segurança deverá tomar imediatamente as providências necessárias a manutenção ou restabelecimento da normalidade do tráfego e da ordem nas dependências do metrô. § 2º Em caso de acidente, crime ou contravenção penal, o corpo de segurança do metrô adotará as providências previstas na Lei nº 5.970, de 11 de dezembro de 1973, independentemente da presença de autoridade ou agente policial, devendo ainda: I - Remover os feridos para pronto-socorro ou hospital; II - Prender em flagrante os autores dos crimes ou contravenções penais e apreender os instrumentos e os objetos que tiverem relação com o fato, entregando-os à autoridade policial competente; e III - Isolar o local para verificações e perícias, se possível e conveniente, sem a paralisação do tráfego. Art. 5º Em qualquer dos casos a que se refere o § 2º do artigo anterior, após a adoção das providências previstas, o corpo de segurança do metrô lavrará, encaminhando-o à autoridade policial competente, boletim de ocorrência em que serão consignados o fato, as pessoas nele envolvidas, as testemunhas e os demais elementos úteis para o esclarecimento da verdade. Parágrafo único. O boletim de ocorrência se equipara ao registro policial de ocorrência para todos os fins de direito.
Vale ressaltar que os assaltos no metrô eram corriqueiros e estavam sendo divulgados por reportagens veiculadas meses antes do crime cometido contra João.
Nesse contexto, seria lógico que a concessionária tivesse adotado o mínimo de condições de segurança esperada nos meses seguintes, o que não ocorreu, pois, quando do cometimento do crime, as dependências da estação permaneciam sem mecanismo de vigilância algum, o que, impediu inclusive o auxílio na busca e repreensão dos autores do ilícito, dever atribuído à concessionária por força dos arts. 3º, 4º e 5º da referida lei.
Em suma: A concessionária de serviço público deve ser responsabilizada pelos danos sofridos por passageiro nas dependências da estação do metrô, em razão de assalto à mão armada, quando evidenciada a falha na prestação do serviço, em virtude da não adoção de procedimentos mínimos de segurança. STJ. 4ª Turma. REsp 1.611.429-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/9/2023 (Info 15 – Edição Extraordinária).
Guaxupé, 05/04/24.
Milton Biagioni Furquim