Admite-se a intervenção de terceiros no processo de habeas corpus?
Admite-se a intervenção de terceiros no processo de habeas corpus?
Leonardo Barreto (Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2024) explica que existem três espécies de ação penal privada:
ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL PRIVADA
a) ação penal exclusivamente privada (ou propriamente dita) b) ação penal privada personalíssima c) ação penal privada
subsidiária da pública
É a ação penal privada que pode ser iniciada ou acompanhada por todos legitimados reconhecidos em lei:
a) o ofendido (regra geral);
b) seu representante legal (sendo o ofendido incapaz – art. 30 do CPP);
c) seus sucessores, no rol do CADI (no caso de morte ou declaração judicial de ausência
do ofendido – art. 31do CPP); ou
d) seu curador especial (nas hipóteses do art. 33 do CPP). É aquela na qual a legitimidade ativa exclusiva é da pessoa ofendida, não se admitindo que o representante legal, seus sucessores ou o curador especial dela ocupem o polo ativo.
Atualmente, o único exemplo de ação penal privada personalíssima é o crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento ao
casamento (art. 236, parágrafo único, CP). É a espécie de ação penal privada ajuizada pelo particular em hipóteses de crimes que, na
origem, são de ação penal pública, mas para os quais o Ministério Público deixou transcorrer in albis (em branco) o prazo para o oferecimento da denúncia.
É prevista no art. 5º, LIX, da CF e no art. 29 do CPP.
Imagine agora a seguinte situação hipotética:
Francisco, Delegado de Polícia, teria praticado abuso de autoridade contra João.
O Ministério Público não ofereceu denúncia contra Francisco no prazo legal.
João, ofendido, ingressou, então, com ação penal privada subsidiária da pública contra Francisco.
A queixa foi recebida pelo juiz.
Inconformado, Francisco impetrou habeas corpus pedindo o trancamento da ação penal.
Diante desse cenário, indaga-se: João (querelante) poderá intervir no habeas corpus impetrado por Francisco (querelado) com o objetivo de trancar a ação penal?
SIM.
O habeas corpus é uma espécie de ação constitucional que, em regra, não admite intervenção de terceiros.
Essa regra é flexibilizada nos casos em que a ação de fundo se consubstancia em ação penal privada ou privada subsidiária da pública.
Assim, se o querelado impetrar habeas corpus com o objetivo de questionar a queixa proposta (inclusive a subsidiária), deve-se assegurar ao querelante o direito de resguardar o seu interesse - o qual se concretiza na entrega jurisdicional final - em todos os graus de jurisdição.
O querelante, mesmo não sendo parte no habeas corpus, é parte na relação processual principal e, por isso mesmo, deve ser admitido como terceiro interessado em demanda que visa ao trancamento do processo, cuja marcha processual somente teve início devido a sua iniciativa.
O que define a existência do interesse de agir de terceiro em um processo de habeas corpus não é apenas a natureza dessa ação, mas especialmente a legitimidade ad causam do querelante para dar início ao processo penal, com base nos arts. 29 e 30 do CPP:
Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
Em suma:
É cabível a intervenção do querelante no habeas corpus impetrado pelo querelado com o objetivo de trancar a ação penal privada ou privada subsidiária da pública. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.956.757/SP, Rel. Min. Messod Azulay Neto, julgado em 6/2/2024 (Info 800).
No mesmo sentido:
O STJ e o STF têm se manifestado quanto à possibilidade excepcional de intervenção do querelante em julgamento de habeas corpus, tendo em vista que a decisão a ser tomada repercute em seu interesse de agir.
STJ. 6ª Turma. REsp 1.413.879/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 18/11/2014.
No mesmo norte, colhe-se o seguinte julgado com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal: Os querelantes têm legitimidade e interesse para intervir em ação de habeas corpus buscando o trancamento da ação penal privada e recorrer da decisão que concede a ordem. STF. Plenário. ARE 859.251 RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 21/05/2015.
Guaxupé, 19/04/24
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito