É POSSÍVEL PREVER CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO E EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADES EM CONTRATOS COM EMPRESAS PÚBLICAS OU SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA?

É POSSÍVEL PREVER CLÁUSULA DE LIMITAÇÃO E EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADES EM CONTRATOS COM EMPRESAS PÚBLICAS OU SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA? Por: Pedro Ivan Vasconcelos Hollanda

Contratos empresariais frequentemente incorporam cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade, buscando antecipar cenários de descumprimento contratual em situações normais. A imprevisibilidade inerente aos contratos torna essas cláusulas cruciais para alocar riscos de maneira eficaz.

Essas definições evitam a aplicação imediata do artigo 402 do Código Civil Brasileiro, proporcionando informações precisas sobre as consequências do descumprimento. A negociação eficiente dessas cláusulas, seja transferindo ou compartilhando responsabilidades, é fundamental para mitigar riscos.

A autonomia contratual, exercida pelos contratantes privados, é limitada pela função social do contrato. No entanto, em sociedades de economia mista e empresas públicas, regidas pela Lei nº 13.303/2016, há conflitos sobre a aplicação dessas cláusulas.

O Tribunal de Contas do Paraná e o Tribunal de Contas da União forneceram orientações divergentes sobre a possibilidade de limitação de responsabilidade em contratos dessas entidades. Enquanto o primeiro sinaliza a viabilidade, o segundo adota uma postura mais restritiva.

Vejamos com mais detalhes.

Essa disparidade cria desafios para empresas que fornecem a entidades reguladas pela Lei 13.303/2016, onde a negociação de cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade é menos comum.

O tema permanece em debate, com implicações não apenas para empresas públicas e sociedades de economia mista, mas para toda a administração pública. A busca por um entendimento alinhado sobre responsabilização visa garantir preços competitivos e um atendimento eficiente aos usuários dos serviços oferecidos por essas entidades.

Situação corriqueira nas relações entre empresas privadas é a celebração de contratos contendo cláusulas de exclusão e de limitação de responsabilidade.

Por não ser possível aos contratantes prever todas as hipóteses de riscos decorrentes de suas relações contratuais, é comum a definição de cláusulas prevendo exclusões e limitações das responsabilidades advindas do “ato temido” do descumprimento de obrigações contratuais.

Não se está a falar de atos imprevistos, como o caso fortuito ou de força maior, assim como das hipóteses de onerosidade excessiva em decorrência de atos externos, alheios à vontade dos contratantes.

Trata-se da previsão de exclusão ou limitação de responsabilidades em decorrência do descumprimento contratual em situações “normais”, ou seja, naquelas em que não situações imprevistas acima referida, mas que uma das partes descumpre a obrigação contratualmente assumida.

É o exemplo da prestação de um serviço que demande uma solução técnica que deveria ser executada durante o transcurso do contrato, mas que, por deficiência ou falha técnica do contratado, não conseguiu apresentá-la adequada ou tempestivamente.

Ou ainda, a entrega de um produto contendo certa funcionalidade, mas que não se concretizou durante o decorrer do contrato, conforme inicialmente previsto.

Inúmeros podem ser os exemplos de descumprimentos contratuais decorrentes de atos não intencionais de inadimplemento, advindos da álea natural dos contratos.

Isso leva à possibilidade dos contratantes previamente alocarem seus riscos mediante definições contratuais mais específicas, que desde logo trarão aos contratantes as informações precisas sobre a exata consequência do descumprimento contratual.

Com isso, evita-se a aplicação imediata da regra ampla e indefinida do artigo 402 do Código Civil Brasileiro, de que “as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”.

A inexecução de um contrato, mesmo que decorrente de ato não intencional ou de culpa grave do devedor poderá levar até mesmo à sua falência, prejudicando não apenas a si próprio, mas a todos (sócios, empregados, fornecedores, investidores etc.), incluindo a outra parte contratante.

Assim, as definições sobre exclusão ou limitação de responsabilidades, importam, respectivamente, em formas de transferência ou compartilhamento do risco.

Na transferência, certa responsabilidade, como é o caso dos lucros cessantes que uma parte incorre pelo descumprimento contratual da outra, podem ser excluídos da responsabilidade do contratado, desde que não se esteja diante de culpa grave ou descumprimento intencional.

No compartilhamento, limita-se certa responsabilidade a um percentual do valor do contrato, de um produto, de uma fatura, de uma medição etc., a qual, se acaso acionada, não importará em uma responsabilidade ilimitada de uma das partes contratantes, que possa lhe levar à bancarrota.

Como afirma Wanderley Fernandes “a negociação de um nível adequado de ressarcimento possível dos danos pode significar, assim, benefícios mútuos às partes” eis que, “de um lado, dá previsibilidade ao possível causador do dano, o que lhe permite a contratação de seguros em condições mais favoráveis, e, de outro lado, propicia à outra parte uma eficiente equação dos riscos”, pois “não terá incorporado ao preço o custo da contingência conectada a um evento que poderá ou não ocorrer, ao mesmo tempo que poderá ter ressarcidos os danos em níveis julgados adequados no momento da formatação do contrato”.

Essa é uma das mais relevantes funções do direito contratual, ao facilitar o processo de compartilhamento dos riscos e assegurar a eficácia da alocação de riscos estabelecida nos contratos.

Tal liberdade contratual, porém, é inerente aos contratantes privados, a qual é exercida nos limites da função social do contrato (art. 421, do CCB) e conforme a alocação de riscos que melhor definam as partes (art. 421-A, II, do CCB).

A dúvida é saber se também pode ser aplicada às sociedades de economia mista e empresas públicas, regidas pela Lei n. 13.303/2016, em sua relação com particulares.

Muito embora o artigo 68 de referido diploma defina que “os contratos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado”, a redação do artigo 78 do mesmo diploma coloca em cheque tal autonomia contratual.

Isso porque dispõe referido dispositivo que “o contratado é obrigado a reparar (…) o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados”, assim como “responderá por danos” causados diretamente à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato.

Ou seja, de acordo com a regra do artigo 76, não há espaço para exclusões ou limitações de responsabilidades da entidade privada que tenha sido contratada pela sociedade de economia mista ou empresa pública.

Isso gera um conflito nas empresas que fornecem a tais sociedades, pois perante o mercado privado, há a possibilidade e a praxe de negociações contendo limitações e exclusões de responsabilidades, o que, porém, não se verifica no caso das empresas reguladas pela Lei 13.303/2016.

Acerca do tema, porém, o Tribunal de Contas do Paraná, em recente consulta que lhe foi formulada, manifestou-se pela possibilidade de inserção de cláusula contratual de limitação de responsabilidade por danos por parte do contratado, sem que isso represente ofensa ao artigo 76 da Lei das Estatais.

A justificativa apresentada foi no sentido de que a Lei n. 13.303/2016, não proíbe dispositivo contratual relativo a critérios ou métodos de mensuração dos danos, do processo e da forma de pagamento.

Porém, disciplinou-se que tais formas de limitação de responsabilidade devem (i) estar em conformidade com o regulamento de licitações da entidade estatal; (ii) ser acompanhada de motivação analítica, pela administração, a justificar a excepcionalidade da cláusula; (iii) demonstrar a vantagem econômica buscada; (iv) comprovar as particularidades do mercado, com casos similares; (v) demonstrar que de outra forma não poderia ser concluir o negócio e, por fim (vi) ser apresentada uma matriz de riscos, conforme prevê o artigo 42, X, da Lei 13.303/2016, a qual deve auxiliar na definição de uma limitação de responsabilidades das partes contratantes.

Analisando a questão no âmbito do Tribunal de Contas da União, encontra-se relevante resultado da Consulta Administrativa objeto do acórdão nº 534/2021, e 17.03.2021, pelo qual se decidiu pela possibilidade da União (administração pública direta) celebrar contratos com particulares, nos quais previstas cláusulas de limitação ou exclusão de responsabilidade, conforme disposto nas Leis Federais nº 14.121/2021 e 14.124/2021.

Tal orientação, por mais que tenha sido tomada durante a Pandemia de COVID-19, e seja relativa à aquisição de vacinas nas quais o fabricante exigia limitações e exclusões de responsabilidades, consoante praticado em negócios firmados com variados países do mundo, abre caminho para a discussão do tema não apenas perante as empresas públicas e sociedades de economia mista, mas perante a administração pública em geral.

Assim, as orientações da Corte de Contas Paranaense e do Tribunal de Contas da União, servem de exemplo a se buscar um melhor entrosamento no tema da responsabilização entre os âmbitos público e privado, visando o alcance de preços competitivos e, ao mesmo tempo, um melhor atendimento aos usuários dos serviços disponibilizados por empresas públicas e de sociedade economia mista.

Gxp 01/03/54.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 01/03/2024
Reeditado em 01/03/2024
Código do texto: T8010445
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