É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual
É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual
Imagine a seguinte situação hipotética:
João da Silva, conhecido socialmente como Manoela, se reconhece emocional e psicologicamente como mulher. Há cerca de 1 ano, Manoela vem passando por tratamento hormonal, com acompanhamento médico, para transição de gênero. Manoela não reconhece mais o seu corpo biológico, o que ocasiona grave impacto em sua saúde mental, de forma que vem sendo assistida por psicólogo e psiquiatra, os quais a diagnosticaram com Transtorno de Identidade de Gênero, também conhecido como disforia de gênero, ou transexualismo, qualificado como CID 10 F64.
Os profissionais recomendaram que ela fizesse a cirurgia de transgenitalização. Diante desse cenário, Manoela solicitou do plano de saúde autorização para realização e custeio do procedimento cirúrgico de transgenitalização e para a colocação de próteses mamárias.
O plano de saúde negou os procedimentos sob o argumento de que não estão previstos no rol obrigatório da ANS.
Manoela ajuizou ação contra o plano pedindo que ele fosse condenado a custear os referidos procedimentos. Pediu, ainda, a condenação da operadora ao pagamento de indenização por danos morais.
Em contestação, o plano reiterou o argumento de que não é obrigado a realizar procedimentos cirúrgicos que não estão previstos no rol da ANS. Ainda inconformado, o plano de saúde alegoue:
• o tratamento solicitado por Manoela não está previsto no rol de cobertura obrigatória do plano
• o procedimento pretendido para mudança de sexo é experimental e a prótese mamária possui cobertura apenas para o tratamento e câncer, o que não é o caso da autora, que pretende a função apenas estética.
A senença julgou procedente o pedido ao fundmento de que não se trata de procedimento experimental. Os procedimentos de afirmação de gênero do masculino para o feminino são reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e foram também incorporados ao SUS, com indicação para o processo transexualizador, constando, inclusive, na tabela de procedimentos, medicamentos, órteses, próteses e materiais especiais do SUS, vinculados ao CID 10 F640 - transexualismo (atual CID 11 HA60 - incongruência de gênero), não se tratando, pois, de procedimentos experimentais.
Procedimentos para redesignação sexual estão incluídos no rol da ANS. Os procedimentos que integram a redesignação sexual no sexo masculino e a plástica mamária incluindo prótese, descritos na Portaria 2.803/2013 do Ministério da Saúde, constam do anexo I do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS (Resolução ANS 465/2021), a saber: orquiectomia, amputação total do pênis, neovagina, reconstrução da mama com prótese, dentre outros.
A implantação de prótese mamária de silicone, no processo transexualizador, não é uma cirurgia meramente estética. No processo transexualizador, a cirurgia plástica mamária reconstrutiva bilateral, incluindo prótese mamária de silicone, é procedimento que, muito antes de melhorar a aparência, tem por objetivo a afirmação do próprio gênero, incluída no conceito de saúde integral do ser humano. Essa medida tem por objetivo a prevenção ao adoecimento decorrente do sofrimento causado pela incongruência de gênero, pelo preconceito e pelo estigma social vivido por quem experiência a inadequação de um corpo masculino à sua identidade feminina.
Todos os requisitos estão preenchidos
Desse modo, percebe-se que estão preenchidos todos os requisitos para que o plano de saúde forneça os procedimentos considerando que:
1) foram procedimentos cirúrgicos prescritos pelo médico assistente;
2) são procedimentos que não se enquadram nas exceções do art. 10 da Lei nº 9.656/98 (obs: os incisos do art. 10 preveem procedimentos que o plano pode recusar);
3) são procedimentos reconhecidos pelo CFM e que foram incorporados ao SUS para a mesma indicação clínica (CID 10 F640 - transexualismo, atual CID 11 HA60 - incongruência de gênero);
4) são procedimentos listados no rol da ANS sem diretrizes de utilização.
Logo, estão satisfeitos os pressupostos que impõem à operadora do plano de saúde a obrigação de sua cobertura.
Em suma: É obrigatória a cobertura, pela operadora do plano de saúde, de cirurgias de transgenitalização e de plástica mamária com implantação de próteses em mulher transexual.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.097.812-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 21/11/2023 (Info 798).
Indenização por danos morais
A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o descumprimento contratual por parte da operadora de saúde, que culmina em negativa de cobertura para procedimento médico-hospitalar, enseja compensação por dano moral quando houver agravamento da condição de dor, abalo psicológico ou prejuízos à saúde já debilitada da paciente.
No caso concreto, Manoela teve sucesso na acobertura integral em momento de tanta necessidade e delicado estado de saúde, circunstância que, indubitavelmente, agravou sua situação de aflição psicológica e de angústia, causando-lhe nítido sofrimento.
Guaranesia, 08/02/24.
Milton Biagioni Furqiuim