É inconstitucional proibir a posse de candidato aprovado que teve uma doença grave, mas que atualmente não apresenta sintomas incapacitantes nem restrições para o trabalho
É inconstitucional proibir a posse de candidato aprovado que teve uma doença grave, mas que atualmente não apresenta sintomas incapacitantes nem restrições para o trabalho
Imagine a seguinte situação hipotética: Regina foi aprovada no concurso para o cargo de Oficial de Justiça. Antes de tomar posse, Regina se submeteu aos exames admissionais na junta médica do Estado. Durante os exames, a junta descobriu que Regina teve câncer de mama há 2 anos. Diante disso, a junta médica considerou Regina inapta para o cargo. O argumento foi o de que, segundo o Manual de Perícias do órgão, o candidato aprovado somente pode ser considerado apto para tomar posse se tratou o câncer há mais de cinco anos. Inconformada, Regina ingressou com ação judicial alegando que esteve, de fato, acometida dessa grave doença, mas que foi submetida a tratamento e que, atualmente, não apresenta nenhum sintoma ou restrição para o trabalho. Essa discussão chegou até o STF. Regina tem direito de tomar posse no cargo público? Pois claro que sim, uai.
É inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato(a) que esteve acometido(a) de doença grave, mas que não apresenta sintomas atuais de restrição para o trabalho. STF. Plenário. RE 886131/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 30/11/2023 (Repercussão Geral – Tema 1015) (Info 1119).
Eventuais restrições de acesso a cargos públicos devem ser excepcionais e baseadas em justificação idônea calcada no princípio da legalidade e nas especificidades da função a ser exercida.
A exclusão de candidatos que não apresentam qualquer restrição para o trabalho viola os princípios do concurso público e da impessoalidade, diante da determinação constitucional de ampla acessibilidade aos cargos públicos e de avaliação com base em critérios objetivos, e o princípio da eficiência, porque reduz o espectro da seleção e faz a Administração perder talentos.
Ressalte-se que o risco futuro e incerto de recidiva, licenças de saúde e aposentadoria não pode impedir a fruição do direito ao trabalho, que é indispensável para propiciar a subsistência, a emancipação e o reconhecimento social.
Nesse contexto, a vedação à posse desrespeita também a dignidade humana, pois representa um atestado de incapacidade apto a minar a autoestima de qualquer um.
Ademais, no caso concreto, há discriminação não só em razão de saúde, mas também de gênero. Isso, porque o ato administrativo restringiu o acesso de mulheres a cargos públicos ao estabelecer período de carência especificamente para carcinomas ginecológicos sem que houvesse previsão semelhante para doenças urológicas ou outras que acometam igualmente homens e mulheres.
Veja a tese fixada pelo STF: É inconstitucional a vedação à posse em cargo público de candidato(a) aprovado(a) que, embora tenha sido acometido(a) por doença grave, não apresenta sintoma incapacitante nem possui restrição relevante que impeça o exercício da função pretendida (arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, caput, 37, caput, I e II, CF/88). STF. Plenário. RE 886131/MG, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 30/11/2023 (Repercussão Geral – Tema 1015) (Info 1119).
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.015 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário para condenar o Estado de Minas Gerais a nomear e dar posse à recorrente.
Guaxupé, 16/12/24.
Milton B Furquim
juiz de Direito