O que efetivamente muda com a reforma tributária? (Party II)
O que efetivamente muda com a reforma tributária? (Party II)
A reforma tributária é uma alteração nas leis que versam sobre a cobrança e o pagamento de tributos. Essa reformulação pode ser proposta pelo governo tanto para aumentar como para diminuir os impostos cobrados ou o volume financeiro arrecadado.
De acordo com Paulo Guedes, ex Ministro da Economia, a reforma proposta pelo governo não visa aumentar a carga tributária, mas sim realizar um rearranjo no que já é pago atualmente, de modo a estimular a atividade econômica e gerar mais eficiência no sistema de arrecadação.
Todo mundo sabe que o Brasil é um dos países que mais arrecadam impostos. De acordo com o impostômetro, desde o início de 2021 até abril, nós já pagamos mais de 700 bilhões de reais em impostos.
Contudo, quando o assunto é ver o retorno de todos esses impostos pagos, o Brasil tem o pior resultado entre 30 países analisados pelo Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES).
Assim, a intenção é que a reforma tributária torne o sistema de tributação brasileiro mais transparente e simples, reduzindo as burocracias e, dessa forma, estimulando a economia.
1. Simplificação de impostos
A reforma tributária prevê a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins e IPI, de competência federal; e ICMS e ISS, de competências estadual e municipal, respectivamente) por um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA).
O IVA é um imposto que incide de forma não cumulativa, ou seja, somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção de um bem ou serviço, excluindo valores pagos em etapas anteriores.
O modelo acaba com a incidência de impostos em cascata, um dos problemas históricos do sistema tributário brasileiro.
Atualmente, mais de 170 países adotam o IVA, entre eles Canadá, Austrália, diversos países membros da União Europeia e emergentes como Índia, além de latino-americanos, como México, Colômbia, Chile e Argentina.
O IVA brasileiro será um IVA Dual, dividido em duas partes: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal; e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de Estados e municípios.
Com a reforma, a cobrança de impostos deixará de ser feita na origem (local de produção) e passará a ser feita no destino (local de consumo), uma mudança que visa dar fim à chamada guerra fiscal – a concessão de benefícios tributários por cidades e Estados, com objetivo de atrair o investimento de empresas.
Pela proposta, produtos importados devem pagar o IVA da mesma forma que itens produzidos no Brasil; já exportações e investimentos serão desonerados.
Haverá uma alíquota padrão e outra diferenciada, para atender setores como a saúde.
A alíquota geral será definida por lei complementar, após a aprovação da PEC. A previsão, porém, é que o IVA brasileiro terá um patamar alto na comparação internacional.
O texto prevê ainda uma "trava" para a cobrança dos impostos sobre consumo – um limite que não poderá ser ultrapassado no futuro.
Esse limite será a carga tributária como proporção do PIB (Produto Interno Bruto), na média para o período de 2012 a 2021 – o que seria equivalente a 12,5% do PIB, segundo a Secretaria Extraordinária de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda.
Críticos a esse ponto argumentam, porém, que a trava impedirá que, em momentos de crise, o governo promova aumentos temporários de arrecadação.
2. Maior IVA do mundo?
Serviços de saúde pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. A futura alíquota do novo imposto, porém, virou alvo de polêmica. Críticos da reforma dizem que o IVA brasileiro vai elevar a carga tributária e citam projeções de economistas indicando que a alíquota pode chegar a 28%, a maior do mundo.
Embora ainda não seja possível cravar qual será a alíquota do IVA brasileiro, defensores da reforma reconhecem que será alta para padrões internacionais. No entanto, ressaltam que isso reflete o fato de o Brasil ter uma grande parte da sua arrecadação sobre produção e consumo – diferentemente de outros países com IVA menor, que arrecadam mais sobre renda e propriedade.
A ideia, destacam os apoiadores da mudança, é que o novo IVA arrecade exatamente o que hoje os cinco impostos (IPI, PIS, COFINS, ICMS, ISS) rendem às três esferas do poder público – sem, portanto, elevar a carga tributária atual.
O objetivo de manter a mesma arrecadação é não desfalcar o caixa dos governos, e esse dinheiro é usado para bancar serviços públicos, como escolas, hospitais e o funcionamento das polícias.
Entusiastas da reforma dizem ainda que a reorganização e a simplificação do sistema, por meio da unificação dos impostos, impulsionarão o crescimento e ampliarão o poder de compra da população. "Como a futura alíquota será correspondente a carga tributária de hoje, então o Brasil já tem esse maior IVA do mundo. Só que o novo sistema trará muito mais transparência", defende a especialista em questões tributárias Melina Rocha, diretora de cursos na York University, no Canadá. Explica ainda que a alíquota base do IVA também ficará mais alta no Brasil devido aos descontos dados na reforma a alguns setores.
Serviços de saúde e educação, por exemplo, pagarão um IVA equivalente a 40% da alíquota cheia. Já a cesta básica terá alguns itens com isenção total (não pagarão IVA) e alguns itens com alíquota reduzida (40% da alíquota cheia).
Há ainda segmentos que terão desconto, mas cuja alíquota ainda será definida na regulamentação da reforma, como serviços de hotelaria, parques de diversão e bares.
No total, foram incluídas 42 previsões de descontos no novo tributo. O número é considerado alto por especialistas e pelo próprio governo, mas há uma avaliação de que não seria possível aprovar a reforma no Congresso sem atender à pressão de setores econômicos por esses descontos. O problema disso é que, para que alguns produtos e serviços tenham imposto menor, a alíquota padrão capaz de garantir a mesma carga tributária de hoje precisa ser maior.
Segundo projeções preliminares do Ministério da Fazenda, o novo imposto brasileiro pode ficar entre 25,45% e 27%, mas esse cálculo será revisto após a aprovação final pelo Congresso, pois houve alterações no texto que podem elevar a alíquota.
Já uma projeção do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) João Maria Oliveira, anterior à aprovação no Senado, calculou que o IVA brasileiro poderia chegar a 28,4%. Hoje, o maior IVA do mundo é o da Hungria (27%). Os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm alíquota média de 19,2%. Dos 38 integrantes da organização, formada principalmente por países ricos, apenas os Estados Unidos não adotam o IVA.
Para Melina Rocha, porém, não faz sentido comparar o IVA de diferentes países sem levar em conta o sistema tributário de cada um deles. "Não dá para comparar a alíquota nominal padrão de um país com outro, justamente porque esses outros países, que têm uma alíquota menor do IVA, têm uma alíquota muito maior sobre renda", argumenta.
Segundo um relatório da Receita Federal com dados de 2020, a carga tributária média dos países da OCDE estava em de 33,5% do Produto Interno Bruto (PIB) naquele ano, enquanto a brasileira era de 30,9% do PIB. Estudo divulgado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) gerou burburinho nas redes sociais devido a um possível aumento de 60% no imposto para produtos do setor. No entanto, este aumento se refere ao percentual da alíquota do imposto pago pelo setor, e não interfere no preço final ao consumidor.
3. 'Imposto do pecado'
O Imposto Seletivo, também conhecido como "imposto do pecado", será uma espécie de sobretaxa que incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Entre esses produtos estão, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas.
O Imposto Seletivo será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação. Originalmente, o Imposto Seletivo também seria usado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus. Após negociação entre Senado e Câmara prevê que haverá cobrança de um IPI até 2073 sobre produtos similares aos da Zona Franca produzidos em outros estados.
A Zona Franca e o Simples (sistema de tributação simplificada para empresas de pequeno porte) vão continuar como exceções ao sistema, mantendo suas regras atuais – o que é criticado por alguns especialistas, que avaliam os regimes tributários especiais como ineficientes.
O 'imposto do pecado' será de competência federal, com arrecadação dividida com os demais entes da federação
4. Cesta básica e cashback
A reforma tributária prevê ainda a criação de uma Cesta Básica Nacional de Alimentos, cujos itens – como arroz, feijão, entre outros – serão isentos de impostos.
Os produtos da cesta serão definidos por lei complementar, que deverá levar em conta a diversidade regional e cultural da alimentação do país. A Câmara decidiu eliminar a criação de uma cesta "estendida" que havia sido incluída na reforma pelo Senado. Essa cesta ampliada teria outros produtos, como carnes e itens de higiene pessoal e limpeza, com desconto de 60% nos tributos.
A manutenção da desoneração de parte da cesta básica na reforma tributária é criticada por alguns especialistas. Eles argumentam que a isenção de impostos reduz a arrecadação do governo e beneficia indistintamente ricos e pobres. Segundo esses analistas, a devolução de impostos é uma política mais barata e mais eficiente para reduzir a injustiça tributária.
Originalmente, a proposta de reforma do governo previa a reoneração total da cesta básica e o cashback aos mais pobres. O Congresso, no entanto, optou por manter a isenção de alguns itens básicos.
5. Tempo de transiçãSegundo o texto da reforma tributária, o período de transição para unificação dos tributos vai durar sete anos, entre 2026 e 2032. A partir de 2033, os impostos atuais serão extintos. A transição foi prevista para não haver prejuízo de arrecadação para Estados e municípios. Pelo cronograma proposto, em 2026, haverá uma alíquota teste de 0,9% para a CBS (IVA federal) e de 0,1% para IBS (IVA compartilhado entre Estados e municípios). Em 2027, PIS e Cofins deixarão de existir e a CBS será totalmente implementada. A alíquota do IBS permanecerá com 0,1%. Entre 2029 e 2032, deve haver uma redução paulatina das alíquotas do ICMS e do ISS e elevação gradual do IBS, até a vigência integral do novo modelo em 2033.
Esse longo período de transição divide opiniões entre economistas. A corrente encabeçada po Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, a separação entre as duas transições – da unificação de impostos e da migração da origem para o destino – é o "Ovo de Colombo" da reforma. "Esta reforma vai mudar muito, para muito melhor, a estrutura tributária. Mas ela mexe na estrutura federativa, em quem recebe e quem deixa de receber. Ela não é neutra do ponto de vista dos Estados. Então a ideia, ao separar as duas transições, é dar tempo – muito tempo – para os Estados se adaptarem às novas estruturas de recebimento e também dar tempo para os efeitos benéficos da reforma virarem crescimento econômico."
Já a corrente de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, acredita que o longo período de transição para a unificação de impostos pode significar que a guerra fiscal não tenha fim, prejudicando um dos objetivos da reforma.
Pelo texto aprovado, o IBS será instituído com alíquota de 0,1% em 2026. Até 2028, o novo imposto vai conviver com o ICMS e o ISS sem mudança de alíquotas nos tributos antigos. A partir de 2029, os impostos antigos começam a ser reduzidos, em 10% ao ano, até 2032. Assim, ao final de 2032, o ICMS e o ISS terão alíquotas equivalentes a 60% das atuais. "Para que a tributação migre para o destino, nós temos que acreditar que não vai haver pressão nenhuma para que esses 60% de ICMS não continuem vigorando além de 2032. Ou seja, que da noite pro dia esse ICMS de 60% vá passar a zero". "Isso é um risco porque, ao manter uma alíquota grande para um imposto ruim que enseja benefícios fiscais – o que não é proibido pela PEC –, você pode ensejar a concessão de novos incentivos tributários. Aí há o risco de não termos a migração para o destino nem em uma década."
Longo caminho.
A reforma tributária ainda tem um longo caminho até a sua efetiva implementação. Aliás, segundo a proposta, o período de transição para unificação dos tributos deve durar sete anos, a partir de 2026. Ou seja, somente em 2033, os impostos atuais serão extintos. “O período de transição será um desafio em que os dois regimes conviverão por muitos anos. Isto é, antes de simplificar, haverá um aumento da complexidade. Por isso, no curto prazo, o impacto positivo é incerto.
Em termos de ganhos para a nação, espera-se que o retorno positivo, efetivamente, atinja o pico na economia após a ‘simplificação tributária’, por volta de 2033, quando o período de transição acabar. Até porque, além do prazo de transição, haverá a necessidade de inúmeras leis complementares que precisarão ser editadas para viabilizar, concretamente, as medidas que estão sendo analisadas pelo Congresso. A reforma tributária é necessária, porém coincide com um período de fome arrecadatória do governo federal, o que pode impactar demasiadamente nas boas intenções.
Assim, continuaremos dando sequencia a este estudo sobre a reforma tributária com a análise para atender os leigos em matéria tributária, assim como eu, analisando cada um dos impostos de per se.
Extrema, 25/12/23.
Milton Biagioni Furquim