Pequena propriedade explorada pela família. (im)penhorabilidade. Ausência comprovação.
Pequena propriedade explorada pela família. (im)penhorabilidade. Ausência comprovação.
A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade
A situação se apresentou da seguinte maneira: João comprou uma máquina agrícola do fornecedor “Agromércio” e, como garantia do pagamento, assinou nota promissória no valor de R$ 20 mil.
O devedor não efetuou o pagamento na data do vencimento, razão pela qual o fornecedor ingressou com execução de título extrajudicial, tendo sido penhorado um imóvel rural que está em nome de João.
O executado alegou que o imóvel em questão é impenhorável, considerando que se trata de pequena propriedade rural onde pratica agricultura juntamente com a mulher e os filhos.
Impenhorabilidade do pequeno imóvel rural trabalhado pela família
O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC estabelecem: CF/88. Art. 5º (...) XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento; CPC/Art. 833. São impenhoráveis: VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; “A norma visa proteger famílias de pequenos agricultores, sabidamente menos favorecidas, que vivem basicamente do que produzem em suas propriedades rurais. Por outro lado, verifica-se também existir o "interesse social em manter a família presa à propriedade rural. Quanto mais famílias, maior o desenvolvimento agropecuário do país" (BONAVIDES, Paulo. Comentários à constituição federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 151).
Requisitos
Para que o imóvel rural seja impenhorável, é necessário que cumpra dois requisitos cumulativos: 1) seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e 2) seja trabalhado pela família.
Voltando à questão posta em lide:
O juiz deferiu o pedido de João e desconstituiu a penhora sobre o imóvel. O exequente recorreu argumentando que o devedor apenas alegou, mas não provou, que o imóvel preenche os dois requisitos acima listados e que garantiriam a sua impenhorabilidade.
A tese defendida pelo exequente foi aceita pelo STJ? O que o executado tem que provar para ter direito à impenhorabilidade de que trata o art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC? Quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural?
SIM. O devedor. É ônus da parte executada comprovar que a propriedade se enquadra no conceito legal de pequena propriedade rural e que o imóvel penhorado é explorado pela família. O art. 5º, XXVI, da CF/88 e o art. 833, VIII, do CPC preveem que é impenhorável a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família. Assim, para que o imóvel rural seja impenhorável, são necessários dois requisitos: 1) que seja enquadrado como pequena propriedade rural, nos termos definidos pela lei; e 2) que seja trabalhado pela família.
Até o momento, não há uma lei definindo o que seja pequena propriedade rural para fins de impenhorabilidade. Diante da lacuna legislativa, a jurisprudência tem tomado emprestado o conceito estabelecido na Lei nº 8.629/93, a qual regulamenta as normas constitucionais relativas à reforma agrária.
Em seu art. 4º, II, alínea “a”, atualizado pela Lei nº 13.465/2017, consta que se enquadra como pequena propriedade rural o imóvel rural “de área até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento”.
Quem tem o encargo de provar esses requisitos? Quem tem o encargo de provar os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural? O devedor.
O art. 833, VIII, do CPC/2015 é expresso ao condicionar o reconhecimento da impenhorabilidade da pequena propriedade rural à sua exploração familiar. Isentar o devedor de comprovar a efetiva satisfação desse requisito legal e transferir a prova negativa ao credor importaria em desconsiderar o propósito que orientou a criação dessa norma, o qual consiste em assegurar os meios para a manutenção da subsistência do executado e de sua família.
A ausência de comprovação, pela parte executada, de que o imóvel penhorado é explorado pela família afasta a incidência da proteção da impenhorabilidade. STJ. 2ª Seção. REsp 1.913.234-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/2/2023 (Info 12 – Edição Extraordinária).
Extrena, 22/10/23
Milton Biagioni Furquin