Recurso errado. Corrige dentro do prazo. Nenhum será conhecido
Recurso errado. Corrige dentro do prazo. Nenhum será conhecido
Recurso errado. Corrige dentro do prazo. Nenhum será conhecido
Se a parte interpõe o recurso errado, percebe o equívoco e, ainda dentro do prazo, maneja o recurso correto, ambos os recursos não serão conhecidos
“Cada um hospeda dentro de si uma águia. Sente-se portador de um projeto infinito. Quer romper os limites apertados de seu arranjo existencial. Há movimentos na política, na educação e no processo de mundialização que pretendem reduzir-nos a simples galinhas, confinadas aos limites do terreiro. Como vamos dar azas à águia, ganhar altura e sermos heróis de nossa própria saga?” (Leonardo Boff. A águia e a galinha).
Pois bem.
Imagine a seguinte situação real: O Banco ingressou com execução de título extrajudicial contra a empresa Alfa Ltda. Citada, a devedora opôs embargos do devedor, os quais foram rejeitados. O juiz condenou ainda a empresa Alfa a pagar honorários advocatícios ao patrono do Banco. Com o trânsito em julgado dessa decisão, o advogado do Banco formulou pedido de cumprimento de sentença em face da devedora (Alfa), objetivando receber os honorários sucumbenciais, que perfaziam o montante de R$ 15 mil.
Ao analisar o pedido, o juiz indeferiu liminarmente a pretensão. De acordo com a decisão, “as verbas de sucumbência fixadas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes, mesmo que em parte, devem ser acrescidos no valor do débito principal, para todos os efeitos legais, nos expressos termos do artigo 85, § 13, do CPC.”
Inconformado, o advogado interpôs agravo de instrumento alegando que a devedora está em recuperação judicial e o prosseguimento autônomo do cumprimento de sentença tem um efeito prático relevante: 1) Caso o crédito seja acrescido ao valor principal, sua cobrança deverá ser feita nos autos da recuperação judicial, pois a RJ é posterior à propositura da execução; 2) Caso permitido o prosseguimento do cumprimento da sentença autônomo dos honorários sucumbenciais arbitrados nos embargos, o crédito, por ser posterior ao pedido de recuperação judicial, não se sujeitará aos seus efeitos.
Paralelamente e dentro do prazo recursal, a sociedade de advogados interpôs recurso de apelação, com idênticos fundamentos. Em contrarrazões, a executada/recorrida alegou violação ao princípio da unirrecorribilidade recursal, pois foram manejados dois recursos contra a mesma decisão.
Alegou que, com a interposição do agravo de instrumento, ocorreu a preclusão consumativa, circunstância que impede o conhecimento da apelação posteriormente interposta.
O que decidiu o Tribunal de Justiça? O TJ não conheceu do agravo de instrumento porque entendeu que seria incabível no caso concreto. Por se tratar de decisão terminativa, o recurso correto seria a apelação.
Não seria possível a incidência do princípio da fungibilidade por se tratar de erro grosseiro.
Por outro lado, o TJ deu provimento à apelação para determinar o processamento do cumprimento de sentença.
Segundo o acórdão, não houve violação ao princípio da unirrecorribilidade, tendo em vista que, conquanto a recorrente tenha anteriormente impugnado a sentença por meio de recurso impróprio (agravo de instrumento), que não foi conhecido, o recurso de apelação foi interposto tempestivamente, no prazo de 15 dias.
Além disso, o TJ afirmou que seria possível corrigir vícios no recurso, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC: Art. 932 (...) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
No caso, o advogado recorrente, mesmo antes de o relator conceder prazo, já corrigiu o vício apresentando a apelação.
A devedora não concordou com essa decisão do TJ e interpôs recurso especial insistindo que, como o advogado interpôs agravo de instrumento, houve preclusão consumativa, de forma que ele não poderia ter, em seguida, apresentado novo recurso para a mesma decisão.
O STJ concordou com os argumentos da devedora? Houve preclusão consumativa? SIM.
O sistema recursal do ordenamento jurídico pátrio é regido pelo princípio da singularidade (unirrecorribilidade ou unicidade recursal). Há violação desse princípio quando a parte interpõe, sucessiva ou concomitantemente, duas espécies recursais contra a mesma decisão.
Segundo a jurisprudência do STJ, havendo a interposição de dois recursos de natureza diversas contra a mesma decisão e pela mesma parte, ficará caracterizada a preclusão consumativa quanto ao segundo recurso interposto.
No caso, o Tribunal de origem consignou que “não há se cogitar de violação ao princípio da unirrecorribilidade, tendo em vista que, conquanto a recorrente tenha anteriormente impugnado a sentença por meio de recurso impróprio (Agravo de Instrumento), que não foi conhecido, o recurso de apelação foi interposto tempestivamente”.
Deve-se destacar ainda que o teor do parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 não ampara a interposição de um novo recurso, em substituição ao anterior que se revelou descabido, por inequívoca ocorrência da preclusão consumativa: Art. 932 (...) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Os vícios passíveis de saneamento, nos termos do art. 932, parágrafo único, do CPC, são aqueles que se restringem a aspectos estritamente formais e que se referem ao mesmo recurso. Esse dispositivo não autoriza a interposição de um novo recurso, em substituição ao recurso anterior que tenha se revelado descabido para impugnar a decisão combatida.
Nesse contexto, não há dúvidas de que a apelação não pode ser conhecida no caso. Houve violação ao princípio da unirrecorribilidade pela interposição de agravo de instrumento anterior contra a mesma decisão que extinguiu o cumprimento de sentença, a caracterizar a preclusão consumativa.
Portanto, é de se concluir que a antecedente preclusão consumativa proveniente da interposição de um recurso contra determinada decisão enseja a inadmissibilidade do segundo recurso, simultâneo ou subsequente, interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, haja vista a violação ao princípio da unirrecorribilidade, pouco importando se o recurso posterior seja o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido, objetivamente, o prazo recursal.
Em suma: A preclusão consumativa pela interposição de recurso enseja a inadmissibilidade do segundo inconformismo interposto pela mesma parte e contra o mesmo julgado, pouco importando se o recurso posterior é o adequado para impugnar a decisão e tenha sido interposto antes de decorrido o prazo recursal. STJ. 3ª Turma. REsp 2.075.284-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 8/8/2023 (Info 782).
DOD Plus – informações complementares
Princípio da singularidade
Segundo o princípio da singularidade, também chamado de unicidade do recurso ou unirrecorribilidade, para cada decisão a ser atacada, há um único recurso próprio e adequado previsto no ordenamento jurídico.
Assim, em regra, não é possível a utilização de mais de um recurso para impugnar a mesma decisão, sob pena do segundo recurso não ser conhecido, por preclusão consumativa.
Há exceções a esse princípio.
As duas principais exceções são as seguintes (vale ressaltar que alguns doutrinadores acrescentam outras hipóteses menos comuns): a) Possibilidade de ser interposto, simultaneamente, recurso especial e extraordinário contra um mesmo acórdão (essa exceção é pacífica); b) Possibilidade da parte apresentar embargos de declaração ou então interpor o recurso próprio (agravo, apelação, Resp, RE etc.) (obs: alguns autores criticam essa exceção porque a parte irá interpor um recurso de cada vez e não os dois simultaneamente).
Art. 932, parágrafo único, do CPC não pode ser aplicado para o caso de recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida. O prazo de 5 dias previsto no parágrafo único do art. 932 do CPC/2015 só se aplica aos casos em que seja necessário sanar vícios formais, como ausência de procuração ou de assinatura, e não à complementação da fundamentação. Assim, esse dispositivo não incide nos casos em que o recorrente não ataca todos os fundamentos da decisão recorrida. Isso porque, nesta hipótese, seria necessária a complementação das razões do recurso, o que não é permitido. STF. 1ª Turma. ARE 953221 AgR/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2016 (Info 829).
Guaxupé, 17/10/23.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito