A citação não pode ser realizada por meio de redes sociais. Relativização.
A citação não pode ser realizada por meio de redes sociais. Relativização.
Quanto a Citação da parte requerida através das redes sociais, em princípio, o juiz deve se restringir aos meios de citação e intimação expressamente listados na legislação.
A possibilidade de intimações ou de citações por intermédio de aplicativos de mensagens ou de relações sociais é questão que se encontra em exame e em debate há quase uma década e que ganhou ainda mais relevo depois de o CNJ ter aprovado a utilização de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais por ocasião do julgamento de procedimento de controle administrativo e, posteriormente, no contexto da pandemia causada pelo coronavírus, pelo art. 8º da Resolução nº 354/2020.
Atualmente, há inúmeras portarias, instruções normativas e regulamentações internas em diversas Comarcas e Tribunais brasileiros, com diferentes e desiguais procedimentos e requisitos de validade dos atos de comunicação eletrônicos, tudo a indicar que: (i) a legislação existente atualmente não disciplina a matéria; e (ii) é indispensável a edição de legislação federal que discipline a matéria, estabelecendo critérios, procedimentos e requisitos isonômicos e seguros para todos os jurisdicionados.
A Lei nº 14.195/2021, ao modificar o art. 246 do CPC/15, a fim de disciplinar a possibilidade de citação por meio eletrônico, isto, pelo envio ao endereço eletrônico (e-mail) cadastrado pela parte, estabeleceu um detalhado procedimento de confirmação e de validação dos atos comunicados que, para sua efetiva implementação, pressupõe, inclusive, a pré-existência de um complexo banco de dados que reunirá os endereços eletrônicos das pessoas a serem citadas, e não contempla a prática de comunicação de atos por aplicativos de mensagens ou redes sociais, matéria que é objeto do PLS nº 1.595/2020, em regular tramitação perante o Poder Legislativo.
A comunicação de atos processuais, intimações e citações, por aplicativos de mensagens ou redes sociais, hoje, não possui nenhuma base ou autorização da legislação e não obedece às regras previstas na legislação atualmente existente para a prática dos referidos atos, de modo os atos processuais dessa forma comunicados são, em tese, nulos.
O art. 277 do CPC/15, embora materialize o princípio da instrumentalidade das formas, atua, especificamente, no sentido da eventual possibilidade de convalidação dos atos processuais já praticados em inobservância da formalidade legal, mas não para validar, previamente, a prática de atos de forma distinta daquela prevista em lei.
A identificação e a localização de uma parte com um perfil em rede social é uma tarefa extremamente complexa e incerta, pois devem ser consideradas a existência de homônimos, a existência de perfis falsos e a facilidade com que esses perfis podem ser criados, inclusive sem vínculo com dados básicos de identificação das pessoas, bem como a incerteza a respeito da entrega e efetivo recebimento do mandado de citação nos canais de mensagens criados pelas plataformas.
Na hipótese, a alegada dificuldade ou impossibilidade de localização do executado e, consequentemente, de citá-lo pessoalmente, possui solução específica na legislação processual, que é, justamente, a citação por edital (arts. 256 e seguintes do CPC/15), que pressupõe o esgotamento das tentativas de localização da parte a ser cientificada da ação.
No entanto já se nota certa mitigação quanto a não previsibilidade de comunicação de atos processuais pelas redes sociais, de modo que em certas situações é perfeitamente válida tal iniciativa.
Repito, ainda que não exista previsão legal de citação por meio de aplicativo de mensagens, a comunicação por essa forma poderá ser considerada válida se cumprir a finalidade de dar ao destinatário ciência inequívoca sobre a ação judicial proposta contra ele.
"É previsto investigar, em qualquer situação que envolva a formalidade dos atos processuais, se o desrespeito à forma prevista em lei sempre implica, necessariamente, nulidade ou se, ao revés, o ato praticado sem as formalidades legais porventura atingiu o seu objetivo (dar ciência inequívoca a respeito do ato que se pretende comunicar), ainda que realizado de maneira viciada, e pode eventualmente ser convalidado", disse a ministra Nancy Andrighi, relatora.
Esse entendimento foi considerado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao anular uma citação realizada por meio do WhatsApp. O colegiado constatou que houve prejuízo para a ré, uma mãe que ficou revel em ação de destituição do poder familiar na qual o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro foi julgado procedente.
No caso, o contato do oficial de Justiça e a mensagem contendo o mandado de citação e a contrafé foram enviados à filha da ré pelo aplicativo, não tendo havido prévia certificação sobre a identidade do destinatário.
Além disso, o colegiado levou em conta que a pessoa a ser citada não sabia ler nem escrever. A ministra Nancy Andrighi ressaltou que, diante da impossibilidade de compreensão do teor do mandado e da contrafé, o citando analfabeto se equipara ao citando incapaz, aplicando-se a regra do artigo 247, II, do Código de Processo Civil (CPC), que veda a citação por meio eletrônico ou por correio nessa hipótese.
No entanto não pode-se olvidar de que vício formal não se sobrepõe à efetiva ciência da parte sobre a ação judicial.
Contudo, no âmbito da legislação processual civil, a regra é a liberdade de formas; a exceção é a necessidade de uma forma prevista em lei, e a inobservância de forma, ainda que grave, pode ser sempre relevada se o ato alcançar a sua finalidade.
Se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, será válida a citação efetivada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, pois, nessa hipótese, a forma não poderá se sobrepor à efetiva cientificação conforme dito.
Do ponto de vista normativo, de um lado, o Código de Processo Civil (CPC) dispõe, em seu artigo 239 , que a citação é indispensável para a validade do processo; lado outro, o artigo 256 do mesmo diploma legal traz um regramento especial para a citação por edital nas circunstâncias em que não for possível a localização do devedor após o perecimento de todas as diligências para a sua localização.
De outro norte, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) aborda a citação na fase de conhecimento em seu artigo 841 , ao passo que o artigo 880 celetário trata da citação na fase executiva, de modo que também faz menção à citação por edital em caso de não localização do devedor.
Trata-se, portanto, de pressuposto processual intrínseco, pois analisado na própria relação processual e de validade do processo. O entendimento majoritário da doutrina é de que o vício neste ato processual gera nulidade absoluta sui generis, que excepcionalmente não se convalida com o trânsito em julgado, podendo ser alegado, inclusive, após o prazo da ação rescisória, por meio da ação de querela nullitatis. Isto quer dizer que se trata de vício que não será convalidado, salvo quando o pedido do autor for julgado improcedente, pois, nesse caso, não haverá anulação do processo."
Se é verdade que a lei possibilita que a citação seja realizada por meio digital ou seja, através de um endereço eletrônico válido, de igual modo é prudente ressaltar que nem sempre o perfil de uma pessoa que esteja disponível nas redes sociais é de fato verdadeiro.
Bem por isso, não é raro nos depararmos com diversas fraudes e golpes aplicados nos dias de hoje, tanto em aplicativos de conversas, quanto em redes sociais. Aliás, uma pesquisa realizada em 2022 revelou que as tentativas de fraudes digitais no país cresceram 20% no segundo trimestre em comparação ao mesmo período de 2021.
A propósito, recentemente o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) realizou uma postagem em seu site alertando as pessoas sobre os golpes aplicados por quadrilhas especializadas através de telefonemas, mensagens por aplicativo, cartas, entre outros. No mesmo sentido foi a postagem feita pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª Região alertando sobre as tentativas de golpes.
Contudo, verifica-se que, na prática, a questão envolvendo a declaração da validade da citação por meio de aplicativos não é pacífica na Justiça.
Além disso, apesar de não haver um dispositivo específico que verse sobre a comunicação de atos processuais (intimações e citações) com o uso das redes sociais, o artigo 5º, em seu parágrafo 5º, da Lei nº 11.419/2006 dispõe que: “Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz.” Pela leitura do dispositivo supramencionado nota-se que a intimação pode ocorrer por qualquer meio, desde que atinja sua finalidade.
Os benefícios que podem ser alcançados através da autorização para comunicação dos atos processuais através de redes de relacionamento são inúmeros, entre eles, a redução dos custos e a redução do tempo de tramitação dos processos dessa natureza.
O avanço tecnológico, evidentemente, colabora com a desenvoltura do acesso à justiça, com o alcance do direito de maneira mais ágil e eficaz, e, certamente, a utilização das redes sociais para promover atos de citação / intimação só vem a contribuir para inserir, com evidente segurança, o Poder Judiciário na 04ª Revolução Industrial, desburocratizando, simplificando e garantindo eficácia aos atos de comunicação, o que está longe de representar qualquer tipo de ofensa ao ordenamento jurídico.
Em se tratando dos meios eletrônicos, em especial ao aplicativo de mensagens WhatsApp, é notório que sua utilização no meio jurídico tem se difundido e se tornado cada dia mais relevante e adequada aos novos tempos, sendo habitual a expedição de intimações através deste, fazendo-se necessário portanto refletir sobre tal medida também através de outras redes sociais, especialmente, FACEBOOK e INSTAGRAM nas quais o povo brasileiro está conectado 24 horas/dia.
Deve-se refletir sobre a mudança de paradigma para modernização e consequente aumento de eficiência do Poder Judiciário, não bastando – a nosso sentir – que uma decisão como essa apresente uma solução singela em um caso tão complexo que demanda um maior nível de debate para averiguar a efetiva possibilidade de comunicação dos atos processuais através dos principais meios de comunicação dos brasileiros.
Por fim, se o caminho a trilhar efetivamente é a aprovação de um projeto de lei para que seja possível a comunicação de atos processuais, intimações e citações, em execuções e cumprimentos de sentença, que o legislativo possa ter mais celeridade em suas discussões, a fim de que o direito acompanhe em tempo as mudanças sociais, sob pena de se tornar obsoleto.
A partir de tal cenário, percebe-se que é fundamental um olhar mais cauteloso e de maior prudência em se tratando de citação por meio de redes sociais. Isto porque, para além de não haver legislação expressa disciplinando o assunto, tem-se visto atualmente a prática de inúmeras fraudes e golpes virtuais, inclusive por pessoas se utilizam de perfis falsos.
Em arremate, não há que se confundir a correta citação feita por meio eletrônico, que é aquela cadastrada pela parte nos sistemas oficiais do Poder Judiciário, com aquela tentativa de citação realizada em páginas de redes sociais. A não observância de tal cuidado pode acarretar nulidade processual, e, via de consequência, em transtornos a todos os envolvidos no processo, principalmente para a máquina judiciária e aos jurisdicionados.
Guaxupé, 16/09/23.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito