Relativização da coisa julgada

A coisa julgada que impedia o contribuinte de pagar determinado tributo é atingida caso o STF decida em sentido oposto ao que havia sido julgado?

Relativização da coisa julgada

O texto visa enfrentar a controvertida hipótese de relativização da coisa julgada material em matéria tributária, em razão de superveniente decisão do Supremo Tribunal Federal (“STF”) em sentido contrário. Desse modo, surge a importância do instituto da coisa julgada material, à luz do Novo Código de Processo Civil (“CPC/15”), dentro do processo tributário. O estudo se monstra relevante, porque o trânsito em julgado de decisões determinativas – cujo disposto trata de relações jurídico tributárias –, tem efeito de manter ou impedir a exigência do contribuinte de recolher determinado tributo por tempo indefinido, caso declare constitucional ou inconstitucional a lei que institui a cobrança do referido tributo.

Nesse contexto, entende-se que a superveniente decisão do STF, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, em sentido contrário, daquela transitada em julgado, não tem o condão de relativizar a coisa julgada, em razão dos princípios basilares do Direito Tributário, dentre eles o da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança, ressalvada as hipóteses em que o novo posicionamento da Corte Suprema é mais benéfico ao contribuinte, o que se admite com base nos princípios da igualdade e da isonomia, bem como o da razoabilidade, o da livre-concorrência, em prol de uma justiça fiscal.

De modo que, é bem de ver, não podemos ser mais realista que o rei, já que há vozes e real tendência, sobretudo após a presente decisão, quando a relativização da coisa julgada decidida em razão dos temas ---------, a quaestio segue uma trilha sem retorno. É questão de aprimoramento dos estudos e jurisconsultos.

Antes, ainda, de enfrentar a questão posta, tenho que se apresenta válido consignar sobre a relativização da coisa julgada, que não seja tão somente em matéria tributária e em prol da Fazenda Pública. Tem, também, por escopo abordar a relativização da coisa julgada, dando enfoque aos princípios constitucionais da segurança jurídica que opera com a coisa julgada, explicitando a ação rescisória como remédio processual legal possível de desconstituir a coisa julgada sem ferir os princípios constitucionais, porém somente em casos excepcionais.

Consigno que o objetivo do tema a ser discorrido não é trazer algo novo, mas fazer uma discussão acerca da coisa julgada e a possibilidade de sua relativização em casos excepcionais, de forma que não ofenda o principio constitucional, este que visa angariar segurança jurídica, nos julgados proferidos pelo Estado democrático de direito, a fim de que lei ou julgado novo não prejudique o que foi decidido anteriormente.

Porém, há casos em que esta imutabilidade é relativa, visando proteger a verdadeira justiça e outros princípios e direitos fundamentais, operando a relativização da coisa julgada por meio da ação rescisória com previsão legal.

Coisa julgada é o efeito da sentença que torna imutável a decisão, de modo que esgote a possibilidade de discussão da relação jurídica processual, por meio de nenhum recurso. Classifica-se em coisa julgada material, quando o juiz faz a análise do mérito, não se podendo mais discutir sobre aquele objeto em nenhum outro processo, enquanto que na coisa julgada formal, prolata-se o fim daquele processo, mas não há analise do mérito, do pedido e da causa de pedir, podendo ser rediscutido por via de nova relação processual, se preenchidos os requisitos faltantes no processo que operou coisa julgada formal.

A coisa julgada, é um principio do estado democrático de direito com sua previsão na Constituição da Republica Federativa do Brasil, em seu artigo 5 inciso XXXVI “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Porém, não é possível pretender conferir proteção á coisa julgada quando há uma sentença contra a moralidade, ou alheia ao direito positivo, no entanto o principio da segurança jurídica deve conviver com o valor da justiça, aplicando-se a proporcionalidade.

A intenção do legislador foi de por a salvo a coisa julgada, ao surgir lei nova, que assegurasse direito diverso do que foi objeto discutido na relação jurídica processual, se o Estado não oferecer esta garantia, á jurisdição não estaria assegurando em definitivo a eficácia concreta dos direitos do cidadão, contudo não há que se falar em inconstitucionalidade de nova discussão se a própria decisão da sentença foi inconstitucional, não cumprindo a função social com base nos fatos, valores e normas.

Relativização da coisa julgada. Nos últimos anos, tem se atribuído menor valor a coisa julgada, aplicando-se a relativização da coisa julgada, de certa forma traz certa insegurança jurídica, mas isso aplica, devido á tutela de outros valores de maior relevância, pois há sentença que violam outros direitos fundamentais, nesta ocorrência deve-se impugnar a coisa julgada por meio da ação rescisória, que é medida excepcional e deve haver previsão legal. É necessária a observância do prazo decadencial de 2 anos, pois com o exaurimento do lapso temporal, estar-se á diante de coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação.

Ação rescisória é uma ação desconstitutiva, que tem natureza constitutiva negativa, tendo como objeto a sentença de mérito, quando tratar de sentença nula ou não, como no caso em que passa a existir um documento novo, sendo a sentença rescindível, sem que estivesse viciada, fatos que não ferem o Constituição da Republica Federativa do Brasil tendo sua previsão legal no artigo 485 do Código de Processo Civil, com algumas hipóteses em um rol taxativo. Porém, há quem defende a possibilidade de relativizar a coisa julgada em casos diversos dos previstos em lei. É o caso a que me propus enfrentar.

Como previsto no artigo 485 do Código De Processo Civil, não há que se falar em afronta ao princípio da coisa julgada, como por exemplo, quando houver fraude do julgador que profere sentença por interesse pessoal, de forma parcial ou está impedido ou é absolutamente incompetente para a causa, tratam de vícios graves que maculam a sentença, mesmo tendo alegado anteriormente e não ter sido acolhido é passível da ação rescisória.

Assim também, quando a parte vencedora resultar de dolo, com o intuito de fraudar a lei, utilizando do próprio processo para alcançar o objetivo, ou nova sentença que ofende a coisa julgada, se for valorar a nova disposição, seria afronta ao principio constitucional que visa a não aplicação de lei nova que modifique o direito adquirido. Da mesma forma não há que se valorar o direito alcançado em uma sentença, quando esta estiver baseada em prova falsa, ou se viola o literal dispositivo de lei, não se refere aqui a interpretações diversas.

Outro fator que possibilita a rescisão é o surgimento de um documento novo que antes não existia, neste quesito se encaixa o uso de novas tecnologias, como por exemplo, um exame de DNA que pode comprovar a efetiva paternidade, anteriormente desconhecida por falta de comprovação. Logicamente que não pode alegar a tecnologia se no tempo da ação o exame já existia.

Essa questão traz um óbice quanto ao prazo para o ajuizamento da ação rescisória, porque pode ser que tenha ultrapassado 2 anos da sentença quando houve a inovação da tecnologia, abrindo-se espaço para interpretações de que a segurança jurídica inexiste, uma vez que pode-se decidir algo novo após o lapso temporal. Mas neste caso, a segurança jurídica está baseada na verdade de reconhecimento de paternidade e não em interpretação diversa do objeto, contando-se o prazo a partir da ciência da inovação tecnológica.

Muitas discussões há nos casos de rescisão com fundamento que possa invalidar a confissão, desistência ou transação que baseou a sentença e por último quando a sentença resulta de erro de fato e não de direito, mas são possibilidades que ensejam ação rescisória.

Importante ressaltar que a relativização da coisa julgada, opera-se somente em casos excepcionais, de modo a assegurar o princípio constitucional, mesmo assim há autores que a consideram inconstitucional, contudo a rescindibilidade equipara-se a anulabilidade e não a nulidade, de forma que o terceiro terá seu direito resguardado.

Para Luiz Guilherme Marinoni, “a relativização da coisa julgada traz um a estado de incerteza, mas deve-se fazer um parâmetro do principio da coisa julgada com os demais direitos”, sendo que aquele pode ceder diante de outro valor merecedor de proteção. A questão da relativização, não implica em dizer que se encontrará a solução por um vício ou erro cometido pelo judiciário, pois o Estado juiz pode errar em um segundo julgamento, mas se busca encontrar a verdade dos fatos que em processo anterior não pode ser comprovado, assim transcrevo o trecho de seu artigo: Nesse sentido, não parece que a simples afirmação de que o Poder Judiciário não pode emitir decisões contrárias à justiça, à realidade dos fatos e à lei, possa ser vista como um adequado fundamento para o que se pretende ver como “relativização” da coisa julgada. Ora, o próprio sistema parte da ideia de que o juiz não deve decidir desse modo, mas não ignora – nem poderia - que isso possa ser feito. Tanto é que prevê a ação rescisória, cabível em casos tipificados pela lei.

O Estado juiz é passível de erro como em qualquer setor da humanidade, mas a segurança jurídica é direito constitucional que se opera pela coisa julgada, porém não há que se falar em direito ou justiça, quando há uma sentença baseada em inverdades, no qual não alcança o direito almejado pelas leis e a sociedade, neste contexto que se limita a excepcionalidade da relativização da coisa julgada, de forma que não fira o principio constitucional. Há situações que se considerar a imutabilidade absoluta da decisão, ocorreriam muitas injustiças.

A mutação da coisa julgada, também ocorre no controle de constitucionalidade que pode afetar a coisa julgada inconstitucional que gera efeito ex tunc, modificando a decisão a partir de sua edição, tornando a sentença inconstitucional nula, salvo se houver ressalva na sentença que declarar a inconstitucionalidade. Essa ressalva pode ocorrer em casos que tratar de interesse público, que deva garantir a segurança jurídica e a equidade.

Pra que não haja extensão no entendimento do inciso V do artigo 485 do Código De Processo Civil, nem sempre a declaração de inconstitucionalidade de lei pode atingir a coisa julgada, quando por exemplo, a decisão se baseou em interpretações diversas, o que é permitido, mas sim quando a sentença se baseou em ato declarado inconstitucional ou em interpretação contrária a Constituição Da Republica Federativa do Brasil.

Em verdade, a relativização da coisa julgada está baseada em ponderação, onde se reconstrói e qualifica os interesses, em virtude de motivos excepcionais que de alguma forma macularam atuação jurisdicional, esta não pode ser considerada idônea ao direito do cidadão, então se busca um ajuste dos textos legais as necessidades da vida.

A coisa julgada é um principio da imutabilidade de decisão, garantida constitucionalmente, porém não pode ser considerada de forma absoluta, devido ás possibilidades de sua relativização em casos excepcionais. A sentença que transita em julgado pode ser impugnada por via do recurso da ação rescisória, nos casos legalmente permitidos.

No caso de um principio estar em confronto com outro, deve um ceder na medida da proporcionalidade, esta é uma espécie de embasamento no qual não fere a coisa julgada. Não se pode falar na insegurança jurídica quando há possibilidade de rediscussão da mesma matéria, em busca da verdade do objeto relação processual.

A segurança jurídica neste caso deve ser embasada na solução de um litigio, que solucione de acordo com a justiça na promoção social. Não se poderia considerar um Estado democrático de direito, se considerar absolutamente imutável, uma decisão que se fundamentou na falsidade, inverdades, ou erros que promovam a injustiça.

É importante ressaltar que a ação rescisória que visa desconstituir a coisa julgada, deve ser medida excepcional de caráter legal, não podendo ser utilizada com o objetivo de prolatar a execução de uma decisão. Não pode ser medida utilizada para tornar os processos eternos.

2. Vejamos quanto ao tema proposto, no caso, sobre a coisa julgada que impedia o contribuinte de pagar determinado tributo ser atingida em caso do STF vir a decidir em sentido oposto ao que havia sido preteritamente julgado. Especificamente estamos nos referindo sobre a CSLL.

Tenho, aguardando decisão, alguns processos em que a Fazenda vencida, e não recorrendo, operando-se o trânsito em julgado que, fez com que o contribuinte deixasse de recolher tributos. No entanto, com a decisão do STF, decidindo pela constitucionalidade da matéria, ao contrário da anterior decisão, simplesmente atravessou petição nos autos compelindo-o a efetuar o pagamento dos tributos não recolhidos, sem que propusesse ação rescisória, tudo em conformidade com a decisão do STF.

Pois então.

Há muito não víamos uma decisão judicial causar tanta polêmica, indignação e inconformismo como o decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando encerrou o julgamento dos temas 881 e 885, em repercussão geral, que tratavam da possibilidade de “relativização” da coisa julgada em matéria tributária, nas relações continuadas. A decisão prolatada gerou enorme controvérsia, para dizer o mínimo, pois, por meio do entendimento manifestado, o STF admitiu que relações jurídicas anteriores, baseadas na coisa julgada, fossem alcançadas pelo atual julgamento ao negar a modulação de efeitos pretendida pelos contribuintes. Em síntese, o pleno do STF decidiu, por unanimidade, que a coisa julgada tributária, relativa a tributos recolhidos de forma continuada, perde seus efeitos caso o próprio STF se manifeste em sentido contrário.

Também, o STF definiu que somente as decisões em controle concentrado ou no regime de repercussão geral gerariam esse efeito de reversão da coisa julgada automática. As decisões em controle difuso anteriores à criação do instituto da repercussão geral dependeriam de provocação da fazenda pública, por meio de ação rescisória, para desconstituírem decisões individuais transitadas em julgada.

O texto visa enfrentar a controvertida hipótese de relativização da coisa julgada material em matéria tributária, em razão de superveniente decisão do Supremo Tribunal Federal (“STF”) em sentido contrário. Desse modo, surge a importância do instituto da coisa julgada material, à luz do Novo Código de Processo Civil (“CPC/15”), dentro do processo tributário.

O estudo se monstra relevante, porque o trânsito em julgado de decisões determinativas – cujo disposto trata de relações jurídico tributárias –, tem efeito de manter ou impedir a exigência do contribuinte de recolher determinado tributo por tempo indefinido, caso declare constitucional ou inconstitucional a lei que institui a cobrança do referido tributo. Nesse contexto, entende-se que a superveniente decisão do STF, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, em sentido contrário, daquela transitada em julgado, não tem o condão de relativizar a coisa julgada, em razão dos princípios basilares do Direito Tributário, dentre eles o da segurança jurídica, da boa-fé e da confiança, ressalvada as hipóteses em que o novo posicionamento da Corte Suprema é mais benéfico ao contribuinte, o que se admite com base nos princípios da igualdade e da isonomia, bem como o da razoabilidade, o da livre-concorrência, em prol de uma justiça fiscal.

Então, pois.

Ressalte-se que a possibilidade de perda de efeitos da decisão transitada em julgado somente poderá ocorrer na hipótese versarem sobre tributos que são recolhidos de forma continuada, a exemplo da expressiva maioria dos tributos, como Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS, COFINS, ISS, IPI, ICMS etc. Eventuais decisões transitadas em julgado que versem sobre tributos de recolhimento único, como o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), permanecem produzindo efeitos mesmo se o STF decidir de forma contrária posteriormente. Isso significa que se uma empresa possui decisão transitada em julgado permitindo o não recolhimento de ITBI em uma determinada situação, mesmo que o STF venha a decidir que o ITBI é devido em situações similares, ainda assim a empresa poderá manter o direito ao não recolhimento do tributo de evento único.

Por unanimidade, o STF definiu que os efeitos da coisa julgada favorável ao contribuinte cessam imediatamente a partir da mudança de entendimento da Corte em matéria tributária, seja em controle concentrado (ADI, ADC, ADO ou ADPF), seja em controle difuso (recurso extraordinário, por exemplo);

Em resumo, se um contribuinte possui decisão judicial o autorizando a deixar de pagar um imposto e tempos depois o STF entender que a cobrança é devida, o contribuinte perderá automaticamente esse direito e deverá passar a recolher o tributo em questão;

Essa decisão manifesta evidente ofensa à segurança jurídica e coloca dúvidas quanto à definitividade da coisa julgada. Natural que aqueles contribuintes com decisões definitivas, das quais vêm fruindo nos últimos anos, sintam-se inseguros ou ameaçados.

Em que pese ainda existirem questões em aberto, que somente serão elucidadas com a publicação do acordão e com eventual julgamento de embargos de declaração, já é possível identificarmos algumas das situações que a recente decisão alcançará, assim como outras hipóteses em que o julgamento poderá não trazer consequências. Para que tal diferenciação seja feita, é essencial que compreendamos os fatos dos processos julgados e as conclusões a que chegou o STF.

Ainda não há como mensurar os reais impactos do julgamento finalizado pelo STF, mas estima-se que a União terá valores a receber na cifra dos bilhões de reais, afetando inúmeros contribuintes. Uma questão, no entanto, é certa: os contribuintes precisarão cada vez mais contar com uma assessoria tributária atualizada.

Imagine a seguinte situação hipotética que, é bem de ver guarda semelhanças com os feitos que aguardam minha decisão:

“Em 1990, a sociedade empresária Alfa S/A impetrou mandado de segurança pedindo para não pagar a contribuição social sobre o lucro (CLSS), instituída pela Lei nº 7.689/88, em razão de ela ser inconstitucional já que seria necessária a prévia edição de uma lei complementar. O pedido foi julgado procedente e transitou em julgado em maio de 1992. A União não ajuizou ação rescisória. Depois da coisa julgada, STF decidiu, em controle difuso (sem repercussão geral), que a Lei nº 7.689/88 é constitucional. Em julho de 1992, o STF, ao julgar um processo envolvendo outra empresa (Beta S/A) decidiu que a CSLL instituída pela Lei nº 7.689/88 é constitucional já que não seria necessária a prévia edição de uma lei complementar. Esse acórdão do STF foi proferido em sede de recurso extraordinário (controle difuso/incidental) em uma época na qual ainda não havia repercussão geral: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURIDICAS. Lei n. 7.689, de 15.12.88. I. - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. II. - A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, e uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parag. 4. do mesmo art. 195 e que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas a lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, "a"). (...) STF. Plenário. RE 138284, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 01/07/1992.

A partir de 1994, o Fisco voltou a cobrar a CSLL da empresa Alfa. Novo mandado de segurança alegando violação à coisa julgada. A empresa Alfa não concordou e, em 1995, impetrou novo mandado de segurança (vamos chamá-lo de MS 2) alegando que a CSLL, instituída pela Lei nº 7.689/88, não deve ser cobrada dela considerando que possui em seu favor uma sentença transitada em julgado anterior à decisão do STF e que declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 7.689/88. Assim, a autora pediu para que fosse reconhecida a eficácia da coisa julgada inclusive para os fatos geradores surgidos após a decisão do STF.

O juiz concedeu tutela antecipada dizendo que, enquanto não for julgado definitivamente o mérito deste mandado de segurança, a empresa não é obrigada a pagar a CSLL, considerando a eficácia do primeiro processo. Em 1999, o juiz julgou o pedido da empresa procedente dizendo que ela não precisava pagar CSLL. Em 2005, o TRF manteve a sentença. A Fazenda Nacional (União) interpôs recurso extraordinário e o processo ficou no STF aguardando para ser julgado.

Em 2007, o STF decidiu, em ação direta, que a Lei nº 7.689/88 é constitucional. Em 14/06/2007, o STF, ao julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, reiterou o entendimento de que a CSLL instituída pela Lei nº 7.689/88 é constitucional. A diferença foi que agora a decisão foi proferida em ADI: (...) IV. ADIn: L. 7.689/88, que instituiu contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, resultante da transformação em lei da Medida Provisória 22, de 1988. (...) 3. 3. Improcedência das alegações de inconstitucionalidade formal e material do restante da mesma lei, que foram rebatidas, à exaustão, pelo Supremo Tribunal, nos julgamentos dos RREE 146.733 e 150.764, ambos recebidos pela alínea “b” do permissivo constitucional, que devolve ao STF o conhecimento de toda a questão da constitucionalidade da lei. STF. Plenário. ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 14/06/2007. Em 2023, o STF julgou o recurso extraordinário no MS 2. Conforme explicado acima, no MS 2, impetrado em 1995, a empresa Alfa pedia para continuar sem pagar CSLL mesmo depois da decisão do STF reconhecendo a constitucionalidade da Lei nº 7.689/88. O pedido havia sido julgado procedente em primeira instância, sentença confirmada pelo TRF. O STF julgou o recurso extraordinário interposto.

A questão jurídica enfrentada pelo STF foi a seguinte: existe uma decisão transitada em julgado dizendo que, em uma relação jurídica de trato sucessivo, o contribuinte não precisa pagar determinado tributo porque ele seria inconstitucional; posteriormente, o STF decide que esse mesmo tributo é constitucional; a partir dessa decisão do STF o Fisco poderá cobrar o tributo desse contribuinte em relação aos fatos geradores surgidos após a decisão da Corte?

Depende:

1) Se essa decisão do STF foi proferida em ação direta ou em sede de repercussão geral: SIM. As decisões proferidas pelo STF em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado em sentido contrário. Isso significa que o tributo volta a ser devido a partir da decisão do STF, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

2) Se essa decisão do STF foi proferida em controle incidental (difuso) de constitucionalidade sem ser repercussão geral: NÃO. Decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.

Os efeitos temporais da coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo são imediatamente cessados quando o STF se manifestar em sentido oposto em julgamento de controle concentrado de constitucionalidade ou de recurso extraordinário com repercussão geral. STF. Plenário. RE 955.227/BA, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023 (Repercussão Geral – Tema 885) (Info 1082). STF. Plenário. RE 949.297/CE, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023 (Repercussão Geral – Tema 881) (Info 1082).

Aplicando esse entendimento ao caso hipotético:

• a empresa Alfa não precisa pagar a CSLL até 2007;

• assim, a decisão proferida pelo STF no RE 138284, julgado em 1992, não impactou a coisa julgada que ela tinha em seu favor. Isso porque ela foi proferida em controle incidental sem repercussão geral;

• porém, a decisão do STF prolatada em 2007 na ADI 15 impactou automaticamente a coisa julgada que a empresa tinha em seu favor. Isso porque essa decisão foi em ação direta;

• a decisão proferida pelo STF na ADI 15 interrompeu automaticamente os efeitos temporais da coisa julgada que a empresa Alfa tinha em seu favor considerando que essa decisão transitada em julgado estava em sentido contrário ao entendimento do STF firmado com eficácia vinculante e efeitos erga omnes;

• logo, a partir de 2007 (ADI 15), a CSLL voltou, em tese, a ser devida mesmo para a empresa Alfa, respeitadas a irretroatividade e a anterioridade anual.

Vejamos um resumo dos argumentos do Ministro Relator Luiz Roberto Barroso.

Coisa julgada - O instituto da coisa julgada está previsto no art. 5º, XXXVI, da CF/88: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A coisa julgada está relacionada com a segurança jurídica e tem previsão constitucional, como garantia individual.

O conceito de coisa julgada pode ser encontrado no art. 6º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (...) § 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.

A coisa julgada também é conceituada no CPC/2015: Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Princípios da isonomia tributária e da livre concorrência

O debate aqui travado, contudo, não envolve apenas a coisa julgada. Existe um outro interesse constitucionalmente protegido que também deve ser ponderado. A Constituição Federal afirma que não é possível a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente (art. 150, II). Trata-se da materialização do princípio da igualdade em matéria tributária: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Esse princípio da isonomia tributária está relacionado com o respeito à livre concorrência, sendo este um princípio da ordem econômica (art. 170, IV). Veja: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV - livre concorrência;

Desse modo, a controvérsia aqui envolvendo segurança jurídica (coisa julgada), igualdade e livre iniciativa, sendo que todos os três possuem estatura constitucional. Logo, não há hierarquia entre eles, de modo que não é possível estabelecer, em abstrato, qual deve prevalecer.

Etapas para resolver a ponderação de interesses constitucionalmente protegidos.

Em caso de conflito entre normas dessa natureza, impõe-se a ponderação, que, como se sabe, é uma técnica de decisão que se desenvolve em três etapas: (i) na primeira, verificam-se as normas que postulam incidência no caso; (ii) na segunda, selecionam-se os fatos relevantes; (iii) e, por fim, testam-se as soluções possíveis para verificar, em concreto, qual delas melhor realiza a vontade constitucional.

Idealmente, a ponderação deve procurar fazer concessões recíprocas, preservando o máximo possível dos direitos em disputa. No limite, porém, fazem-se escolhas e promovem-se restrições.

No tocante à coisa julgada, a própria legislação a flexibiliza em determinadas situações. Em relação especificamente ao presente caso, por exemplo, o art. 505, I, do CPC/2015, afirma que: Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; (...) Em outras palavras, o legislador infraconstitucional definiu que a alteração no estado de fato ou de direito implica revisão das decisões transitadas em julgado. O CPC/2015 reconhece a necessidade de adequação fática e jurídica, inclusive com efeitos retroativos, quando houver entendimento do STF em controle de constitucionalidade concentrado e difuso.

Os arts. 525, § 12; e 535, § 5º, do CPC/2015, preveem a inexigibilidade de obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional ou fundado em aplicação ou interpretação de lei ou ato normativo incompatível com a Constituição: Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação. (...) § 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso. Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir: (...) § 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Assim sendo, a segurança jurídica, resguardada pela coisa julgada, não é valor absoluto, sendo passível de flexibilização em favor de princípio que, na hipótese, cumpra mais fielmente a vontade constitucional.

Cláusula rebus sic stantibus

A coisa julgada não pode servir como salvo conduto imutável a fim de ser oponível eternamente pelo jurisdicionado somente porque lhe é benéfica, de modo que, uma vez modificado o contexto fático e jurídico — com o pronunciamento da Corte em repercussão geral ou em controle concentrado — os efeitos das decisões transitadas em julgado em relações de trato continuado devem se adaptar, aplicando-se a lógica da cláusula rebus sic stantibus. A coisa julgada funciona segundo a cláusula “rebus sic stantibus”, ou seja, somente enquanto as coisas permanecerem do modo que estão. Se houver modificação na situação de fato, aquela coisa julgada deixa de produzir seus efeitos. Conforme já decidiu o STF: “(...) A força vinculativa das sentenças sobre relações jurídicas de trato continuado atua rebus sic stantibus: sua eficácia permanece enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos fáticos e jurídicos adotados para o juízo de certeza estabelecido pelo provimento sentencial. A superveniente alteração de qualquer desses pressupostos: (a) determina a imediata cessação da eficácia executiva do julgado, independentemente de ação rescisória ou, salvo em estritas hipóteses previstas em lei, de ação revisional, razão pela qual; (b) a matéria pode ser alegada como matéria de defesa em impugnação ou em embargos do executado. STF. Plenário. RE 596663, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Teori Zavascki, , julgado em 24/09/2014.

Não aplicar a decisão proferida na ADI 15 geraria situações anti-isonômicas.

No exemplo hipotético, a contribuinte Alfa possuía o direito de não recolher a CSLL com fundamento em decisão transitada em julgado que considerou a inconstitucionalidade incidental da Lei nº 7.689/98 (que institui a referida contribuição). Em 2007, sobreveio o julgamento da ADI 15, na qual o STF declarou a constitucionalidade da norma, retomando-se a cobrança da contribuição. Assim, desde o julgamento de 2007, já estava clara a posição do STF em relação à validade da Lei nº 7.689/88, interrompendo automaticamente (independentemente de ação rescisória) os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado que declararam a inconstitucionalidade da incidência da CSLL (em relação a fatos geradores posteriores a esse ano).

A situação pode assim ser resumida:

(i) há pessoas jurídicas que não pagam CSLL com respaldo em decisões transitadas em julgado;

(ii) a maioria das pessoas jurídicas permanece com a obrigação de pagar o referido tributo, já que não possui decisões transitadas em julgado favoráveis;

(iii) o STF manifestou ao longo da década de 90 e dos anos 2000 diversas vezes, em controle difuso, anteriormente à repercussão geral, pela constitucionalidade da instituição da CSLL;

(iv) apenas em 2007na ADI 15, o Plenário proferiu acórdão vinculante e erga omnes, declarando a constitucionalidade da Lei nº 7.689/88.

Partindo das premissas de que o STF dá a última palavra no que se refere à constitucionalidade de leis e atos normativos, e que os pontos (i) e (ii) descritos acima geram situações anti-isonômicas, com repercussão direta na livre concorrência, é necessária a interrupção dos efeitos da coisa julgada nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo, independente do tributo que se esteja discutindo, quando a Corte se manifestar em sentido oposto, em controle concentrado ou em controle difuso, desde que de acordo com a sistemática da repercussão geral.

Ofensa à igualdade tributária e à livre concorrência

Caso fossem mantidas essas decisões que dispensavam o pagamento da contribuição, haveria notável discrepância passível de ofender a igualdade tributária e a livre concorrência, pois, em se tratando de relação jurídica de trato continuado, o contribuinte dispensado do pagamento da CSLL ostentaria vantagem competitiva em relação aos demais, já que não destinaria parcela dos seus recursos a essa finalidade.

Deve-se respeitar as garantias constitucionais tributárias da não-surpresa

Vale ressaltar, contudo, que uma decisão do STF, em controle concentrado ou em repercussão geral, que seja contrária à coisa julgada favorável ao contribuinte em relações jurídicas tributárias de trato continuado produz para ele uma norma jurídica nova. Trata-se de uma situação semelhante à criação de um novo tributo. Logo, por essa razão, essa decisão irá produzir efeitos para desconstituir a antiga coisa julgada, no entanto, respeitando-se as garantias da irretroatividade, da anterioridade anual e da noventena (no caso das contribuições para seguridade social, a anterioridade nonagesimal).

Tese fixada pelo STF

1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo. STF. Plenário. RE 955.227/BA, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023 (Repercussão Geral – Tema 885) (Info 1082). STF. Plenário. RE 949.297/CE, Rel. Min. Edson Fachin, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 8/02/2023 (Repercussão Geral – Tema 881) (Info 1082).

Modulação dos efeitos

Por maioria, o STF decidiu não fazer a modulação dos efeitos da decisão e entendeu aplicáveis as limitações constitucionais temporais ao poder de tributar.

Por que o STF fez essa distinção entre o controle incidental de constitucionalidade anterior e posterior à instituição do regime de repercussão geral?

Porque o STF definiu que a instituição da repercussão geral representou a consolidação do processo de abstratização do controle difuso. Vamos entender o que significou isso.

ABSTRATIVIZAÇÃO (OU ABSTRAÇÃO) DO CONTROLE DIFUSO

Formas de controle de constitucionalidade

O controle de constitucionalidade das normas pode ser feito de duas formas distintas:

1) de modo difuso e incidental; 2) concentrado e abstrato.

No sistema jurídico brasileiro, as duas modalidades convivem, razão pela qual se afirma que o Brasil adotou um sistema misto de controle de constitucionalidade.

1) DE MODO DIFUSO E INCIDENTAL 2) CONCENTRADO E ABSTRATO

Realizado por qualquer juiz ou Tribunal (inclusive o STF), em um caso concreto. Há um exame da constitucionalidade de determinada norma em tese, provocado pelos legitimados para tanto, por intermédio dos meios próprios previstos na Constituição. Produz, como regra, os seguintes efeitos: • Inter partes; • Não vinculante.

Produz, como regra, os seguintes efeitos: • Erga omnes; • Vinculante.

Desse modo, pela teoria tradicional, em regra, a decisão que declara incidentalmente uma lei inconstitucional produz efeitos inter partes e não vinculantes.

Após declarar a inconstitucionalidade de uma lei em controle difuso, o STF deverá comunicar essa decisão ao Senado e este poderá suspender a execução, no todo ou em parte, da lei viciada (art. 52, X): Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

A decisão do Senado de suspender a execução da lei seria discricionária. Caso ele resolva fazer isso, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade do STF, que eram inter partes, passam a ser erga omnes. Assim, pela teoria tradicional a resolução do Senado ampliaria a eficácia do controle difuso realizado pelo Supremo.

Ocorre que o STF decidiu abandonar a concepção tradicional e fez uma nova interpretação do art. 52, X, da CF/88.

Objetivação do controle difuso

Com a sistemática da repercussão geral, instituída pela EC nº 45/2004 e regulamentada pela Lei nº 11.418/2006, o processo de objetivação do controle difuso se tornou ainda mais claro. O CPC/2015 reforçou essa ideia. Com efeito, o art. 927, III, do CPC/2015 afirma que: Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...) III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...)

Assim, ficou expresso que o Poder Judiciário também está vinculado às decisões do STF proferidas em recurso extraordinário com repercussão geral. O art. 988, § 5º, II, do CPC/2015 afirma ainda ser cabível reclamação para garantia de observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral, quando já esgotadas as instâncias ordinárias: Art. 988 (...) § 5º É inadmissível a reclamação: (...) II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

Desse modo, o que se percebe é que as decisões proferidas em recursos extraordinários com repercussão geral e as proferidas em controle concentrado têm adquirido gradativamente os mesmos efeitos, seja pela atuação do próprio Poder Judiciário ou do Poder Legislativo.

Trata-se do fenômeno da objetivação do controle difuso.

Sobre o tema, esclarece a Professora Ana Paula de Barcellos: “Na realidade, e como já referido, há em curso no país um processo de aproximação dos mecanismos de controle difuso e incidental relativamente àqueles típicos do controle concentrado e abstrato, e essa aproximação se dá, principalmente, por meio do que se denomina ‘objetivação’ do controle difuso e incidental, isto é, a atribuição de efeitos gerais e em alguns casos vinculantes às decisões proferidas em sede de controle difuso e incidental”. (Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Gen/Forense, p. 677)

Mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88

A declaração de inconstitucionalidade, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, possui os mesmos efeitos vinculantes e eficácia erga omnes atribuídos às ações de controle abstrato.

A resolução do Senado prevista no art. 52, X, da CF/88, possui a finalidade apenas de publicizar as decisões de inconstitucionalidade, não configurando requisito para a atribuição de efeitos vinculantes erga omnes.

Assim, houve uma mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88, para as decisões proferidas em recurso extraordinário com repercussão geral.

Essa nova interpretação do art. 52, X, da CF/88 é relevantíssima, sobretudo em matéria tributária. Isso porque, atualmente, a Administração Pública não se vincula automaticamente às decisões proferidas em repercussão geral e, em sendo ela que constitui os créditos tributários, é bastante comum que autuações sejam feitas mesmo após o STF ter se manifestado pela inconstitucionalidade do tributo em sede de repercussão geral.

Em suma, o que decidiu o STF neste ponto?

A declaração de inconstitucionalidade, em sede de recurso extraordinário com repercussão geral, também possui os efeitos vinculantes e eficácia erga omnes, da mesma forma que o julgamento de uma ação de controle abstrato de constitucionalidade.

Se o STF, em recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral, decidir que determinada lei é inconstitucional a resolução do Senado (art. 52, X, da CF/88), possuirá a finalidade apenas de dar publicidade para a decisão. Isso significa que, mesmo antes dessa resolução ser eventualmente editada, a decisão do STF já possui efeitos vinculantes erga omnes.

Conclusão.

O STF formou maioria para desconsiderar coisa julgada estabelecida há décadas e permitir a interrupção automática dos efeitos das sentenças transitadas em julgado cuja conclusão seja diversa da adotada em julgamento proferido em ação direta ou em sede de repercussão geral. No caso aqui analisado, o contribuinte impetrou mandado de segurança contra ato de Delegado da Receita Federal que deixou de cumprir sentença judicial que havia declarado a inconstitucionalidade da CSLL e garantido ao contribuinte o direito de não recolher a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CLSS). O pronunciamento judicial havia transitado em julgado em 1992.

Embora houvesse título judicial transitado em julgado em favor do contribuinte reconhecendo a inconstitucionalidade da contribuição, o ato coator objeto do mandado de segurança afastou a aplicação dos efeitos da sentença judicial transitada em julgado sob o argumento de que o STF reconheceu a constitucionalidade da CSLL quando do julgamento da ADI nº 15, finalizado em 14/06/2007. Ao votar pela legalidade do ato coator, o relator do RE 955.227, Ministro Luiz Roberto Barroso, entendeu que os princípios da igualdade tributária e da livre concorrência (art. 150, II, e art. 170 da CF) deveriam prevalecer sobre a segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF), uma vez que os contribuintes que se encontram em situação equivalente ao contribuinte que detém o título judicial reconhecendo a inconstitucionalidade da CSLL não podem ser tratados de modo desigual. Ou seja, o STF decidiu que a CSLL é exigível de todos os contribuintes que se enquadram na hipótese de incidência da contribuição, até mesmo daqueles que detém título judicial transitado em julgado reconhecendo a inexigibilidade em decorrência da declaração da inconstitucionalidade do tributo.

Com toda vênia, o nosso entendimento é diverso ao que vem sendo firmado pelo STF, especialmente se considerarmos as peculiaridades do caso concreto julgado no RE 955.227. Ao propor a ponderação entre os princípios constitucionais em colisão, o Ministro Luiz Roberto Barroso dispõe que a coisa julgada é flexibilizada pelo art. 505, I, do CPC, segundo o qual “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, hipótese em que será possível pedir a revisão do definido em sentença”. Ocorre que o art. 505, I, do CPC é claramente inaplicável ao RE 955.227 por diversas razões, sendo a primeira delas bastante simples: não há como dispositivo legal impedir a produção de efeitos de uma garantia constitucional (art. 5º., XXXVI), sob pena de absoluta inversão de hierarquia de normas. Elementar, uai.

Não bastasse a necessidade de respeitar a garantia constitucional da intangibilidade da coisa julgada, é certo que inexiste neste caso específico modificação no estado de fato ou de direito, já que toda lei é presumidamente constitucional, e assim o era no momento da decisão que transitou em julgado. Não por outra razão que a declaração de inconstitucionalidade de uma determinada norma pode gerar, nos termos do CPC, a inexigibilidade de título judicial (art. 525, §§ 12 e 15), mas não há previsão semelhante para a declaração de constitucionalidade.

No caso da CSLL, a situação é ainda mais complicada, pois o plenário do STF já havia reconhecido a constitucionalidade da CSLL ao apreciar o RE 138.284 em julho de 1992, antes do trânsito em julgado da sentença que reconheceu a inconstitucionalidade da CSLL e originou o RE 955.227, que está sendo julgado pelo STF.

O próprio voto do Ministro Luiz Roberto Barroso reconhece que o STF já entendia pela constitucionalidade da CSLL antes mesmo da decisão proferida no julgamento da ADI nº 15, em 14/06/2007, razão pela qual não há qualquer respaldo fático ou jurídico para se falar em mudança de fato ou de direito.

Ainda que se admitisse que a ADI nº 15 tivesse modificado o estado de direito, já que até então as decisões que haviam sido proferidas pelo STF acerca da matéria não possuíam efeito vinculante e eficácia erga omnes porquanto proferidas em recursos extraordinários anteriormente à sistemática da repercussão geral, inexiste permissivo legal ou constitucional a autorizar a imediata interrupção dos efeitos de sentenças transitadas em julgado.

Isso porque, tanto o CPC/73 – vigente na época do julgamento da ADI nº 15 – como o CPC/15, estabelecem procedimentos judiciais para a superação da coisa julgada.

O art. 505, I, do CPC/15 e o art. 471, I, do CPC/73, preveem a possibilidade de a parte pedir a revisão judicial da sentença se identificada a modificação posterior ao pronunciamento jurisdicional no “estado de fato ou de direito”, inexistindo autorização para a interrupção automática dos efeitos da sentença transitada em julgado.

De igual modo, os artigos 525, § 12 e 535, § 5º do CPC/15, que estabelecem a inexigibilidade de título fundado em decisão declarada inconstitucional ou incompatível com a Constituição, também não autorizam a interrupção imediata dos efeitos da sentença transitada em julgado: se a decisão do STF for posterior ao trânsito em julgado daquela que foi proferida em sentido contrário, cabe ação rescisória.

O CPC /15 é expresso ao dispor que o prazo de 2 anos para ação rescisória começa a fluir a partir do trânsito em julgado da decisão do STF que reconheça a inconstitucionalidade da lei, do ato normativo ou da interpretação aplicada pela decisão a ser rescindida, conforme art. 525, § 15, e art. 535, § 8º.

Cabe às Fazendas Públicas, portanto, recorrer das decisões que lhes são contrárias – o que poderia ter sido procedido inclusive no caso do RE 955.227, já que o STF já tinha declarado a constitucionalidade da CSLL antes do trânsito em julgado da sentença – ou então propor a competente ação rescisória no prazo legal de 2 anos. Mas nada fez.

Aqui, observa-se que o legislador inseriu na lei processual mecanismos de ponderação dos princípios constitucionais da segurança jurídica, igualdade tributária e livre concorrência, não cabendo ao Poder Judiciário ignorar a opção legislativa e tratar a igualdade tributária e livre concorrência como princípios absolutos em detrimento da segurança jurídica.

Não pode o STF socorrer às Fazendas Públicas que permaneceram inertes e deixam de utilizar os mecanismos processuais adequados, sob pena de afronta direta à segurança jurídica e ao devido processo legal. O judiciário não pode ser parcial e defender os interesses de um dos pólos na ação judicial, por mais que essa parte seja a Fazenda Pública. Para isso existem os advogados públicos.

É bastante claro esse objetivo do STF em trecho do voto do Ministro Luiz Roberto Barroso, no qual destaca que o valor somado das autuações das pessoas jurídicas que possuem decisão transitada em julgado pela inconstitucionalidade da CSLL chegava a R$ 1,2 bilhão no ano de 2016. Esse argumento revela que o STF pode estar muito mais preocupado com os cofres públicos do que com a garantia da igualdade tributária entre os contribuintes. Entretanto, esquece que esse tipo de “movimento”, por afrontar a segurança jurídica, espanta investidores e acaba por incentivar a fuga de capitais do país, gerando um “efeito nocivo em cadeia, que acaba no prejuízo da qualidade de vida da própria população” .

O STF entra em um looping paradoxal: em nome do resguardo aos cofres públicos, relativiza a segurança jurídica e acaba por prejudicar a saúde econômico-financeira do país.

Conforme adiantado, entendemos que esses dispositivos ofendem a Constituição o por representarem situação de inequívoca insegurança jurídica decorrente da inexistência de prazo para que se possa, futura e eventualmente, ser declarada a inconstitucionalidade da norma.

É certo que o legislador constitucional atribuiu ao STF, além da função institucional de "guardião da Carta Magna", a gênese de sua natureza política, seja pelos requisitos subjetivos ao ingresso de seus membros - bem como pelas exigências aos seus impedimentos - seja pela jurisprudência histórica construída.

Infelizmente, nas últimas décadas, a insegurança jurídica é resultado do desrespeito a princípios e institutos basilares do Direito praticado por essa atual composição do tribunal. Falar do STF fora da bolha jurídica é a qualquer cidadão comum sentir constrangimento pelo caráter de suas decisões e de tê-lo como Corte Constitucional, principalmente pelo seu ativismo invadindo competências legislativas e pelo progressismo judicial evidente nos reflexos socioeconômicos de suas decisões.

Se, na esfera criminal, vem rasgando a Constituição e legislação infraconstitucional correlata, criando monstros processuais e procedimentos ilegais e abusivos, de caráter até policialesco, não seria surpresa agora mais essa excrescência, já que o referido legislador constitucional, no contexto do Pacto Federativo, também lhe atribuiu competências em matéria tributária, conferindo-lhe papel de juiz/legislador responsável pela manutenção do equilíbrio necessário ao Sistema Tributário Nacional.

Meritoriamente, é extremamente perigoso e imoderado que o preceito fundamental da segurança jurídica (decorrente do artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal de 1988), basilar para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, possa ser automaticamente relativizado dessa forma e em larga escala sem apreciação judiciária específica ao caso concreto. Essa apreciação específica já prevista, possível e suficiente à Fazenda, seria mediante ações rescisórias (artigo 966 do Código de Processo Civil), a exemplo da possibilidade especificada artigo 501, I do CPC. Assim, apesar de reconhecer a relevância jurídica da possibilidade de revisão da coisa julgada (protegida pelo artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal) por meio de ações rescisórias em casos de julgamento de controle de constitucionalidade pelo egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), além da importância dos princípios da livre concorrência e da igualdade tributária, se faz necessário ao país que tais revisões apenas ocorram em sede de análise judiciária específica ao caso, não irrestrita e automaticamente dessa maneira, sob pena de imprevisíveis e possivelmente irreversíveis lesões a bens jurídicos.

Nessa toada, com todo o devido respeito ao egrégio Tribunal e ao excelentíssimo Ministro Barroso, entendo que, de fato, não há prerrogativas ou princípios absolutos no Estado Democrático de Direito, nem mesmo o direito adquirido, devendo eles serem relativizados conforme o caso concreto. Porém, justamente seguindo essa lógica, não se apresenta cabível que, para esses casos da Fazenda, os princípios arguidos na decisão do STF prevaleçam sobre o ato jurídico perfeito sem sequer o devido sopesamento concreto. Além disso, a ordem econômica e financeira do país também deveria ser levada em conta em uma decisão de tamanha repercussão. Nesse cenário, a própria possibilidade de preparo organizacional e financeiro das organizações econômicas negativamente impactadas por decisões fica reduzida, o que onera a sociedade civil como um todo.

À luz de tais considerações complementares, entendo que houve proteção demasiada aos referidos princípios pelo STF, de modo que, infelizmente, soa haver ocorrido influência política da Fazenda Pública no STF além da devida para uma Corte Constitucional que realmente resguarde a Jurisdição e a legalidade na hermenêutica.

Nesse sentido, o STF perdeu, há muito, o norte de suas funções. Ao trilhar o caminho enviesado do partidarismo, evidenciando o aparelhamento institucional ao qual foi submetido, transformou-se em um balcão de negócios, onde relativiza decisões para atender ao cliente demandante conforme sua "cara". Curiosa e espertamente, tal relativização é a saída jurídica perfeita para livrar-se das aparentes armadilhas que cria ao construir jurisprudências pontuais convenientes em decisões contraditórias.

O caso em questão evidencia uma afronta à segurança jurídica, haja vista a desestabilização das relações jurídicas já apreciadas pelo Poder Judiciário. A Constituição Federal prevê de forma expressa, proteção da coisa julgada, precisamente no art. 5º, XXXVI, ao dispor que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, desse modo, configurando-se como cláusula pétrea, um corolário fundamental da segurança jurídica.

A arbitrariedade do entendimento do STF se torna ainda mais deplorável quando autoriza a interrupção automática dos efeitos da sentença transitada em julgado, sem a interposição de Ação Rescisória pela Fazenda Pública, que seria o meio correto de flexibilização da coisa julgada, além de fazer com que esse instrumento processual perca seu objeto.

A coisa julgada, no caso em análise, não deveria ser anulada, pois além de afetar aquele que já adquiriu o direito e, por conseguinte, não deveria ser prejudicado, afeta negativamente o sistema como um todo, já que há um comprometimento da segurança jurídica.

Ademais, vale ressaltar que a desestabilização acaba sendo ainda maior por se tratar do STF, órgão de maior instância judicial. Desse modo, tal ação abre precedente para uma relativização de várias decisões, pois se a preocupação com os cofres públicos é motivo suficiente para que uma norma constitucional seja violada, cria-se a ideia de que existem outros motivos que também podem levar a resultado semelhante.

É preciso observar o limite tênue entre o ativismo judicial e a arbitrariedade, uma vez que o STF não pode simplesmente ressuscitar a coisa transitada em julgado, de modo a ofender a garantia constitucional da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF), para de forma parcial, defender os interesses da Fazenda Pública. Isso cria abismos ainda maiores entre o Fisco e o Contribuinte por desestabilizar garantias constitucionais como a mencionada acima, afetando a confiança e credibilidade das decisões transitadas no Judiciário brasileiro.

O absurdo dessa recente decisão é ainda mais evidente pelo fato de que a Fazenda Pública já possui meios para recorrer de decisões que lhes são contrárias, inclusive pela possibilidade de propor a ação rescisória, em amplo prazo de 2 anos. Assim, o debate, no atual contexto, se mostra revelante pelo perigo que decisões como essa acarretam ao gerar um alto grau de incerteza no Direito, o que acaba por afetar a realidade social como um todo, prejudicando "a saúde econômico-financeira do país."

Ora, pois. Impedir que a dívida pública chegue em níveis indesejados é algo digno de preocupação e esforço. No entanto, a insegurança jurídica prejudica a organização empresarial, dificultando, por fim, a adequação das empresas estrangeiras ao nosso ordenamento jurídico. De fato, alterar subitamente julgados anteriores incorre na fuga de capital estrangeiro. Algo que deve ser levado em consideração. As decisões têm seus pontos positivos e negativos, mas a que custo se pode priorizar os cofres públicos em detrimento de cláusulas pétreas, quando a Fazenda Pública teve condições favoráveis para contestação da decisão antes do trânsito em julgado, como a até dois anos após, através da ação rescisória.

No caso há uma decisão injusta por parte do STF, pois há adoção de uma postura em que é priorizada a preocupação com os cofres públicos em detrimento da obediência à própria Lei, tendo em vista que foram feridos artigos do CPC/15. Destaca-se que sem dúvidas alguma, essa tomada de decisão pode gerar precedentes altamente problemáticos, devido a credibilidade e repercussão existente no órgão judicial. Avalio como equivocado o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal diante deste tema. Interferir em coisa julgada, relativizando preceitos constitucionais, gerando insegurança jurídica e atentando contra o Estado Democrático de Direito é extremamente grave e preocupante. Conforme prevê o Art. 5º, XXXVI da CR/88, já que a lei jamais poderá prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

É interessante como o Supremo Tribunal Federal, que deveria atuar como o grande guardião da nossa Constituição, por vezes age em desconformidade com ela, gerando, como no caso em questão, perigo à garantia constitucional da segurança jurídica, prevista no inciso XXXVI, do art.5º da Constituição Federal.

Não se nega que a atuação incisiva e ampla do STF está vindo a afetar negativamente variados nuances da sociedade brasileira. A segurança jurídica é um fundamento essencial e inviolável para que se mantenha uma plena democracia. Logo que tal instituto está preceituado em nossa Carta Magna. Entretanto, podemos perceber que a atuação por parte do STF está tomando rumos além dos esperados, dando espaço para que a insegurança jurídica adentre os espaços jurídicos e não só traga consequências aos cidadãos do país, como também afaste possíveis investidores. Nota-se dessa forma a interpretação errônea por parte do STF quando julgou a igualdade jurídica e a igualdade tributária em detrimento da tão importante, segurança jurídica.

Analisando-se os pontos focados, é notório o completo absurdo que essa decisão do STF caracteriza, tanto na esfera meramente judicial quanto na esfera econômica. Na esfera judicial, deve-se abordar a insegurança jurídica que essa decisão traz consigo, além de evidenciar o ativismo judicial que impregna o STF nos dias atuais. Veja-se que, como foi dito durante o artigo, já havia sido prolatada uma decisão reiterando a constitucionalidade da CSLL em 1992, assim, cabia à Fazenda Pública, e somente a ela, utilizar-se dessa decisão para reverter as sentenças transitadas em julgado que discorressem sobre o assunto, no prazo de dois anos, através de ação rescisória. Todavia, o STF, evidenciando o seu ativismo, não só proferiu decisão acerca de assunto já discutido anteriormente, como também atraiu para si o papel de revogar as sentenças, (no caso específico do RE analisado, uma sentença proferida a três décadas atrás), poder que deveria partir exclusivamente da vontade da Fazenda Pública por meio de ação rescisória, respeitando o prazo de dois anos, caracterizando-se como uma quebra da imparcialidade, visto que, conforme dito, o STF está claramente adotando um lado. Ainda, a segurança da economia do país também é prejudicada com esse tipo de decisão, tendo em vista a clara falta de segurança jurídica em relação ao pagamento ou não de tributos, o que faz com que as empresas estrangeiras encontrem dificuldades para instalar-se aqui, assim como os investidores internacionais, uma vez que, em razão de decisões como essa, não encontrarão um ambiente fértil para fazer negócios.

Entendo que o princípio da equivalência do contribuinte, não obstante a sua relevância, foi supervalorizado pelo STF no âmbito do RE 955.227. Isso porque, feito o devido sopesamento das consequências fático-jurídicas, resta nítido que o princípio da segurança jurídica deveria ter prevalecido, considerando que a sua inobservância, no aludido RE, pode servir como precedente para a violação da coisa julgada em outras circunstâncias. Tal situação, evidentemente, causaria preocupante desconfiança não apenas perante o STF, mas perante todas as instituições jurídicas do país.

Tal em razão de que, conforme disposição expressa na Constituição Federal e no Código de Processo Civil, a coisa julgada impede a modificação/discussão de decisão de mérito da qual não caiba mais recursos, senão pela propositura de ação rescisória, no prazo de dois anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Assim, evidente que o legislador pretendeu conferir segurança jurídica aos litigantes, evitando que pudessem ser surpreendidos anos após o trânsito em julgado. Ocorre que, por arbitrariedade do STF, o aludido RE flexibilizou tal princípio, abrindo precedentes para que outras questões tenham, igualmente, seu trânsito em julgado ignorado. Lamentável.

O STF não deveria intervir em coisa julgada, ainda que, em contrário a decisão já prolatada da corte. Pois, cabe à parte interessada se utilizar da jurisprudência da Corte Suprema para contestar eventual decisão em contrário, uma vez que, ações como a tomada pelo STF no presente caso afastam a segurança jurídica do nosso judiciário e, ainda, trazem mais benefícios ao ente estatal que já tem algumas vantagens quando comparado ao ente privado no âmbito processual. Além disso, o princípio da equivalência dos contribuintes é nobre, contudo não é superior ao da coisa julgada. Ressalto que em outros casos a equivalência foi superada para que a segurança jurídica pudesse ser observada, por exemplo, no caso das remissões isenções e anistias concedidas a algumas empresas antes da CF de 88 que foram mantidas apesar de irem contra a CF.

A análise do caso deixa claro o "conflito" de princípios estabelecido no julgamento do STF, onde prioriza-se a isonomia tributária em detrimento da proteção da coisa julgada, em evidente ofensa à segurança jurídica. Até mesmo as hipóteses de excepcionalidades previstas pelo CPC não são capazes de contemplar a situação que foi erroneamente analisada pela Corte, que acabou por relativizar um dos mais importantes princípios processuais previstos na Constituição, invertendo ainda a hierarquia das normas apenas em uma tentativa de "proteger os cofres públicos" na medida que fere a imparcialidade do judiciário.

Ao falar de violação da segurança jurídica, vemos que o STF cria precedentes perigosos para a atuação futura do judiciário, que enxerga brechas para ignorar o direito adquirido em prol dos interesses da Fazenda Pública. É repudiável a conduta do STF de relativizar preceitos constitucionais altamente relevantes para garantir a coesão social, como a segurança jurídica. No caso em questão, houve uma clara demonstração de ativismo judicial, considerando que o Supremo deixou de seguir ritos obrigatórios para que fosse feita uma revisão judicial, pois não foi sequer proposta Ação Rescisória na conjuntura. Ademais, percebe-se que foi adotada uma postura injusta por parte do STF a partir do instante em que a preocupação com os cofres públicos se tornou mais relevante do que a obediência à própria Lei, tendo em vista que foram feridos os artigos 525, § 12 e 535, § 5º do CPC/15. Esse contexto, sem dúvidas, pode gerar precedentes altamente problemáticos, pois decisões tomadas pelo Supremo possuem elevada credibilidade, incentivando atos semelhantes no futuro.

De outra feita, o descompasso existente entre a decisão exarada pelo STF em sede de RE, visto que se contrapõe diretamente com o dever precípuo de tal Tribunal Superior, qual seja: o de ser guardião da Constituição Federal. A decisão do tribunal, ao não privilegiar a aplicação da segurança jurídica referente à proteção da coisa julgada (assim considerada como cláusula pétrea, em conformidade com inciso IV, § 4º do art. 60 da CF/88), permitiu, de forma indevida, a interrupção de efeito de sentença já transitada em julgado. Ao realizar tal ação, há real inversão da ordem hierárquica dos textos legais, pelo que aparenta serem as normativas tributárias mais relevantes do que o próprio texto constitucional.

A interrupção de efeitos de sentença já transitada em julgado constituiu, no caso em comento, erro do STF, visto que foi realizada de forma automática, sem a utilização dos mecanismos processuais adequados pela Fazenda Pública (ação rescisória). Vislumbra-se, então, a atuação do tribunal em desrespeito aos preceitos de imparcialidade do juiz e da segurança jurídica.

Outrossim, sabemos que julgamentos criam precedentes. Que tipo de precedente poderemos gerar a partir de uma omissão a uma garantia fundamental? E a ordem na aplicação de nossas leis e o bom funcionamento da justiça? Ora, estamos falando de uma decisão que fere a coisa julgada, cuja função é pacificar entendimentos e estabelecer uma prudente linha de julgamento.

Claramente existe uma fuga das competências elencadas para o Supremo Tribunal Federal ao definir questões contra o entendimento processual a respeito da coisa julgada. Com a possibilidade de interferência em algo tão consolidado e aceito enquanto pressuposto do devido processo legal torna evidente o risco ao prejuízo à segurança jurídica.

Observamos o STF, enquanto órgão que deveria cuidar e garantir o constitucionalismo no Brasil, afrontando diretamente questões guardadas na Constituição Federal. Esta decisão acaba indo, inclusive, contra outros dispositivos normativos além da Constituição, como as disposições do Novo Código de Processo Civil, ao permitir tratamento normativo divergente à particularidade de coisa julgada por benefício aos cofres públicos.

Considerando o próprio texto constitucional, titulando que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI), pode-se observar que decisões do próprio STF, em decisão de controle de constitucionalidade, teria em situações hipotéticas, o poder de afastar cláusula pétrea da Constituição, causando incertezas quanto a segurança jurídica.

E mesmo que, os argumentos utilizados pela União sejam a alegação violação aos princípios constitucionais da isonomia tributária e da supremacia do interesse público em relação ao particular, esses fundamentos não devem sobrepor à autoridade da coisa julgada, uma vez que esta é essencial à segurança jurídica, à manutenção da ordem pública e do Estado Democrático de Direito, impedindo, nesse sentido, ofensas à segurança das relações jurídicas.

É esperado que o STF, como órgão de maior instância judicial e pelo modelo de indicação presidencial de novos membros, sofra e exerça uma influência política até certo ponto, o que comumente gera críticas pela comunidade jurídica justamente pelas recorrentes fundamentações bastante questionáveis para pautar decisões, como foi dito sobre a inversão de hierarquia entre dispositivo do CPC e norma constitucional.

A questão crítica em torno do assunto proposto pelo presente artigo trata-se de uma incursão além do razoável, qual seja a dobra de um instituto fundante do próprio ordenamento jurídico, a coisa julgada. Tal decisão reforça a posição do Brasil como país desalinhado com a tão pretendida segurança jurídica, repercutindo negativamente em desconfiança de investidores e fuga de capitais.

É uma incursão muito interessante expor que a fundamentação duvidosa do ministro relator associada a uma preocupação com os cofres públicos deveria ser encargo da Advocacia Pública da Fazenda, uma vez que o próprio ordenamento prevê mecanismos como a ação rescisória para repor em discussão o instituto da coisa julgada.

De fato, é verdade que sabemos que no estado democrático de direito brasileiro, não há prerrogativas absolutas, nem mesmo o direito adquirido. Entretanto, não é sábio da parte do STF relativizá-los dessa forma.

Neste diapasão, exige-se uma atuação mais comedida do Supremo Tribunal Federal no que tange aos temas que estão em contendas doutrinárias, aspirando a um maior equilíbrio na divisão dos poderes da república e garantindo uma maior segurança jurídica no meio legal.

Guaxupé, 07/08/23.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 09/08/2023
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