Herança Digital
Herança Digital
No contemporâneo cenário global, constata-se a presença da tecnologia absorvida no cotidiano da sociedade. Hoje, parte significativa das pessoas tem acesso à internet e a aparelhos eletrônicos, e as relações humanas têm se voltado cada vez mais para os ambientes virtuais, fator que foi desmesuradamente explorado durante a pandemia do Covid-19.
Nessa linha, considerando as evoluções e revoluções dentro da própria internet e a disponibilização gradativa e exponencial de recursos tecnológicos, a tendência é a virtualização do mundo em aspectos outrora inimagináveis: as relações pessoais, relações de trabalho, momentos de lazer, poder de compra e venda, investimentos etc. Há quem defenda, inclusive, que tudo pode ser feito por meio de plataformas digitais.
A herança digital refere-se à transferência de patrimônio digital após o falecimento do titular, de acordo com os doutrinadores do Direito Sucessório. Este patrimônio é constituído por bens incorpóreos, que podem ter valor econômico ou afetivo. A natureza jurídica da herança digital é a dos direitos da personalidade.
Quais são os bens digitais. De forma geral, os bens digitais podem ser divididos nas seguintes categorias: Contas em redes sociais e aplicativos; Fotos; Vídeos; Áudios; Arquivos de texto; E-mails; E-books; Jogos online; Assinaturas digitais; Criptoativos.
Os bens digitais são processados em dispositivos eletrônicos, e podem ser armazenados em servidores físicos ou na nuvem.
A diferença entre patrimônio e herança digital. O patrimônio de um indivíduo engloba bens digitais e materiais que são transmitidos aos herdeiros legítimos ou testamentários. Já a herança digital trata apenas de bens incorpóreos, que também estão suscetíveis à sucessão hereditária.
Os tipos de herança digital
Direito Sucessório no Brasil está normatizado e regulamentado no Código Civil Brasileiro de 2002 (CCB/2002), porém com a expansão da internet e a difusão dos bens digitais, há significativos desafios para proceder as questões atinentes a esse novo tema, conhecido como Herança Digital.
Dessa forma, considerando que ainda não há legislação específica para regulamentar a transmissão do patrimônio digital do de cujus, como a questão pode ser considerada de forma a trazer segurança jurídica para essa transmissão? Diversas são as discussões jurídicas sobre o assunto, e com a expansão e variedade de bens digitais cada vez maior, o debate ganha maior relevância e urgência.
De acordo com o artigo 1.791 do Código Civil, a herança é um todo unitário, o que inclui bens digitais e materiais. Quando falamos especificamente dos itens que compõem a herança digital, podemos dividi-la em dois tipos:
Bens digitais de valor econômico
Os bens digitais que podem ser valorados economicamente se enquadram na composição do espólio e posterior partilha sem grandes questionamentos. Os principais exemplos são: Criptomoedas; Domínios de sites; Sites e plataformas que permitem adquirir mídias digitais, como Netflix, Spotify e Amazon; Milhas aéreas; Pontos do cartão de crédito; Jogos online pagos; Perfis pessoais e profissionais nas redes sociais que atraem publicidade; Canais do YouTube monetizados.
Bens digitais de valor sentimental
Mensagens trocadas no WhatsApp, contas em aplicativos, publicações em redes sociais, e-mails, fotos e vídeos são exemplos de bens digitais que não têm valor financeiro, mas, sim, afetivo. Por isso não são considerados de interesse sucessório e não compõem uma eventual partilha.
Ainda não existe legislação específica que trate sobre esses bens. Há um conflito entre o direito à privacidade do falecido e o direito à herança dos sucessores, havendo juristas que defendem que este tipo de herança digital só deve ser compartilhado com a família quando o desejo for expresso em testamento.
O testamento digital
Exatamente por não haver uma regulação no Brasil sobre a herança digital é que muitos advogados recomendam a elaboração de um testamento.
No documento registrado em cartório, o indivíduo pode especificar um herdeiro para seus bens digitais ou explicitar a vontade de não os transferir para alguém – ou mesmo deletá-los. Isso já está previsto no artigo 1857 do Código Civil.
Outra medida oferecida pelas plataformas e que funciona como um testamento digital informal é a possibilidade de designar as pessoas que terão acesso aos seus dados após a morte. Cada plataforma tem as suas próprias regras:
A Google permite que o usuário faça uma configuração prévia do uso póstumo da conta. Ele pode escolher uma pessoa para receber seus dados caso a conta fique inativa por determinado período de tempo. Também é possível programar a exclusão.
Caso o usuário não faça essa configuração, a família pode solicitar o encerramento da conta ou o recebimento dos dados. Para isso, é preciso preencher um formulário e anexar a identidade e a certidão de óbito.
O usuário pode solicitar que o perfil seja excluído ou que um herdeiro cuide da conta após sua morte. Neste caso, o perfil é transformado em um memorial. A família pode escrever publicações, responder solicitações de amizade e atualizar a foto do perfil, mas não terá acesso à conta propriamente dita.
Tem as mesmas funcionalidades que o Facebook.
Também permite transformar o perfil do usuário falecido em um memorial, mas o acesso à conta é bloqueado por completo.
A rede permite apenas a solicitação da exclusão da conta. Também é preciso comprovar o falecimento por meio de documentação.
A situação da herança digital no Brasil
Daí urge a necessidade de analisar o Direito das Sucessões – sob o ponto de vista da transmissão hereditária - atrelado ao direito de propriedade. Caso o Estado garanta a possibilidade de transmissão de bens entre os familiares e aqueles escolhidos pelo autor da herança, acaba por incentivar a produção deste, obtendo um resultado favorável para toda a sociedade.
Em síntese, a garantia de que o patrimônio do indivíduo será transmitido aos seus herdeiros – sendo estes os seus familiares mais próximos e/ou aqueles escolhidos por instrumento próprio (p. ex. testamento) – o incentiva a ser produtivo para não desamparar os seus, o que, por si só, já é um fator benéfico para a sociedade. Ao mesmo tempo, o amparo financeiro aos sucessores do falecido retira do Estado a incumbência ou a responsabilidade de lhes prestar assistência.
Hoje não existe uma lei no Brasil que trate especificamente sobre a herança digital. No entanto, já existe jurisprudência sobre o tema que pode ser consultada por advogados.
Também é possível se aprofundar no tema por meio de cursos e especializações em Direito Digital, que vão ajudar você a atualizar suas práticas jurídicas para acompanhar os impactos das novas tecnologias na sociedade.
Herança digital: O que acontece com os "bens virtuais" de um falecido? Herança digital ainda não é regulamentada no Brasil, apesar do crescente número de pedidos de acesso às redes sociais de falecidos.
Em razão dos avanços tecnológicos nas últimas décadas e das transformações digitais que perpassam o mundo, sobrevém novas demandas jurídicas, que tentam encontrar respaldo em um novo ramo do direito (tão novo quanto). Ou seja, objetiva-se regulamentar e assegurar as novas relações advindas do fenômeno internet.
Caso interessante ocorreu com uma usuária do Facebook e Instagram. Ela sempre compartilhou os momentos da família desde que sua filha era bebê. Com o falecimento da usuária suas contas não mais puderam ser acessadas.
Foi preciso que seus herdeiros entrassem na Justiça contra o Facebook para ter acesso às contas da falecida mãe e esposa e, assim, recuperar anos de fotografias e textos postados. Os herdeiros conseguiram o login e a senha, mas não foram autorizados a administrar o perfil, pois a Usuária não havia designado nenhum herdeiro como “contato herdeiro” na rede social quando era viva.
Em novembro de 2021, por exemplo, a 10ª Câmara de Direito Privado do Estado de São Paulo determinou que o Facebook restaurasse os perfis de uma usuária após o falecimento, a pedido do marido e da filha.
O tema vai além das redes sociais e envolve bens digitais com caráter emocional e financeiro. A seguir, você vai conferir um resumo sobre o que tem sido discutido no Brasil sobre a herança digital.
Fotos, vídeos, áudios, arquivos de texto, e-mails, e-books, assinaturas digitais, jogos on-line e contas em aplicativos estão entre os itens que compõem o patrimônio digital.
A alta demanda do uso da tecnologia gera aumento no número de bens e serviços utilizados, publicados ou guardados em plataformas e servidores virtuais. Estes podem ser denominados ativos e caracterizados como bens incorpóreos, que possuem valor econômico ou afetivo e compõem o patrimônio digital de uma pessoa. O acúmulo destes bens repercute no Direito, especialmente no que tange à herança digital - isto é, à transferência desse patrimônio quando do falecimento do titular.
O Poder Judiciário tem negado o direito à herança digital. Essa tendência possui fundamento bastante razoável, na medida em que ainda não há legislação que regulamente especificamente o tema, tendo os magistrados entendido de maneira acertada ao negar aos familiares o pleito de acesso aos bens digitais deixados pelo falecido, em respeito aos direitos personalíssimos.
Os itens que compõem a herança digital podem ser fotos, vídeos, áudios, arquivos de texto, e-mails, e-books, ou ainda, assinaturas digitais, jogos on-line, contas em aplicativos etc. Levando em consideração o grande volume de dados pessoais tratados e a vigência da LGPD, as plataformas digitais estão criando relações cada vez mais transparentes com os titulares, buscando a conformidade com a lei, mas ainda falta uma conscientização na população sobre as normas aplicáveis, ainda mais levando em conta que os termos de uso das plataformas têm apresentado certa restrição ao pedido de transferência.
Obrigação de Fazer. Acesso ao Perfil. Esposa Falecida. Herança Digital. Tutela Urgência
No caso o esposo pleiteou fosse liberado o acesso a conta do Facebook de sua falecida esposa.
Ao decidir consignei que é sabido que, para a concessão da Tutela Antecipada, faz-se imprescindível a incidência de seus requisitos fundamentadores, quais sejam: probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput, do CPC/2015).
Vale ressaltar que, diante do caráter excepcional da medida almejada, deve o requerente evidenciar a combinação dos seus pressupostos, sendo insuficiente a sua demonstração parcial.
Prima facie, no exame sumário, vislumbrei os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
O perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo se reveste caso requerido apague os dados que estão nas redes sociais do facebook e instagram, os quais o autor pretende resgatar, dentre mensagens, fotos e demais dados.
O direito aqui tratado é novo, sem legislação, tendo parte da Doutrina e Jurisprudência intitulado de “Herança Digital”.
Está em trâmite no Senado Federal o projeto de lei 6.468/192, que ganhou visibilidade com a morte do apresentador Gugu Liberato e o inesperado crescimento do número de seguidores em suas redes sociais após o seu falecimento. Referido projeto visa introduzir o parágrafo único no artigo 1.788 do Código Civil, com a seguinte redação: “Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança.”
Assim, para dirimir referida questão, se faz necessário do julgador o uso de princípios e normas correlatas e, no caso, importante se frisar que aqui estamos discutindo choques de princípios e garantias constitucionais.
Temos o Direito à Intimidade e Privacidade que se pede a violação, de outro lado temos o direito do próprio Autor/Agravante de Herança e Imagem de ter acesso a suas fotos e as fotos do casal, além de tentar manter uma lembrança um memorial para sua falecida esposa, com as recordações para familiares e amigos.
Neste passo, analisando primeiramente os empecilhos supostamente havidos, não vislumbro violação ao Princípio da Intimidade e Privacidade da personalidade de sua falecida esposa, pois se em vida esta fornecia a senha da conta do Facebook livremente ao autor, fato este comprovado com a mudança de nome do perfil após sua morte para “Memórias de Marisa”, conforme foto inserida no (Id.43624866) que comprova a anuência, não há infringência a tais princípios.
No mais, verifica-se do perfil da conta discutida que a foto que aparece é a do casal, demonstrando uma relação de bom consentimento em compartilhar a conta com o seu companheiro requerente.
Desse modo, retirando o suposto empecilho jurídico acima, só restam direitos em favor do postulante, pois este tem direitos a meação/herança sobre a conta e tudo que ali se encontra, tem direito de preservar os direitos da personalidade da de cujus, conforme o art. 12, Parágrafo único do CC e tem direito de imagem art. 5º, X da CF, sobre as fotografias que aparecem a sua imagem com sua companheira.
Ademais, ao se permitir neste momento o “Perfil de Memorial” as mensagens privadas não serão mais acessadas, sendo um recurso de privacidade da própria plataforma do Facebook, não havendo que se falar em violação do Direito de Intimidade da falecida titular da conta.
Desse modo, entendo que o autor tem direito de fazer suas condolências póstumas a sua companheira, direito este previsto nos direitos de personalidade.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
O direito do Autor também se encontra previsto no Princípio da Saisine, princípio fundamental do Direito Sucessório, em que a morte opera a imediata transferência da herança aos seus sucessores legítimos e testamentários, visando impedir que o patrimônio deixado fique sem titular, enquanto se aguarda a transferência definitiva dos bens aos sucessores do falecido.
Código Civil: Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Ante o exposto, preenchidos os requisitos, deve ser deferida a tutela antecipada requerida.
Isso posto, DEFIRO A TUTELA ANTECIPADA EM PARTE, PARA QUE O REQUERIDO NÃO EXCLUA AS CONTAS NEM DESTRUAM OS DADOS NELAS CONSTANTES, AO PASSO QUE SEJA CONCEDIDO ACESSO AO REQUERENTE NAS CONTAS DO FACEBOOK E INSTAGRAM DA FALECIDA, NO PERFIL COM A MODALIDADE “PERFIL MEMORIAL”, FICANDO TODAS AS MENSAGENS PRIVADAS ANTERIORES A 28/03/2023 (DATA DO FALECIMENTO) INACESSÍVEIS, tendo o Agravado o prazo de 48h após o recebimento da intimação desta decisão para restabelecer as contas, sob pena de multa diária de (R$2.500,00 DOIS MIL E quinhentos reais) até o limite de 15.000,00 (quinze mil reais).
Guaxupé, 14/07/23.
Milton Biagioni Furquim