Regime de separação total de bens, modificação para regime de comunhão universal de bens. Efeitos da modificação na Constância do casamento. Retroação na data do matrimônio. Ex tunc.
Regime de separação total de bens, modificação para regime de comunhão universal de bens. Efeitos da modificação na Constância do casamento. Retroação na data do matrimônio. Ex tunc.
No CC/1916, vigorava o princípio da imutabilidade do regime de bens. Em outras palavras, depois de os nubentes terem fixado o regime de bens, não era permitida, em nenhuma hipótese, a sua alteração durante o casamento.
Já no Código Civil de 2002 vigorava o Princípio da mutabilidade justificada do regime de bens O CC/2002 inovou no tratamento do tema e adotou o princípio da mutabilidade justificada do regime de bens. Assim, atualmente, é possível que os cônjuges decidam alterar o regime de bens que haviam escolhido antes de se casar, sendo necessário, no entanto, que apontem um motivo justificado para isso: “Art. 1.639 (...) § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”
O princípio da imutabilidade absoluta de regime de bens é resguardado pelo Código Civil de 2016 e não pelo atual.
Em relação ao direito patrimonial entre os cônjuges: é admissível a livre alteração do regime de bens, independentemente de autorização judicial, desde que justificado a contento.
Assim, em que pese ser repetitivo, vejamos os requisitos para a mudança do regime de casamento, na constância do casamento: a) pedido motivado de ambos os cônjuges; b) autorização judicial após análise das razões invocadas; c) garantia de que terceiros não serão prejudicados em seus direitos.
Situação decidida nesta Vara da seguinte maneira.
“Em 2010, Regina e João se casaram e optaram pelo regime da separação de bens. Em 2020, o casal ingressou com ação de modificação de regime de bens, com o objetivo de alterá-lo para o regime da comunhão universal de bens. O pedido foi formulado com base no art. 1.639, § 2º, do Código Civil.
Até aí, tudo bem. O ponto mais controverso foi que o casal pediu, na ação, que os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens retroagissem à data do matrimônio (eficácia ex tunc).
Argumentaram que tal retroatividade não teria o condão de gerar prejuízos a terceiros, porque todo o patrimônio titularizado pelo casal continuaria respondendo, em sua integralidade, por eventuais dívidas, conforme prevê o art. 1.667 do Código Civil: “Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.”
O feito foi sentenciado parcialmente procedente. Isso porque autorizei a mudança do regime de bens, mas determinei que essa alteração deveria gerar efeitos “ex nunc”, ou seja, o magistrado rejeitou o pedido para que a modificação tivesse eficácia retroativa.
Houve recurso de apelação e o TJMG manteve-a. Ainda inconformado, o casal interpôs recurso especial. O STJ não deu provimento ao recurso. O STJ concordou com o pedido de modificação do regime de separação de bens para o da comunhão universal de bens com efeitos retroativos.
Em regra, a modificação do regime de bens possui efeito ex nunc. Como regra, a mudança de regime de bens valerá apenas para o futuro, não prejudicando os atos jurídicos perfeitos.
Contudo, a modificação poderá alcançar os atos passados se o regime adotado (exemplo: alteração de separação convencional para comunhão parcial ou universal) beneficiar terceiro credor pela ampliação das garantias patrimoniais.
Alteração do regime de bens não pode prejudicar direitos de terceiros.
A principal exigência legal para autorizar a modificação do regime de bens é a de que essa mudança não prejudique os direitos de terceiros.
A preocupação foi a de proteger a boa-fé objetiva, de modo que a alteração do regime não poderá ser utilizada para fraude em prejuízo de terceiros, inclusive de ordem tributária.
Se a modificação, de alguma forma, gerar prejuízo para terceiros de boa-fé, essa alteração deve ser reconhecida como ineficaz em relação a esses terceiros.
Retroatividade da modificação do regime de bens
No caso concreto, o STJ reconheceu ser possível que a alteração do regime de bens tivesse efeitos ex tunc.
Quando o casal muda do regime de separação para a comunhão universal, a “comunhão universal” só é completa se incluir todos os bens que eles já possuem. Ou seja, todos os bens presentes e futuros passam a ser compartilhados pelo casal. E como a lei já protege os direitos de terceiros, não há razão para o juiz dificultar a decisão do casal.
A mutabilidade do regime de bens nada mais é do que a livre disposição patrimonial dos cônjuges, senhores que são de suas coisas. Não há sentido proibir a retroatividade à data da celebração do matrimônio livremente manifestada pelos cônjuges de comunicar todo o patrimônio, inclusive aquele amealhado antes de formulado o pedido de alteração do regime de bens, especialmente no caso em que a retroatividade é corolário lógico da mudança para a comunhão universal.
Inexistência de prejuízo a credores
Havendo a modificação, não se configura qualquer prejuízo aos credores, visto que esses, com a alteração do regime para comunhão universal, terão mais bens disponíveis para garantir a cobrança de valores. Independentemente de constar na decisão judicial, o patrimônio continuará respondendo pelas dívidas existentes.
Quanto a eventual credor prejudicado, vale a ressalva feita pela lei que diz respeito à ineficácia em relação a direito de algum terceiro que venha a alegar prejuízo.
Em suma: Os efeitos da modificação do regime de separação total para o de comunhão universal de bens, na constância do casamento, retroagem à data do matrimônio (eficácia ex tunc). STJ. 4ª Turma. Processo em segredo de justiça, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 25/4/2023
Guaxupé, 11/03/25
Milton Biagioni Furquim