Terceiro, estranho à lide, pode apresentar reconvenção contra o autor?

Terceiro, estranho à lide, pode apresentar reconvenção contra o autor?

Terceiro, estranho à lide, pode apresentar reconvenção contra o autor?

A título de exemplo, facilitador do entendimento, vejamos a questão em se tratando de um contrato de franquia.

A franquia empresarial pode ser considerada como o sistema “pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento” (art. 1º da Lei nº 13.966/2019).

Os contratos de franquia têm natureza de contrato de adesão porque essa espécie negocial é celebrada por adesão do franqueado às cláusulas preestabelecidas pelo franqueador.

A franquia não consubstancia relação de consumo (STJ. 3ª Turma. REsp 1803752/SP, DJe 24/04/2020). Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado.

Reconvenção

O CPC/2015 inovou no procedimento relativo à reconvenção ao prever que ela deve ser apresentada na própria contestação e não mais de forma autônoma:

Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Apesar disso, a doutrina anota que “a reconvenção continua a ser uma ação autônoma e não um simples meio de defesa” (THEODORO JR., Humberto. Novo Código de Processo Civil Anotado. E-book. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016).

A independência entre a ação principal e a reconvenção é corroborada pelo disposto no art. 343, §2º, do CPC/2015, o qual estabelece que: Art. 343 (...) § 2º A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção.

O CPC permite que uma parte que não integrava originalmente a lide possa também apresentar reconvenção?

Por evidente que sim. Além da ampliação objetiva (ampliação do que está sendo pedido ao Estado-juiz), a reconvenção também pode ocasionar a ampliação subjetiva, por meio da inclusão de um sujeito que até então não participava do processo.

O art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015 autoriza que: a reconvenção seja proposta contra o autor e um terceiro; ou; que a reconvenção seja proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro.

Veja a redação legal: Art. 343 (...) § 3º A reconvenção pode ser proposta contra o autor e terceiro. § 4º A reconvenção pode ser proposta pelo réu em litisconsórcio com terceiro.

Nessa hipótese em que os polos da ação e da reconvenção não são idênticos, a independência da reconvenção em relação à ação principal ganha ainda mais relevo. Isso significa que o juiz deve examinar cada um dos pleitos (o pedido formulado na inicial e o pedido deduzido na reconvenção), de forma autônoma, sem que haja a indevida atribuição de obrigações à parte que não compõe a relação processual.

Nessa linha, o STJ já decidiu que “cada pedido e cada relação jurídica deve ser analisada separadamente” (STJ. 3ª Turma. REsp 1.490.073/MG, DJe 28/5/2018).

Isso significa que a reconvenção, neste caso, modificou o polo passivo da ação principal? A partir do momento em que o terceiro apresentou reconvenção, podemos dizer que ele também foi incluído como réu no polo passivo da ação principal?

De maneira alguma, uai. Como a reconvenção é autônoma e independente, a ampliação subjetiva do processo promovida pela reconvenção não modifica os polos da ação principal. Assim, as questões debatidas na ação principal continuam restritas às partes que já integravam os polos ativo e passivo da demanda, não se estendendo ao terceiro, que apenas é parte da demanda reconvencional. Em uma simples frase: o terceiro que apresentou reconvenção não se torna parte da ação principal. Em relação à ação principal, ele continua sendo terceiro.

Mas... no caso hipotético o terceiro é do mesmo grupo econômico da requerida, ad exemplum. Diante disso, não podemos também dizer que ela faz parte do polo passivo da ação principal?

De jeito maneira. A reunião em um grupo econômico não retira a personalidade jurídica de cada sociedade que o compõe. As sociedades integrantes do grupo mantêm a sua autonomia patrimonial, a qual somente poderá ser desconsiderada quando presentes os pressupostos para a desconsideração indireta da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil). Tanto é assim que o art. 50, § 4º, do CC, introduzido pela Lei nº 13.874/2019, prescreve que a mera existência de grupo econômico não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica:

Art. 50 (...) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Sendo assim, não é possível atribuir responsabilidade solidária a sociedades empresárias pelo simples fato de integrarem o mesmo grupo econômico.

No caso hipotético, não há dúvidas que o terceiro não era parte do contrato de franquia, o qual foi celebrado entre as partes figurantes do contrato. Em verdade, a relação do terceiro com a parte requerida era de fornecimento de insumos ad exemplum, que, embora imprescindível ao bom desempenho da franquia, não se confunde com a relação negocial de franquia.

Ora, o fato das empresas comporem o mesmo grupo econômico, fato este, por si só, não induz solidariedade entre seus integrantes.

Em suma: a reconvenção promovida em litisconsórcio com terceiro não acarreta a inclusão deste no polo passivo da ação principal. STJ. 3ª Turma. REsp 2.046.666-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/5/2023 (Info 775).

Extrema, 03/07/23.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 01/07/2023
Código do texto: T7826924
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