Proteção e Planejamento Patrimonial – Partilha em Vida, Doação – Vantagens e Desvantagens da doação e demais temas correlatos.
A doação de bens em vida, apesar de ser um instituto popular entre as pessoas, ainda gera diversas dúvidas, até porque, é necessário ficar atento com algumas regras de modo que não se torne um problema no futuro.
É bom saber que os instrumentos de planejamento sucessório são variados consubstanciados em atos unilateriais e/ou bilaterais, podendo seus efeitos ocorrerem ainda em vida ou após a morte. Dentre os instrumentos disponíveis, dois deles são merecedores de muita atenção, pois são, em princípio, considerados sinônimos e, na verdade, são institutos distintos, quais sejam, partilha em vida e doação.
Ao pretender fazer uma partilha em vida significa dispor de seus bens mediante doação, no entanto de doação não se trata, pois são institutos dessemelhantes. Tais institutos são instrumentos de distribuição de patrimônio antes do falecimento do proprietário, são regulamentados pelo Código Civil e necessitam recolher o ITCD e resguardar a legítima, sendo estas as duas semelhanças existentes entre ambos.
Doação em vida
A doação é a modalidade de contrato pela qual, por um ato de liberalidade, o doador transmite bens ou vantagens ao donatário. Ela pode ser pura, prever algum encargo ou obrigação que o donatário deva satisfazer (doação modal), ser meritória ou contemplativa, bem como ser gravada com cláusula restritiva (incomunicabilidade, p. ex).
Por isso, é importante conduzi-la respeitando os limites legais no que diz respeito às quotas de herança aos sucessores do doador. Um fato não muito mencionado é que a doação de bens em vida, segundo uma corrente de juristas, pode ser uma boa opção planejamento sucessório, suavizando a burocracia da transferência de bens e direitos. Não só isso. Outro motivo que alegam ser importante é com relação a doação de bens em vida ser uma alternativa de evitar um processo de inventário judicial, capaz de propiciar em alguns momentos conflitos entre os herdeiros e burocracia na transferência dos bens. Mas tenho minhas dúvidas se, só por isso, seria uma boa opção, faz-me com que eu tenha reservas quanto a isso.
Cumpre destacar, repito, apenas a quantidade de bens que pode ser doado, à doação aos filhos e a esposa, tendo em vista que essas doações podem influenciar no planejamento, lembrando que a doação é nula, pois deverão ser resguardada a legítima que é a parte dos bens que será destinada aos herdeiros necessários. Também é proibida a doação universal de bens sem a reserva do mínimo necessário do donatário.
A doação de bens é um procedimento unilateral e espontâneo, conforme a vontade do doador, onde o mesmo realiza a transferência de algum bem ou vantagem para uma pessoa. É um contrato entre pessoas plenamente capazes, ou ao menos o doador deve ser obrigatoriamente capaz, sendo que uma delas transfere o seu patrimônio para outra, sem qualquer pagamento em contrapartida.
Todavia, isso não impede que o doador estabeleça algum encargo ou obrigação para a doação ser de fato efetivada, sendo, neste caso doação onerosa, por estar condicionada ao cumprimento dessa obrigação estabelecida pelo doador. Exemplo, doar um carro na condição de que o beneficiário entre na faculdade.
A doação de bens em vida é possível de acordo com Código Civil, podendo o doador transferir o seu bem para um beneficiário, de forma livre e gratuita, mesmo que com um ônus, encargo ou condição. Esta possibilidade, doação em vida, visa prevenir eventuais problemas familiares relacionados à partilha de bens de uma futura herança, possibilitando ao doador realizar a sua vontade de transmitir o seu bem antes do falecimento.
Mencionamos no início do artigo que a doação de bens exige a observância de algumas regras. Sendo as principais, por exemplo, é a doação onde o beneficiário seja um dos herdeiros necessários. Nesta situação, é indispensável respeitar a quota mínima necessária dos demais herdeiros, incluindo cônjuge, se houver.
O que deixa muitos herdeiros confusos é que não pode haver a contestação de uma doação enquanto o doador for vivo, afinal, a herança é apenas uma expectativa de direito e não pode ser discutida enquanto o fato gerador principal não acontecer. Deste modo, somente após o falecimento do doador, poderá ser discutido se alguma doação ultrapassou o limite da quota daquele beneficiário se comprovado, será invalidada.
O doador pode doar todos seus bens a quem ele quiser, desde que respeitada a quota mínima dos herdeiros necessários e a lei estabelece que é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para o próprio sustento do doador, ou seja, não é permitido doar todos os bens sem resguardar o mínimo para o seu sustento.
Redobrar o cuidado com a questão da fraude contra credores. Este é um ponto onde todos devem redobrar a atenção. Isto porque, a doação de bens não deve ser utilizada como um artifício para evitar a execução de bens e caso seja identificada tal circunstância, o ato pode ser anulado com uma ação Pauliana.
A doação de bens em vida é uma das inúmeras medidas que podem ser adotadas como parte de uma estratégia de Planejamento Patrimonial. Em diversos casos, essa pode ser uma saída para assegurar que seu patrimônio não sofra perdas e que seja corretamente partilhado entre os herdeiros, garantindo segurança financeira e evitando conflitos.
Esta doação é um recurso para Proteção Patrimonial muito comum. Pessoas que fazem o Planejamento Sucessório de seu patrimônio lançam mão dessa ferramenta, por exemplo, para adiantar a herança de seus filhos. Também é comum fazer essa doação para dar auxílio financeiro a um terceiro, ou para presentear com uma parcela de seu patrimônio uma pessoa que não se caracteriza enquanto herdeira legítima dele.
Em que pese ser repetitivo, a doação de bens em vida, pode envolver tanto bens móveis quanto imóveis. A regra geral para doação de bens é que 50% desse patrimônio deve ser reservado aos herdeiros necessários/legítimos, que consistem, exclusivamente, em ascendentes (pais, avós, bisavós, etc), descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc) e cônjuge. Apenas os demais 50% podem ser destinados a outras pessoas ou a herdeiros testamentários (apontados pelo detentor do patrimônio em testamento).
Sendo assim, caso o valor de uma doação de bens em vida ultrapasse esse limite estabelecido, ela pode ser questionada pelos herdeiros necessários futuramente. Respeitar o limite, portanto, é uma forma de evitar problemas e disputas judiciais entre pessoas queridas. Entretanto, caso não haja nenhum herdeiro necessário para ser contemplado, você pode fazer uma doação de qualquer valor, desde que mantenha o necessário para a sua própria sobrevivência. E neste particular veremos um tópico onde deixo claro minhas reservas quanto a doação total de bens, adiantando que o doador jamais deverá fazer este tipo de doação.
Após formalizar a doação de bens em vida, também é recomendado declará-la no Imposto de Renda. Não se trata de uma ação obrigatória, mas é uma forma de dar segurança a quem doa e a quem recebe. Para quem doa, é uma forma de justificar a variação patrimonial. Para quem recebe, é uma forma de garantir seus direitos sobre os bens doados em caso de contestação ou ação judicial futura por parte de herdeiros necessários.
A lei determina que o conceito de “usufruto” consiste no ato de um proprietário de um bem ceder a um terceiro a permissão para usar e fruir de um bem, mas ainda assume as responsabilidades referentes a ele. O conceito é muito aplicado a bens imóveis. Em caso de doação de bens em vida, há a transmissão não apenas de titularidade do bem, mas também de seu usufruto, a não ser que alguma condição para tal seja estabelecida no contrato.
O contrato de doação de bens em vida pode ser customizado para que o doador imponha condições, encargos ou termos para o beneficiário. O intuito, na maioria das vezes, é garantir a segurança, perpetuação e sucessão do bem. Veja exemplos de customização aplicáveis a bens imóveis: a) Determinar que o bem pertença exclusivamente ao donatário, mesmo se ele ou ela se casar, independente do regime de bens; b) proibir a alienação do bem; c) proibir a possibilidade de transferência do bem e flexibilizar apenas seu usufruto; d) determinar usufruto vitalício para o doador; e) restringir as atividades que podem ser realizadas na propriedade. Por exemplo, filantropia; f) determinar que a aquisição do bem só pode acontecer após merecimento. Por exemplo, após o beneficiário receber grau acadêmico pela conclusão de um curso de nível superior; g) determinar que a aquisição do bem só pode acontecer após um evento futuro. Por exemplo, um casamento.
Para realizar a doação de bens imóveis em vida é necessário lavrar uma Escritura Pública e, posteriormente, protocolar a Escritura no cartório de Registro de Imóveis competente. Será cobrado um valor referente a custos com emolumentos, bem como o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação), cuja alíquota recai sobre o valor do imóvel doado e varia de 1% a 8%, dependendo do Estado. A forma de cobrança do imposto também pode variar. Não necessariamente ele será cobrado no ato da doação. A cobrança pode ocorrer após o falecimento do doador, ou até mesmo não incidir sobre a doação, caso seu valor não atinja um limite mínimo para gerar a cobrança do tributo. É necessário consultar a legislação específica do Estado em que a transmissão será documentada para ter acesso a mais detalhes.
Quando se trata da doação de um bem móvel, vale observar qual procedimento legal deve ser realizado no órgão responsável por sua regulação. Por exemplo, se se trata da transmissão de um veículo, é recomendado formalizar a transferência dele no Detran.
A doação de valores em dinheiro não esquecer que há um limite anual que pode ser doado em vida a herdeiros sem o pagamento de impostos. Há ainda outras formas de realizar a doação de valores em dinheiro, por exemplo, Fundo de Investimento em Participações (FIP) ou Fundos Imobiliários.
Há vantagens e desvantagens na doação. As vantagens podem ser elencadas: 1. Evitar desgastes com o inventário: quando uma pessoa falece, é feito o processo de inventário, que consiste num detalhamento de seu patrimônio com o objetivo de realizar a partilha de bens entre seus herdeiros. Após o processo de inventário, a herança, que consiste em todos os bens, bem como os direitos e deveres que recaem sobre eles, é partilhada entre os herdeiros necessários/legítimos, e testamentários.
Como apontado anteriormente, 50% da herança é obrigatoriamente destinada à igual partilha entre os herdeiros necessários. O restante é dividido entre os herdeiros testamentários. Entretanto, o processo de partilha da herança pode ser extremamente complexo quando o detentor do patrimônio não toma medidas de Planejamento Patrimonial. Quanto menos planejamento há, mais burocrático e complexo será o processo de inventário. Afinal, além de levar mais tempo para fazer o levantamento de todo o seu patrimônio, é comum a situação seja agravada por conflitos e desentendimentos entre familiares e herdeiros em geral. Discordâncias e disputas entre herdeiros podem levar anos e o processo de inventário se estende enquanto não houver acordo entre os herdeiros.
A melhor forma de evitar esse desgaste é tomando medidas em vida para gerenciar seu patrimônio e garantir a correta sucessão dele, da forma como você deseja. Afinal, quando uma família perde um ente querido e se encontra fragilizada, não precisar enfrentar esses desgastes é essencial.
2. Otimiza a sucessão do patrimônio. Como visto, por diversos motivos, o processo de inventário pode demorar muitos anos para ser finalizado. A vantagem da doação de bens em vida, neste quesito, é que a transmissão de bens se torna mais otimizada. Afinal, pode ser feita aos poucos, de forma controlada e planejada. Desta forma, evita que a concretização da sucessão de bens não seja tão demorada, como seria caso a partilha de bens em sua totalidade fosse ocorrer após o falecimento.
3. Preserva e evita perdas significativas no patrimônio. Mesmo quando existe um consenso entre os herdeiros de um patrimônio e todos eles cumprem os requisitos para serem beneficiados no momento da partilha de bens, é preciso levar em conta a onerosidade do processo de inventário. Quando feito de forma judicial, ele já é mais demorado. Entretanto, quando feito em cartório, apesar de sair mais otimizado, não exclui o fato de que os custos com o ITCMD e/ou honorários de um advogado cheguem a comprometer de 20% a 30% do valor do patrimônio. Por conta desse custo, não é raro ver famílias tendo que, por exemplo, vender um imóvel para quitá-lo.
As desvantagens podemos citar: Custas com cartório; Recolhimento de ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação).
Com relação a esse aspecto, a doação de bens em vida também oferece mais uma vantagem. Afinal, é uma forma de o proprietário do patrimônio ter maior controle dos custos da sucessão. Ele tem a opção de transmitir os bens aos poucos, e arcar com os custos planejadamente, e de acordo com sua disponibilidade financeira, diluindo e reduzindo o impacto financeiro deles no patrimônio.
Ainda quanto à doação de bens em vida, consignei que tinha restrição/reserva quanto a essa modalidade, em se tratando de doações de todos os bens do doador, poucos se apercebem de algumas situações constrangedoras e de reveses inconciliáveis. Vejamos.
Por quê evitar fazer doações de todos os bens em vida?
É comum ouvir dizer que, para evitar problemas futuros, talvez fosse prudente doar todos os seus bens aos herdeiros ainda em vida. Mas tenho para comigo que se trata de um falso sofisma e, portanto, uma péssima ideia.
É assente que, ao antecipar a transmissão de bens aos seus herdeiros naturais (doação), estará abrindo mão do seu patrimônio em caráter definitivo e irreversível, o que implica em abdicar das opções que ele lhe proporciona, pois mesmo que se reserve no usufruto vitalício dos bens, assegurando direito de moradia e rendimentos, não terá disponibilidade deles para venda, caso precise ou deseje, precisando de autorização de seus filhos para qualquer operação futura.
Se é o que pretende, isto é, transferir todos os seus bens aos filhos, quando seria adequado fazer referida doação? Ainda consigno que não existe uma idade limite para decidir o que lhe convém, pois sabemos que pessoas, mesmo na terceira idade, podem vender todos seus bens.
Importante que se pergunte exatamente por que pretende fazer esta espécie de doação, quem sabe objetivando proteger seus filhos e netos que, por óbvio é um belo gesto, mas, convenhamos, muito perigoso! Explico. E se eles não forem bons administradores? E se eles se endividarem, por força de negócios malsucedidos ou problemas pessoais? Logo você, que sempre foi tão previdente, e por isso, juntou um patrimônio expressivo, capaz de lhe assegurar uma velhice tranquila, pode perder tudo! É isto o que quer? Já pensou?
Por outro lado, se é certo que, na ordem natural da vida, os pais precederão aos filhos na morte, o destino, infelizmente, às vezes nos prega peças. Imaginemos a seguinte hipótese: o pai doou todo seu patrimônio ao filho único, que depois casou-se e também teve um filho. Quando o menino ainda era menor de idade, o pai da criança, filho do doador, faleceu em um acidente. Herdeiro universal do pai, o neto do doador herdou todo o patrimônio. Mas, na falta do pai, a quem cabe a administração dos bens dos filhos menores? À mãe! A qual, por sinal, tinha um péssimo relacionamento com os sogros (doadores). Continuando com o raciocínio da hipótese levantada: e para completar, os negócios da família (doadores) começaram a ir mal, obrigando a vender parte do patrimônio, mas como este havia sido doado, a mãe do herdeiro se recusou a assinar, dando-se, por conta disso, início a intensa disputa judicial.
Não custa lembrar que, se os idosos estão, logicamente, mais sujeitos à morte natural, são os jovens que mais perecem em acidentes de todo tipo, seja porque viajam mais, praticam esportes perigosos, são mais ousados ao volante, enfim, se expõem mais, além de serem menos cautelosos nos negócios.
Outro fator a considerar é que as doações são fortemente tributadas, na base de 6 a 8% do valor do patrimônio, conforme o Estado. Some-se à tributação os emolumentos de cartório, honorários de advogados, etc, e o custo total desta transação alcançará facilmente 15% ou mais de tudo o que você poupou na vida, e que terá de ser pago em dinheiro, de uma só vez. Ainda no mundo das hipóteses, fazendo as contas, considerando um patrimônio doado de R$10.000,000,00, terá de despender cerca de R$ 1,5 milhão de forma imediata. Isso pode representar um problema para muitas famílias que possuem patrimônio imobiliário expressivo, mas recursos líquidos proporcionalmente baixos.
A insegurança jurídica também é um problema muito comum, visto que, por mais justo que queira ser ao partilhar em vida seu patrimônio entre vários filhos, esta divisão pode vir a ser questionada no futuro, pelas mais variadas razões. Ponho exemplos hipotéticos: irmãos brigaram porque um deles, que adorava o sítio da família, recebeu em doação, em vez disso, a casa na praia. Pura birra, já os dois imóveis tinham valor de mercado equivalente; em outro, o pai doou as cotas da empresa para um filho e a fazenda da família para outro, outorgando-lhes a administração destes bens desde logo. Na época, eles tinham valor equivalente, mas passados os anos, seja por fatores de mercado ou pela competência na administração, a empresa cresceu muito, superando largamente o valor da fazenda quando, finalmente, ocorreu a morte do doador. Resultado: sentindo-se prejudicado, e instigado pela esposa, que tinha uma inveja doentia da cunhada, o dono da fazenda iniciou uma disputa judicial ferrenha contra o irmão pela propriedade da empresa, que paralisou os negócios e quase levou todos à falência. Situações hipotéticas, mas que servem muito bem para ilustrar possíveis ocorrências da e na vida das pessoas.
Melhor, então, simplesmente deixar que os herdeiros “se virem” quando você escafeder? Nem pensar! É que daí entra em cena a figura do inventário, que pode custar facilmente mais de 30% de todo o patrimônio e levar anos para se resolver. Duvida? Pois basta que os irmãos não se entendam com relação à partilha e cada um contrate um advogado pit bull, para termos um dramalhão digno de novela mexicana…
“Ah, mas isso não vai acontecer na minha família, onde todos se dão muito bem!” Tem certeza disso? Enquanto vivos, os pais são fator de coesão da família, mas esta pode se mostrar não tão unida assim quando estes faltarem. Nunca se esqueça de que, mesmo entre irmãos que sempre se deram bem, pode haver influência negativa do núcleo “expandido” da família, composto de cunhados e cunhadas, primos e primas, futuros namorados ou namoradas, companheiros e companheiras dos cônjuges sobreviventes (sim, temos de pensar nisso também), e por aí vai.
Famílias são, naturalmente, organizações sociais complexas e nem sempre pautadas pela racionalidade. Some-se a isso o fator “dinheiro” e as personalidades podem se revelar de forma surpreendente. É possível relatar outras tantas hipóteses que ao final os beneficiários, por questiúnculas entraram em rota de colisão.
Bom, mas o que fazer então? Bem, não tenho nada contra doar a seu filho, por exemplo, um apartamento para moradia, ou algum dinheiro para ele iniciar a vida, estabelecendo-se profissionalmente. Isso faz parte da relação familiar. Mas nunca, de modo algum, jamais, abra mão de suas reservas financeiras e nem do patrimônio que lhe assegura renda.
A melhor alternativa para quem tem patrimônio superior a pelo menos R$ 10 milhões é concentrá-lo em uma holding familiar, e dentro desta, estabelecer as condições para transmissão futura deste patrimônio aos herdeiros, sem abrir mão do controle.
Maior cautela ainda deve ser adotada quando o patrimônio envolver negócios administrados pela família, caso em que é recomendável definir, desde logo, regras de governança capazes de assegurar estabilidade e perenidade. O custo total desta operação é apenas uma fração do que custam as doações em vida e os inventários, assegurando um futuro tranquilo, sem surpresas e nem disputas. Adotar esta iniciativa não é só um ato de amor aos seus, mas também de inteligência e demonstração de respeito pelo patrimônio que você lutou tanto para conquistar.
Da partilha em vida
A partilha em vida, é disciplinada pelo art. 2018 do Código Civil, considerando válida a partilha feita por ascendente, seja por ato entre vivos ou por última vontade, contanto que não prejudique a legitima dos herdeiros necessários. Como se pode notar, o que interessa ao pequeno ensaio é, pois, a menção legal ao ‘ato entre vivos”, já que a disposição de última vontade diz respeito ao testamento, cujos efeitos são gerados após a morte do titular do patrimônio.
Sendo a partilha em vida um ato pelo qual o ascendente transfere seu patrimônio aos seus herdeiros necessários, já de início apresenta uma relevante diferença entre os instrumentos: enquanto a doação pode ser feita a qualquer pessoa, seja ela herdeira ou não, não necessitando nem precisando ostentar a condição de herdeira, a partilha em vida tem restrição subjetiva, o que implica dizer que ela só é admitida quando o ascendente transfere seu patrimônio aos seus descendente es, cônjuge ou companheira se houver.
Heloiza Helena Barboza explica muito bem a linha tênue que separa a doação da partilha em vida, atribuindo a esta a natureza de “instituto jurídico independente’. Nos seus dizeres, “ a partilha feita em vida pelo ascendente, quando não seja em testamento, é instituto especial, que não se pode reger pelas regras da doação. Não há na partilha uma liberalidade, característica da doação, mas uma renúncia ao domínio dos bens (demission de biens). O ascendente ao dividir os bens opera sua transmissão definitiva (posse e propriedade) aos benefícios. Nesses termos, a partilha não pode ser condicional, nem onerosa, diversamente das doações que admitem condições de vários tipos. Aquele que partilha em vida não tem intuito de fazer uma liberalidade, substrato da doação, mas o de demitir de si a posse e o domínio de bens, de renunciar a esses bens, a seu gozo”
A partilha em vida não possui limitação legal em relação à quantidade de bens que pode ser transferida por esse ato (outra diferença para com a doação que é limitada a 50% do patrimônio à época da liberalidade) e, uma vez realizada, os bens percebidos pelos herdeiros necessários não precisam ser levados à colação quando do falecimento do ascendente para fins de conferência da legítima, bem como não há necessidade de inclusão em inventário quanto aos bens abrangidos pelo instrumento (mais uma diferença).
Isso acontece porque a partilha em vida funciona como uma sucessão propriamente dita.
Dessa forma, para realizar essa partilha, o ascendente deve observar o que a lei determina em termos de sucessão caso venha a falecer, não podendo dispor de modo diverso e nem contemplar de maneira não equivalente os herdeiros necessários, em tese(2).
Logo, reside aqui outra diferença, pois, na doação, desde que haja expressa menção no instrumento de liberalidade, o doador pode contemplar o donatário, quando herdeiro necessário, com percentual distinto daquele que receberia a título de legítima.
Em um exemplo simples, imagine que no instrumento de doação, o doador, que também é ascendente, dispõe que haverá a doação de 40% do seu patrimônio a um filho em especial, com ressalva de que esses 40% estão saindo da parte disponível do seu conjunto de bens. Assim, quando o doador vier a falecer, esse filho herdará sua cota parte da legítima em igualdade com os demais herdeiros necessários (suponha que existam mais dois irmãos apenas, sem, cônjuge ou companheiro), mais os 40% que foram doados pelo ascendente em vida. Restando 60% do patrimônio, repare que tal filho receberá 20% a título de legítima que, somado aos 40% recebidos por doação, perfazem um percentual final de 60% contra os 20% que cada um dos seus dois irmãos receberá.
No tocante à partilha em vida, se a intenção do ascendente for transferir de pronto 40% do patrimônio aos seus herdeiros necessários (seus três filhos), cada um, em regra, deve ser contemplado com 13,33%, sob pena de nulidade. Uma vez sobrevindo a morte desse ascendente, na ausência de celebração de outro instrumento de planejamento sucessório, o restante dos bens será repartido entre tais herdeiros de maneira igualitária.
Com efeito, a lista que as distingue não se exaure nas diferenças até então esmiuçadas.
Em suma, embora a semelhança – que gera confusão- seja o fato de haver a transmissão de patrimônio em vida, é importante ter em mente que doação e partilha em vida diferem principalmente quanto aos aspectos subjetivos (quem pode transmitir e quem pode ser destinatário), quantitativos (quantidade patrimonial possível de ser transferida no ato e como os percentuais podem ser distribuídos) e consequenciais (necessidade de levar à colação, abrir inventário e hipóteses de nulidade do ato).
Vencidas essas diferenças técnicas, ainda é possível desenhar um quadro de vantagens e desvantagens, as quais deverão ser sopesadas e classificadas como tal a partir do interesse do titular do patrimônio.
Em termos de pacificação familiar, a partilha em vida pode se mostrar vantajosa. Como ela tem anulação mais restrita a casos de alteração no quadro de herdeiros necessários (que reflete na distribuição da legítima), seu aspecto definitivo é mais consistente que a doação, a qual pode vir a ser revogada ou discutida em ação de redução.
Além disso, considerando a expectativa de vida crescente da população na modernidade, por produzir efeitos imediatos, a partilha em vida revela-se também uma ferramenta interessante quando comparada ao testamento e à própria doação (quando precisa ser levada à colação), permitindo aos contemplados a pena e desimpedido fruição dos bens recebidos.
Por outro lado, as limitações subjetivas e quantitativas no que toca aos percentuais da partilha em vida podem representar uma desvantagem, assim como a impossibilidade de se instituir usufruto sobre os bens que serão transferidos.
Como dito, as particularidades do caso concreto aliadas às pretensões do titular do patrimônio não permitem o esgotamento da análise em artigo único. O leque de opções é grande e merece uma conversa mais aprofundada.
Guaxupé, 26/06/23.
Milton Biagioni Furquim