Pode uma certidão de dívida ativa (CDA) protestada ser executada?

Pode uma certidão de dívida ativa (CDA) protestada ser executada?

Pode uma certidão de dívida ativa (CDA) protestada ser executada?

Em um proseio com alguns amigos advogados sentados num quiosque no Estádio Municipal de Extrema, quando de sua inauguração ontem (06/05/23), regado a algumas cervejas e rodeados de lindas extremenses vestidas a caráter em razão dos festejos de inauguração, com a alegria e felicidade estampados na cara de todos, e todos fazendo exercícios mentais quanto ao custo da obra, se 20, 30 ou mais milhões de reais, inevitavelmente surgiu a prosa sobre a arrecadação do Município que aqui em Minas Gerais, Extrema com 35 mil habitantes, só arrecada menos que o Município de Betim, e que a inadimplência tributária também era enorme. Lá, no meio da roda, o Zezé da Vanda, figura caricata, reclamou que protestaram a certidão de sua dívida e que ainda estão executando e se isso era ou não possível. Os ‘juristas’ de plantão travaram uma discussão (proseio), uns crendo que sim e outros que não, sendo que as justificativas eram as mais variadas possíveis. Tive, por evidente, que emitir minha opinião que foi mais ou menos o que segue adiante.

Bão sô. Com efeito, embora tenha existido controvérsia acerca da possibilidade de protesto de certidão de dívida ativa (CDA), é certo que a celeuma encerrou-se com a edição da Lei nº 12.767/12, que incluiu um parágrafo único ao artigo 1º da Lei nº 9.492/97, o qual dispõe: Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.

Assinalo que o próprio Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria reconhecendo a legitimidade do protesto das CDAs. Em razão da relevância e pertinência, colaciona-se o seguinte aresto: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492/1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O “II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO”. SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492/1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980. 2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767/2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492/1997, para expressamente consignar que estão incluídas “entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”. 3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão. 4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais. 5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805/RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado. 6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. 7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF/1988) e da imparcialidade (...). Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ. (REsp n.º 126515-PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2.ª T. j. 03.12.2013).

Muito bem sô.

São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.

A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.

A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o “Auto de Lançamento”, esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).

O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve “surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.

A Lei 9.492/1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a “revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública paulista, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo.

Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.

A interpretação contextualizada da Lei 9.492/1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado.

A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação naturalmente adaptada às peculiaridades existentes de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).

Pelo exposto, denota-se não haver qualquer irregularidade no protesto efetuado pela demandada das CDAs, as quais, ademais, apresentam todos os requisitos de validade, nada havendo, portanto, a afastar sua exigibilidade.

A Lei 9.492/97 trata do protesto extrajudicial, cuja finalidade é provar a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida (art. 1º).

A lei é bem clara no sentido de que não só os títulos de crédito podem ser protestados, mas todo e qualquer documento de dívida que tenha essa mesma eficácia.

Hoje, a título de exemplo, são protestadas sentenças condenatórias líquidas e até mesmo sentenças arbitrais. Logo, não é porque pode o credor promover a execução judicial que lhe fica vedado o protesto extrajudicial. O exemplo mais óbvio de um título que admite execução é o cheque, que igualmente pode ser protestado. Não há antinomia entre protesto e execução. Esses institutos se complementam e não raras vezes o primeiro evita o segundo.

Vivemos tempos em que a justiça sofre desprestígio porque suas decisões judiciais padecem de maior efetividade. É frequente quem quer protelar o pagamento de uma dívida, utilizar-se de abusivos recursos junto ao Poder Judiciário. Por isso, correto o entendimento que diz: quem pode mover uma execução pode também fazer o protesto, que é o registro público da dívida, mas que acaba fazendo com que as obrigações inadimplidas sejam mais rapidamente cumpridas.

Sofremos hoje uma enxurrada de execuções fiscais, que sobrecarregam os já atulhados serviços judiciais, tornando-os menos eficientes e mais congestionados.

De outro lado, quase tudo é impenhorável: a moradia, os bens móveis da residência, o carro usado para o trabalho, o computador, o celular, o salário, a pequena poupança, etc.

Infelizmente, como se diz popularmente, é comum o credor ‘ganhar e não levar’, aumentando a frustração e a descrença na justiça.

Os cartórios extrajudiciais, em sentido lato, fazem parte do Poder Judiciário, tanto que este os regula e fiscaliza intensamente. A cada dia os cartórios, titularizados por profissionais concursados do mais alto gabarito, auxiliam a justiça em tudo o que é possível, com grande vantagem para os usuários dos serviços. São exemplos disso as atas notariais, os inventários, os divórcios e até a expedição de cartas de sentença autênticas.

O art. 1º, parágrafo único, da lei referida, ao dizer que as certidões de dívidas ativas estão entre os documentos de dívida não criou e nem inventou nada novo, mas apenas esclareceu qual seria a interpretação do caput. É um exemplo do que se chama de interpretação autêntica. Uma certidão da dívida ativa, obviamente é um documento de dívida com eficácia executiva. Basta ver o Código Tributário Nacional e a Lei de Execuções Fiscais.

Portanto, não podemos e não devemos entender que não cabe a execução de uma CDA apenas porque existe ao dispor do credor a execução fiscal. Como dito, também cabe a execução de um cheque e, não obstante, ele pode ser protestado. Ninguém nega isso. Uma sentença condenatória pode ser executada, mas igualmente pode ela ser protestada.

Por que negar-se o protesto da CDA? Por que dar a uma dívida particular o benefício do protesto e negar o mesmo tratamento a uma dívida de natureza pública e de interesse de toda a coletividade?

Se negarmos a possibilidade de protesto da CDA estaremos estimulando a inadimplência porque é demorado o ajuizamento das execuções fiscais e muito lento é o seu trâmite.

Hoje, a execução fiscal é um arremedo de cobrança. Nem mesmo a publicidade da existência da distribuição de uma execução serve para levar o devedor a fazer o pagamento da dívida voluntariamente.

Já a publicidade do protesto é muito mais eficiente para que os credores recebam o que é seu. Ninguém quer ter o seu nome associado a um protesto, o que aumenta muito a eficácia desse instituto em favor do cumprimento das obrigações, se comparado com a execução judicial. Se negarmos a possibilidade de protesto da CDA, estaremos ajudando o devedor inadimplente a esconder da sociedade o fato de que ele não paga suas dívidas. E logo as dívidas fiscais!

A cada dia aumentam as exigências por obras e serviços públicos. Diariamente condenamos o poder público a fornecer inúmeros medicamentos. Condenamos administradores corruptos como forma de proteger o erário público, cujos recursos são evidentemente finitos. Nesse contexto, não podemos negar aos poderes públicos o acesso a uma via eficiente de recebimento dos valores que vão exatamente custear esses serviços tão essenciais à população, como saúde, educação, transporte, justiça e segurança. Isto seria uma suma injustiça.

Além disso, tanto se fala em eficiência e economia, valendo a pena lembrar que, no Estado de São Paulo, os custos do protesto são suportados e nem mesmo adiantados pelo devedor, de modo que nenhum credor tem despesas com o protesto, diferentemente do que ocorre com os processos.

O custeio das pessoas que trabalham nos cartórios extrajudiciais é feito pelos emolumentos, que pertencem legalmente ao tabelião. Não há ônus para os cofres públicos que cobra seus tributos via protesto.

Já os processos são caros, exigem número crescente de servidores que não temos como nomear. Não raro custa mais caro o processo do que o valor nele cobrado. Nós não permitimos que pequenos valores tenham a sua execução extinta. Por que então impedir que o protesto seja feito?

Se qualquer pessoa pode pedir uma certidão no fórum e descobrir que uma pessoa responde a uma execução, não há razão para impedir que alguém peça uma certidão num cartório de protestos e descubra que a pessoa tem uma dívida não paga, seja ela fiscal ou não.

Vivemos na era da informação, em que tudo se sabe a um clique no computador ou ao toque do celular. A vida das pessoas é colocada na internet, nas redes sociais em tempo real, mas alguns, exatamente os inadimplentes, querem esconder de todos fatos relevantes e de interesse público como o inadimplemento das dívidas tributárias.

Que moral é essa? O que é bom a gente fatura e o que é ruim a gente esconde? Foi isso o que disse um ministro que não sabia que sua fala era transmitida.

Não é justo que uma pessoa possa colocar na internet informações sobre as viagens que faz e os bons restaurantes que frequenta, para o conhecimento de todos e, ao mesmo tempo, queira impedir o conhecimento público de que muitas dessas despesas não essenciais são feitas com o dinheiro dos impostos não pagos, pertencentes a uma coletividade majoritariamente humilde, honesta e pontual no cumprimento de suas obrigações, que paga em dia seus tributos e não raramente se vê sem recursos para viajar ou ir a restaurantes.

Essa mesma população não tão privilegiada, quando procura os serviços públicos de saúde, justiça e segurança normalmente os encontra em deficiente estado de funcionamento, para dizer o mínimo.

As pessoas honestas e trabalhadoras que recebem dos cofres públicos têm os seus ganhos expostos na internet, em prejuízo de sua segurança e de sua privacidade. Já as pessoas que não pagam suas dívidas, no entender que quem veda o acesso ao protesto, podem omitir da sociedade que devem para ela, enganando-a, camuflando-se em meio à maioria honesta e pontual.

Quem paga os custos do processo somos todos nós. A máquina judicial é cara porque sua mão de obra é muito especializada. É um despropósito admitirmos que o Estado possa ter um cadastro de inadimplentes (CADIN) e não possa protestar as dívidas fiscais não pagas. Isso parece-me um contrassenso.

No caso dos devedores de ICMS, normalmente o valor do tributo é de fato pago pelo consumidor, de modo que o contribuinte que não paga praticou algo muito parecido com uma apropriação indébita, pois recebeu e não repassou ao Estado.

Insisto que, se negarmos a possibilidade do protesto das dívidas fiscais, estaremos cometendo uma ilegalidade e uma injustiça de efeitos extremamente prejudiciais a milhões de pessoas em todo o Brasil. Negar o direito ao protesto é dar um tiro de misericórdia no já agonizante serviço de execuções fiscais.

A justiça, que não tem proporcionado ao credor uma execução eficiente, tem o dever jurídico, legal e moral de não impedir que ele ao menos possa protestar a dívida, o que tem expressa previsão legal.

É esta a minha posição e entendimento de ser cabível o protesto dos documentos de dívida chamados CDAs”.

É certo que a revolta é grande quando sabemos que os administradores públicos, os ordenadores de despesas se lambuzam com o dinheirinho suado e sagrado da maioria dos tupiniquins humildes e que pagam religiosamente o seu tributo para ao final receber migalhas do Estado.

Por estas e outras sempre fui rigoroso ao extremos com aqueles que administram o meu, o seu e o nosso dinheiro quando pagamos os impostos.

Extrema, 07/05/23.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 07/05/2023
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