Por quê você quer ser juiz? Vencimento? Status? Glamour? Autoridade? Será que vale a pena?
Por quê você quer ser juiz? Vencimento? Status? Glamour? Autoridade? Será que vale a pena?
O tema escolhido teve inspiração em texto de autoria da colega Carolina Souza Malta. Este texto merece ser lido pelos que estão na carreira e pelos que pretendem ingressar na carreira de magistrado, em qualquer Justiça. Aborda a rotina diária de um juiz e ao mesmo tempo como “deve ser um juiz”. Fiz acrescer alguns adminículos pela pertinência do tema.
Quer ser Juiz? Quer mesmo? Por que? Você tem vocação? O que exatamente faz um Juiz? Quanto trabalha? Quais são as peculiaridades da profissão? O que fazer para alcançá-la? Qual a razão da dificuldade do concurso?
Recentemente, segundo matéria repercutida na mídia, o ministro Sebastião Reis Junior, do STJ, proferiu uma frase em uma palestra que ecoou no meio jurídico: “Tenho dó dessa meninada que vai entrar no Judiciário pensando que vai julgar ‘Lava Jato’, que vai ser herói, que vai julgar senador”, e completa: “O que espera a meninada é uma montanha de processos que não deveriam estar no Judiciário e, na área criminal, Habeas Corpus. Milhares deles”.
O debate aqui é exclusivo sobre a motivação que induz alguém, em um determinado momento, a querer ser Juiz. A questão sempre me causou uma inquietação muito grande e certo desconforto porque vejo inúmeros candidatos a Juiz dirigirem-se a um estudo exaustivo para alcançarem esta profissão sem possuírem qualquer ideia, sequer vaga, das atribuições do cargo e sem analisarem a vocação.
É bom que se diga, de início, que o magistrado de hoje em dia dificilmente usa toga, exceto quando participa de sessões de julgamento nos Tribunais. Houve uma substancial mudança, ainda, na formalidade das sessões e audiências. Quem nunca viu, nos filmes americanos, todos se levantando para receberem o Juiz? Na prática, isso não existe!!!
A profissão tem pouco ou quase nada do “glamour” que a ela se atribui. A pessoa, então, ao decidir abraçar esta atividade deve estar atento, desde sempre, que a solenidade de antigamente hoje corresponde a uma atuação silenciosa e quase operária, visando à diminuição da quantidade de processos e à busca pela realização dos atos processuais da forma mais rápida possível, a despeito de inúmeras dificuldades estruturais. E tudo com uma forte cobrança social e também interna…
É verdade que os futuros magistrados aprovados encontrarão pilhas de processos a serem julgados. Mais que isso, encontrarão também uma plêiade de atividades administrativas e burocráticas que não estão ligadas à função de julgar. Bacenjud, Renajud, Infojud, Infoseg, Serasajud, planilhas e mais planilhas a serem preenchidas mensalmente, respostas a serem dadas a ofícios que chegam diariamente, visitas a presídios e abrigos e mais uma série de outros deveres. No meio de tudo isso, o magistrado deve organizar a pauta de audiências e também despachar, decidir e sentenciar processos, que é a atividade fim da Magistratura, cuja essência se perdeu em meio a tantos procedimentos administrativos, alguns supérfluos e redundantes.
Para quem pensa que o trabalho do Juiz é feito por seus assessores, saibam que ser Juiz é estar abarrotado de processos quando o assessor invade sua sala com outras duas urgências. Você mantém o raciocínio para concluir a decisão que estava preparando quando é novamente interrompido porque existem advogados aguardando para falar com você. Após atender os advogados, você tenta retomar o raciocínio e aparece outra urgência. Neste momento, você é informado que todas as partes já chegaram e que as 05 (cinco) audiências marcadas para a tarde já podem começar. Além disso, existem outros tantos processos aguardando sentenças na sua mesa e uma centena de despachos. A atenção para cada sentença/decisão/despacho é que vai determinar o correto funcionamento da sua Vara e a manutenção da coerência dos seus posicionamentos. Nada deve passar despercebido. O erro não será perdoado!
Dizem que o juiz, por ter assessores (nem todos têm), delega o julgamento. Não é verdade. O trabalho de redação ou pesquisa é delegável, o julgamento é indelegável. O ato de julgar não enseja em si possibilidade de delegação, simplesmente porque inerente à consciência do magistrado, e, salvo um transtorno mental que bloqueie qualquer sentimento de culpa, remorso ou moral, nenhum magistrado escapa do julgamento de consciência ou da carga emocional.
Isso e muito mais que os interessados que entra na Magistratura pela estreita porta do concurso público irá encontrar. Se for para a Magistratura Estadual, pode esperar também ir para as cidades mais afastadas dos grandes centros. Recordo-me de um relato de um colega do Pará mencionando a distância cruzada em barco entre os distritos de sua comarca.
Como já expôs Carnelutti, “nenhum homem, se pensasse no que ocorre para julgar um outro homem, aceitaria ser Juiz”. Sempre lembrando que ameaças também fazem parte do nosso dia-a-dia. Aliás, muito comum no primeiro grau. Se há, desconheço ameaças concretas proferidas contra ministros de tribunais superiores, até mesmo de desembargadores não é comum.
Isso porque, é bom que os neófitos saibam, é o juiz de primeiro grau que encara o réu face a face, que ouve a vítima, que conversa com as partes, que se integra à sociedade, sempre com cautela, para que não aleguem sua suspeição ou impedimento.
A sociedade sente de imediato as ações do juiz também chamado de “piso”, é o rosto dele que conhecem e é sua rotina que é todo dia examinada. Que o digam, para citar três nomes, os juízes Patrícia Acioli, Alexandre Martins e Alexandre Abrahão, todos vítimas de atentado em razão do exercício da magistratura. Os dois primeiros morreram na mão de seus carrascos. O terceiro, sobreviveu e sua coragem só fez crescer, seja decidindo processos, seja proferindo suas brilhantes palestras. Mas eles não são os únicos, há centenas de juízes na mesma situação de risco.
Ninguém se torna um Juiz através do concurso. É você que deve investigar, de antemão, o quanto existe em você de ponderação, de equilíbrio, de compromisso com as questões relacionadas ao outro, de responsabilidade, de honestidade, entre tantas outras coisas.
A pessoa que pretende abraçar a magistratura pensando na remuneração logo quebrará a cara! Não vale à pena do ponto de vista financeiro, em virtude do tanto de dedicação que a atividade lhe vai exigir. Assim, a pessoa que pretende abraçar a magistratura pensando em não trabalhar também deve buscar outra atividade.
Isso significa que até a vida particular do magistrado é regrada, não apenas pela sociedade que comenta tudo o que ele faz, como também pelas regras, que podem levar a sanções administrativas.
É por isso que essa meninada que entra não tem que achar que vai ser herói, tem que ter certeza disso. Só um herói é capaz de se preocupar com a sociedade e assumir uma carga pesada como a de ser juiz, com todos os riscos e privações, quando poderia muito bem ser aprovada em qualquer outro concurso que pague igual ou mais e não tenha esses difíceis encargos.
Quem pretender ser Juiz deve, primeiro, ter um processo pessoal na Justiça. Este é o primeiro passo! Deve sentir na própria pele o que é ser parte; o que é suportar os efeitos da demora de uma decisão; o que é receber uma sentença e demorar anos para executá-la; o que é ter seu direito negado através de uma sentença ou decisão padrão que não analisou corretamente o caso; o que é embargar desta decisão/sentença e receber, como resposta, que a pretensão é de mera rediscussão do julgamento; etc.
Só assim esta pessoa ingressará nos quadros na magistratura enxergando que: há pessoas atrás dos processos; que ela assumiu, antes de tudo, um compromisso de celeridade e respeito com o jurisdicionado; que ela irá trabalhar sem buscar o reconhecimento do Tribunal a que está submetido ou de quem quer que seja, porque o trabalho é voltado para alcançar a finalidade diuturna e simples de entregar a cada um o que é seu; que irá trabalhar dias e noites a fio para cumprir da melhor forma a sua profissão; que não sossegará enquanto tiver processos na estante, que representam pessoas aguardando uma resposta; que a resposta, ainda que negativa, deve ser rápida, para propiciar à parte a possibilidade de recorrer; que cada pedido de habilitação representa uma pessoa que morreu aguardando uma resposta do Judiciário; etc. etc. etc.
Aí eu pergunto: você está pronto para este compromisso?
Assumir a magistratura com qualquer outra finalidade, sobretudo com a finalidade nefasta de não trabalhar ou de fazer o mínimo, chega a ser criminoso. O Juiz relapso, acomodado, preguiçoso não sabe o mal que ele faz a todo jurisdicionado que tem a infelicidade de ter um processo em suas mãos. É este o Juiz que você pretende ser? É para isso que você pretende abraçar a magistratura? São questões que merecem profunda reflexão!
Por outro lado, todo o conhecimento cobrado no concurso é o que dará ao futuro Juiz ferramenta para trabalhar. Ninguém se aventura a proferir sentenças e conduzir audiências sem a preparação adequada. Logo ao entrar na audiência o Juiz poderá estar diante de um representante do Ministério Público e de um advogado devidamente preparados que lhe farão questionamentos para os quais você deve ter pronta resposta. É a preparação para o concurso que lhe dará as respostas.
São esses juízes espalhados por todas as regiões deste país que se esforçam para entregar justiça micro num Brasil onde ela falha no âmbito macro, tentando não esmorecer com os constantes ataques e mentiras desferidas contra o Judiciário e relevante parte da classe.
Falta de estrutura, insegurança, desestímulo pelo sucateamento da carreira, falta de reconhecimento, inclusive internamente pelos níveis mais superiores, ataques midiáticos, alto índice de doenças entre magistrados, perda gradual da força das decisões em virtude de atos praticados nas esferas mais altas do Judiciário… isso é só uma amostra do que espera a meninada que quer ser juíz, salvo se estiver prestando concurso apenas pelo status e pelo dinheiro, que, já adianto, não é isso tudo que dizem por aí, embora seja muito bom. Existem carreiras que podem pagar mais sem o mesmo peso, ou até mais fáceis, que paguem um pouco menos e permitam que o servidor tenha vida.
Então, não desrespeite o processo de aprendizado inerente ao concurso, que será fundamental para a sua atuação profissional. Seja objetivo em sua preparação e otimize o seu estudo, mas não busque atalhos ou “bizus” que proponham a desnecessidade do estudo ou pouco empenho na interpretação das matérias, das leis, da jurisprudência…
O Juiz não deve ser um reprodutor de julgamentos proferidos anteriormente. É preciso que ele tenha conhecimento suficiente para criticar a interpretação dada anteriormente e avaliar se aquela é a melhor interpretação a ser conferida ao caso concreto. Apenas após este filtro interno é que o precedente pode ser aplicado ao caso e, posteriormente, já sem tanto esforço, aos casos idênticos, sem prejuízo das constantes reavaliações.
Por isso, não despreze a necessidade de “preparar-se” para assumir uma profissão como esta. Assuma, de logo, o compromisso de que, uma vez aprovado, será o melhor Juiz que puder, o mais rápido, o mais trabalhador, o mais comprometido com a seriedade da profissão.
Cabe lembrar a lição de Calamandrei: “O juiz é o direito feito homem. Só desse homem posso esperar, na vida prática, a tutela que em abstrato a lei me promete. Só se esse homem for capaz de pronunciar a meu favor a palavra da justiça, poderei perceber que o direito não é uma sombra vã”.
Julgar é, portanto, o ofício do juiz, que dele não escapa – não existe fuga dentro da consciência. Fora dela, entretanto, o juiz, que deve fundamentar toda e qualquer decisão, também é, de certa forma, réu na sociedade midiática. Não há saída. Seja qual for a decisão e a fundamentação, o juiz será sempre julgado, seja pela sociedade ou pela juíza mais rigorosa e verdadeira que existe: sua consciência.
Então, quer ser Juiz? Quer mesmo? Assumirás este compromisso com o outro?
Assim te aconselho que se for por vocação e projeto de vida, vá em frente que terás toda oportunidade de ser um bom juiz, caso contrário vá plantar batata e jaboticaba que terás mais sucesso.
Extrema, 10/10/13.
Milton B. Furquim