É possível a guarda compartilhada mesmo que a mãe more no exterior e o pai no Brasil

É possível a guarda compartilhada mesmo que a mãe more no exterior e o pai no Brasil

Guarda

A guarda consiste no dever de prestar assistência educacional, material e moral ao menor. Trata-se do exercício do poder familiar e de responsabilidades, direitos e deveres concernentes à criação da criança ou do adolescente.

Observe que a guarda ora analisada se refere àquela decorrente do exercício do poder familiar, com previsão no Código Civil, entre os arts. 1.583 a 1.590. Não se trata aqui da guarda como modalidade de colocação em família substituta, prevista no art. 33 do ECA.

Espécies de guarda

Existem quatro espécies de guarda que serão vistas abaixo. As duas primeiras estão previstas expressamente no Código Civil e as duas outras são criações da doutrina.

O Código Civil fala em guarda unilateral e em guarda compartilhada:

Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.

a) Unilateral (exclusiva): Ocorre quando um dos pais fica com a guarda e a outra pessoa possuirá apenas o direito de visitas. Segundo a definição do Código Civil, a guarda unilateral é aquela “atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua” (art. 1.583, § 1º). Ainda hoje é bastante comum.

Vale ressaltar que, mesmo sendo fixada a guarda unilateral, o genitor que ficar sem a guarda continuará com o dever de supervisionar os interesses dos filhos. Para possibilitar tal supervisão, qualquer dos pais sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos (§ 5º do art. 1.583).

b) Compartilhada (conjunta): Ocorre quando ambos os pais são responsáveis pela guarda do filho. A guarda é de responsabilidade dos dois e as decisões a respeito do filho são tomadas em conjunto, baseadas no diálogo e consenso. O instituto da guarda compartilhada teve origem na Common Law, do Direito Inglês, com a denominação de joint custody. Porém, foi nos Estados Unidos que a denominada “guarda conjunta” ganhou força e se popularizou. Segundo o Código Civil brasileiro, entende-se por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º). É considerada a melhor espécie de guarda porque o filho tem a possibilidade de conviver com ambos e os pais, por sua vez, sentem-se igualmente responsáveis. Vale ressaltar que nessa espécie de guarda, apesar de ambos os genitores possuírem a guarda, o filho mora apenas com um dos dois.

Tempo de convivência. Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com os pais, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos (§ 2º do art. 1.583).

Orientação técnico-profissional. Para estabelecer as atribuições dos pais e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com os genitores (§ 3º do art. 1.584 do CC). Assim, com a ajuda de psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, o juiz já deverá estabelecer as atribuições que caberão a cada um dos pais e o tempo de convivência com o filho.

Confira o que dizem o art. 1.584, § 5º e o art. 1.585 do CC:

Art. 1.584 (...) § 5º Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda a pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade. (Redação dada pela Lei nº 13.058/2014)

Art. 1.585. Em sede de medida cautelar de separação de corpos, em sede de medida cautelar de guarda ou em outra sede de fixação liminar de guarda, a decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte, aplicando-se as disposições do art. 1.584. (Redação dada pela Lei nº 13.058/2014)

c) Alternada: Ocorre quando os pais se revezam em períodos exclusivos de guarda, cabendo ao outro direito de visitas. Em outras palavras, é aquela na qual durante alguns dias um genitor terá a guarda exclusiva e, em outros períodos, o outro genitor terá a guarda exclusiva.

Essa escolha é criticada pela doutrina: “Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança. Com tom didático, pode-se dizer que essa é a guarda pingue-pongue, pois a criança permanece com cada um dos genitores por períodos ininterruptos. Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir à outra casa. É altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, recebendo tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna.” (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume único. São Paulo: Método, 2013, p. 1224).

d) Aninhamento (nidação): Ocorre quando a criança permanece na mesma casa onde morava e os pais, de forma alternada, se revezam na sua companhia. Assim, é o contrário da guarda alternada, já que são os pais que, durante determinados períodos, se mudam.

Defendida por alguns como uma forma de a criança não sofrer transtornos psicológicos por ter que abandonar o meio em que já vivia e estava familiarizada. Apesar disso, é bastante rara devido aos inconvenientes práticos de sua implementação.

A palavra “aninhamento” vem de “aninhar”, ou seja, colocar em um ninho. Transmite a ideia de que a criança permanecerá no mesmo ninho (mesmo lar) e os seus pais é quem se revezarão em sua companhia.

Como já dito acima, o Código Civil somente fala em unilateral ou compartilhada (art. 1.583), mas as demais espécies também existem na prática.

Como é definida a espécie de guarda que será aplicada?

O ideal é que a guarda seja definida por consenso entre os pais. Por isso, o Código Civil determina que seja feita uma audiência de conciliação. A Lei também afirma que o juiz deverá incentivar que os pais façam um acordo adotando a guarda compartilhada: Art. 1.584 (...) § 1º Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

Se não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a espécie de guarda a ser seguida: Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar; II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.

Em regra, o juiz não deve conceder a guarda sem ouvir a outra parte. A decisão sobre guarda de filhos, mesmo que provisória, será proferida preferencialmente após a oitiva de ambas as partes perante o juiz, salvo se a proteção aos interesses dos filhos exigir a concessão de liminar sem a oitiva da outra parte (art. 1.585 do CC).

Guarda compartilhada como regra. Vimos acima que, se não houver acordo, o juiz é quem irá fixar a guarda. Neste caso, qual é a espécie de guarda que o magistrado deverá determinar? REGRA: guarda compartilhada.

O Código determina que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, o juiz deverá aplicar a guarda compartilhada (art. 1.584, § 2º): Art. 1.584 (...) § 2º Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.

EXCEÇÕES: Não será aplicada a guarda compartilhada se: a) um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor; b) um dos genitores não estiver apto a exercer o poder familiar. A guarda compartilhada depende da concordância dos genitores? Ex: o pai deseja a guarda unilater al e a mãe também; nenhum dos dois quer a guarda compartilhada; o juiz deverá determinar outra espécie de guarda? NÃO. A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores. Em outras palavras, a guarda compartilhada é a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade ou oportunidade (STJ. 3ª Turma. REsp 1605477/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/06/2016).

O tempo de convívio igualitário para cada um dos pais. A guarda compartilha poderá ser exercida por formas diversas. Trata-se de uma espécie de guarda flexível, visando a sua implementação concreta.

Não há um modelo fixo de guarda compartilhada que exija a custódia física conjunta ou a determinação de convívio igualitário entre os genitores. Assim, é possível que seja instituído, por exemplo, regime de visitas, formas de convivência, dentro da própria guarda compartilhada.

E se não for possível mesmo a guarda compartilhada? Nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada, a atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor (art. 7º da Lei nº 12.318/2010).

O fato de um dos pais morar definitivamente em outra cidade é impeditivo à instituição da guarda compartilhada? NÃO.

A guarda compartilhada é a regra no direito brasileiro. O fato de os genitores possuírem domicílio em cidades diversas, por si só, não representa óbice à fixação de guarda compartilhada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

A guarda compartilhada não se confunde com a guarda alternada, tampouco com o regime de visitas ou de convivência, na medida em que a guarda compartilhada impõe o compartilhamento de responsabilidades, não se confundido com a simples custódia física conjunta da prole ou com a divisão igualitária de tempo de convivência dos filhos com os pais.

Na guarda compartilhada, não apenas é possível, mas na verdade é desejável que se defina uma residência principal para os filhos, garantindo-lhes uma referência de lar para suas relações da vida.

Assim, a guarda compartilhada não exige custódia física conjunta do(a) filho(a), tampouco implica, necessariamente, em tempo de convívio igualitário.

O STJ já decidiu que: É admissível a fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos. . 3ª Turma. REsp 1.878.041-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/05/2021 (Info 698).

A guarda compartilhada traz uma série de vantagens que merecem ser consideradas e que justificam a sua adoção, mesmo nas hipóteses em que os domicílios dos genitores não estejam fisicamente próximos, em especial a indispensável priorização do superior interesse da criança e do adolescente, com garantia de continuidade das relações da criança com os pais.

Assim, em tese, é admissível a modificação do lar de referência para um país distinto daquele em que reside um dos genitores.

Em suma: É possível a modificação do lar de referência de criança sob guarda compartilhada para o exterior, distinto daquele em que reside um dos genitores. STJ. 3ª Turma. REsp 2.038.760/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2022 (Info 762).

Guaxupé 21/02/23.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 21/02/2023
Código do texto: T7724449
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