Agora não há choro nem vela. O Supremo valida apreensão de carteira de habilitação e de passaporte por dívida. A exceção é por dívida alimentar.
Agora não há choro nem vela. O Supremo valida apreensão de carteira de habilitação e de passaporte por dívida. A exceção é por dívida alimentar.
Pois bem! As medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil valorizam o acesso à Justiça e aumentam a eficiência do sistema. Se houver abusos, eles devem ser contestados caso a caso, via recursos às instâncias superiores. Esta afirmação é do Ministro Luiz Fux. Assim o Plenário do STF, por maioria, declarou a constitucionalidade de medidas como a apreensão do passaporte ou da Carteira Nacional de Habilitação, assim como a proibição de participar de concursos públicos e licitações, para garantir o pagamento de dívidas. Estas medidas, por certo são exemplificativas, já que outras situações de apreensões podem ser determinadas pelo judiciário. O inciso IV do artigo 139 do CPC. O dispositivo autoriza o juiz a aplicar "todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias" para forçar o cumprimento de decisões judiciais.
De acordo com a legenda, a regra tem sido usada pelo Poder Judiciário para restringir garantias fundamentais de devedores, como a apreensão da CNH e de passaportes e a proibição de participar de concursos e de licitações. A corte aprovou a tese, proposta pelo ministro Luiz Fux, relator do caso: "Medidas atípicas previstas no Código de Processo Civil conducentes à efetivação dos julgados são constitucionais, respeitados os artigos 1º, 8º e 805 do ordenamento processual e os direitos fundamentais da pessoa humana".
O relator Fux argumentou que é inviável proibir magistrados de aplicarem medidas coercitivas para garantir a execução de dívida. E aqui entendo que seja toda e qualquer medida que possa forçar o devedor – rico ou pobre, a pagar a sua dívida.
Não se trata de desprezar a proteção da dignidade humana em casos de abusos de juízes. Mas quaisquer discussões sobre a proporcionalidade das medidas só podem ser travadas em concreto, com sopesamento dos bens jurídicos em conflito, pois a garantia do acesso à Justiça estabelece que as decisões judiciais devem ser eficazes. E as medidas atípicas do CPC contribuem para isso, afirmou Fux.
O relator ressaltou que, ao impor tais medidas, os juízes devem levar em conta os princípios da menor onerosidade e da proporcionalidade. No primeiro caso, aplicando determinações menos gravosas, se possível. No segundo, considerando o impacto na vida do devedor. Por exemplo, é proporcional suspender a CNH de uma pessoa comum, mas não de um taxista, que depende do documento para sua renda.
É bem de ver que o ordenamento jurídico traz garantias suficientes para que o juiz não extrapole e viole os direitos fundamentais dos cidadãos, de modo que a análise da adequação e da proporcionalidade das determinações deve ocorrer nos casos concretos.
A bem da verdade o que levou os Ministros a decidirem tal qual, foi partindo do pressuposto de que as medidas atípicas ajudam a resolver o maior problema do sistema judicial brasileiro, a execução, sobretudo se levarmos em conta que mais de 50% dos processos pendentes na Justiça estão nessa fase, conforme o relatório "Justiça em Números", do Conselho Nacional de Justiça. Desse total, 65% são execuções fiscais.
Quem não cumpre a obrigação de pagar as suas dívidas, dando ensejo a um processo de execução, está em mora e deve assumir os ônus decorrentes da sua inadimplência, inclusive suportar a medidas executivas atípicas adotadas pelo juízo da execução para obrigar o devedor a adimplir a obrigação de pagar os créditos devidos ao credor. Trata-se de medidas próprias da execução forçada (CPC, art. 788), na qual se busca pela força coercitiva do processo de execução judicial obrigar o devedor inadimplente a cumprir a obrigação. É o direito.
O certo é que não se pode pressupor que o juiz vá adotar medidas inconstitucionais já que a finalidade das medidas atípicas é conferir efetividade ao processo e para sua validade e segurança jurídica ao decretarem medidas atípicas, juízes devem fundamentá-las com base no princípio da necessidade, apontando por que motivos elas são essenciais para a execução.
Restou decidido que tal interpretação não abarca quando se tratar de alimentos – seja processo de conhecimento seja de execução.
Há que se fazer uma crítica contundente, em tese tal medida, uma vez aplicada, o sujeito terá pela frente em caso de não pagamento a espada de Dêmocles em sua nuca, pois por quanto tempo terá validade esta apreensão? Ad eternum? Em princípio sim, porque não existe um prazo para prescrever essas ações restritivas. Começou com o STJ, agora chegou ao Olimpo.
Até compreendo a tese expendida, mas entendo que falta a modulação destas medidas "indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias", de modo que seja estabelecido um tempo máximo de duração, de prescrição da "execução da pena", de repetição destes atos no decurso do tempo, de modo a não se transformarem em abusos ou "penas" perpétuas, vedadas pela Constituição Federal. Aqui a coisa é séria e não pode passar ao largo.
Como vai ficar a vida dos devedores, que por ventura tenham dívidas impagáveis face aos rendimentos obtidos? Isso só massacra mais e mais o povo pobre ou tem alguém que deve por querer dever nesse país que não tem nenhuma estabilidade econômica? E quando a dívida está exorbitante em relação a alguma condição que o devedor possa ter devido aos altíssimos juros aplicados à dívida? Ora, deveriam então, na oportunidade, aproveitar o ensejo e fazer a modulação do tempo de validade da medida coercitiva obrigando o devedor a quitar sua dívida.
A bem da verdade esta questão já foi enfrentada pelo STJ, que decidiu em se tratando de Medidas coercitivas atípicas para forçar pagamento de dívida não devem ter limitação temporal.
Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que as medidas coercitivas atípicas – como a apreensão de passaporte de pessoa inadimplente – podem ser impostas pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor, de modo a efetivamente convencê-lo de que é mais vantajoso cumprir a obrigação do que, por exemplo, não poder viajar ao exterior.
Com esse entendimento, o colegiado negou habeas corpus a uma mulher que pretendia reaver seu passaporte, apreendido há dois anos como medida coercitiva atípica para obrigá-la a pagar uma dívida de honorários advocatícios de sucumbência. Como, passados mais de 15 anos do início do cumprimento de sentença, a dívida não foi paga e não houve o oferecimento de bens à penhora pelos executados, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a ordem judicial de retenção dos passaportes.
Tollitur Quaestio.
Extrema, 10/02/23.
Milton Biagioni Furquim