Entrevista Juiz Infância e Juventude - Redução da maioridade penal é a solução?
Entrevista Juiz Infância e Juventude - Redução da maioridade penal é a solução?
A redução da maioridade penal não será a solução para todos os males.
4 de ago de 2015193 visualizações23 pessoas gostaram6 comentáriosCompartilhar no LinkedInCompartilhar no FacebookCompartilhar no Twitter
Magistrado há 18 anos, Dr. Milton Furquim está há 2 anos na Vara da Infância e Juventude de Guaxupé. Ele recebeu a reportagem da Revista Mídia, no último dia 21, quando analisou a proposta de redução da maioridade penal no Brasil, prevista para ser votada no plenário da Câmara no próximo dia 30.
COMO O SENHOR ANALISA A MUDANÇA DESTA LEI? A Vara da Infância e da Juventude é o único Juízo competente para julgar adolescentes (pessoas entre 12 e 18 anos de idade), que praticam condutas delituosas (atos infracionais). Sou favorável à redução da menoridade penal - mas em termos. Digo em termos em razão da dificuldade de operacionalização e aplicação da lei penal quanto aos menores de 18 anos no caso de aprovação da emenda constitucional. Veja a situação iremos enfrentar no cotidiano, digo nós juízes, e não a sociedade.
Hoje, o adolescente não comete crime mas sim ato infracional - o nome que resolveram dar para os menores que cometem crimes como furto, estupro, homicídio, entre outros. O adulto, ao cometer qualquer um desses ilícitos, cometem crimes, Já os adolescentes cometem atos infracionais.
Ao cometer um ato infracional, o menor, após o procedimento de apuração, a ele é aplicada uma medida socioeducativa - que não é pena - como liberdade assistida, advertência, prestação de serviços à comunidade, internação. Lembro que a internação é a medida mais grave a ser aplicada.
No meu modo de ver, nenhuma das medidas socioeducativas consegue atingir o resultado esperado pelo Estatuto da Criança e Adolescente ECA. Vejamos: no que tange à advertência, o infrator é simplesmente admoestado pelo Juiz da Infância e Juventude (puxão de orelha). Neste caso o infrator, ao sair da audiência, faz chacota das autoridades, pois se nem advertência dos pais consegue fazer com que eles trilhem um bom caminho, imagina se o “puxão de orelha” dado pelo juiz? Irá surtir algum efeito? Me sinto um idiota fazendo isso.
Quanto à prestação de serviços à comunidade - prestar serviço a alguma entidade filantrópica, no caso 7 horas por dia e em um dia por semana -, também não surte nenhum efeito, além da dificuldade que a Comarca tem de aplicar tal medida. Hoje o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE - exige que o município tenha um órgão para que, uma vez determinada a prestação de serviços ao adolescente ou outra medida socioeducativa qualquer, informe ao Juiz qual espécie de atividade o infrator poderá submeter-se. O nosso município está desprovido deste órgão, de modo que a prestação de serviços à comunidade, ante a não existência deste órgão, fica inviável.
A liberdade assistida é outro grande problema, pois o adolescente deverá ter a sua liberdade assistida, acompanhada por algum profissional da área de assistência social, psicólogos, etc. Em que pese a boa intenção da legislação, esta medida não surte nenhum efeito em razão da dificuldade deste acompanhamento.
A internação é aplicada ao adolescente que comete um ato infracional de natureza grave ou, então, reincidente no cometimento de outros atos infracionais. Geralmente, se aplica a internação àqueles que cometem atos infracionais violentos, como estupro, roubo, latrocínio, tráfico de drogas, enfim, aos crimes que são tidos como hediondos. Esta medida de internação na prática corresponde, em princípio, à prisão dos adultos que cometem tais crimes. A internação só pode ser aplicada por até 45 dias enquanto provisória - que é o prazo que o procedimento de apuração de ato infracional deve estar solucionado (sentenciado). Mas isso não acontece na prática. O que era para ser solucionado em até 45 dias, às vezes, leva-se até anos. No que se refere à internação definitiva, esta se dá após a conclusão do procedimento de apuração do ato infracional caso o adolescente seja “condenado” a cumprir a medida (pena) até que atinja a sua maioridade penal. Vale lembrar que não pode ser superior a três anos, que é o máximo de tempo que o adolescente poderá ficar internado.
Feitas estas considerações, vejamos como tudo isso funciona na prática, lembrando que estamos falando sobre atos infracionais praticados por adolescentes. Vamos ver um exemplo prático para tornar mais fácil o entendimento. Suponhamos que um adolescente (menor de 18 anos) cometa um estupro ou um roubo e, ao ser apreendido em flagrante pela polícia, invariavelmente, a polícia ou mesmo o promotor requer do juiz da infância a sua internação provisória para a apuração dos fatos, que poderá ser determinada por até 45 dias, DESDE QUE NA COMARCA TENHA UM ESTABELECIMENTO PRÓPRIO PARA A INTERNAÇÃO DESTE MENOR INFRATOR.
A legislação também permite, em tese, quando a comarca não dispõe do referido estabelecimento, que ele possa ficar internado (preso) por até 5 dias em local (cela) separada dos adultos. Caso tenha sido decretada a internação provisória por 5 dias e neste período não for encontrado um estabelecimento próprio no Estado para a transferência deste menor, a legislação determina - e não o juiz - que este adolescente seja colocado imediatamente em liberdade, sob a responsabilidade criminal das autoridades, inclusive a do juiz.
Aqui em Guaxupé, a Polícia e o Ministério Público (Curador da Infância e Juventude), quando acontece algum ato infracional grave, requerem a internação provisória do adolescente ainda que por 5 dias e, eu, enquanto juiz da infância e juventude, determino que o adolescente seja internado provisoriamente (preso) por 5 dias. No entanto ficando diferida (adiada) o cumprimento da medida até que o Estado disponha de vaga em qualquer estabelecimento apropriado. Caso não haja vaga em estabelecimento apropriado, o adolescente, mesmo com a internação decretada, ficará em liberdade até que o Estado não disponibilize a vaga. Se assim o faço é porque há uma orientação do Conselho Nacional de Justiça para que nenhum adolescente, ainda que cometa ato infracional de natureza grave, permaneça internado (preso) em cela de cadeia publica, ainda que em cela separada dos adultos.
Resumindo: o juiz da infância e juventude, no que tange a esta questão envolvendo adolescentes, fica naquela situação dita no jargão popular “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, isto é, se interna (prende) o adolescente, o juiz corre o risco de ser punido pelo CNJ e Corregedoria; se não prende (interna), o adolescente permanece solto, e a sociedade “cai de pau” nas autoridades (juiz).
Então imaginem que situação: se mesmo quanto ao adolescente infrator, quando é aplicada uma medida de internação, o Estado não oferece vaga para que ele seja internado (preso), seja por 45 dias ou por até 3 anos, como ficará a situação no caso de redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos, quanto, então, o adolescente estará cometendo crime?
No que tange a emenda constitucional que reduz a maioridade penal, como disse, sou amplamente favorável, mas em termos. A redução da maioridade penal de 18 para 16 anos será somente para os adolescentes que cometerem crimes hediondos (roubo qualificado, estupro, latrocínio, tráfico de drogas, lesão corporal grave, entre outros). Neste caso, o adolescente entre 16 e 18 anos não mais cometerá ato infracional, mas sim crime, a exemplo dos adultos. Assim, não mais se sujeitará a responder a um procedimento de apuração de ato infracional mas responderá um processo crime. O adolescente será processado e após todos os trâmites do processo crime poderá receber uma pena - e não mais medida socioeducativa - que poderá ser de 5, 10, 15 ou mais anos, dependendo do crime cometido, claro. Um vez condenado a cumprir uma pena, por exemplo, de 10 anos, é bom que fique claro que esta pena também não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional de adultos e, muito menos na mesma cela com adultos.
Se atualmente o Estado não disponibiliza estabelecimento adequado para internação provisória de adolescentes, imagina se irá disponibilizar em todas as comarcas - ou mesmo em alguma região - estabelecimento penal para que os adolescentes condenados possam cumprir suas penas?
Então a situação ficará do mesmo modo que enfrentamos hoje em dia, ou até pior, para não dizer que nada é tão ruim que não possa piora mais. Nós, juízes da infância e juventude, teremos a nossa disposição uma legislação penal punindo com prisão os adolescentes condenados por praticarem crimes, no entanto, não teremos como operacionalizar, enfim, cumprir com as nossas próprias decisões - no caso, a disposição de um estabelecimento penal próprio aos adolescentes (entre 16 e 18 anos) cumprirem suas penas.
Então sou amplamente favorável à redução da maioridade penal, desde que o Estado disponibilize estabelecimento penal adequado para que estes adolescentes cumpram as suas penas. Creio que isso não passa de uma quimera, pois aqui no Brasil somos pródigos em editar leis que não “pegam”, ou seja, que jamais serão cumpridas. Quando isso acontecer, a emenda terá que submeter-se a uma regulamentação infra-constitucional e, por certo, deverá entrar em vigor somente após um ano. Espero estar aposentado e vou ficar lamentando e me solidarizando com os colegas juízes da infância e juventude. Finalizando, hoje me sinto, como juiz da infância e juventude, frustrado, impotente, por não conseguir sequer dar cumprimento às minhas decisões quanto aos menores infratores. Sempre disse que se me fosse dado escolher, jamais seria juiz da infância e juventude.
Guaxupé 04/08/15
Milton Biagioni nFurquim
KJuiz de Direito