Sucessão de Absurdos
Sucessão de Absurdos
Na tarde de ontem – 13/03/11, ao dirigir-me de Extrema para Itapeva, defronte a Frum deparei-me com uma carreta de madeira tombada na pista – Fernão Dias, e várias pessoas saqueando a carga da maneira que podiam. Segui para o meu destino e meia hora após retornei e qual não foi minha surpresa ao deparar-me, novamente, agora com a pista quase que interditada por conta de inúmeros veículos parados, com o saque – furto, das madeiras. Surpresa maior foi não constatar a presença de policiais no local, seja a Polícia Militar, seja a Federal. E a turba ensandecida saqueando – furtando a carga. Tomado de indignação pelo furto que acontecia à luz do sol e pela ausência de quem ali deveria fazer-se presente – a Polícia, liguei para o 190. À policial que me atendeu identifiquei-me como sendo Juiz de Direito e relatei-lhe a situação e que era necessária a presença da polícia. A policial atendente, então, tentou travar um diálogo comigo dizendo-me que a Polícia Militar tinha um acordo com a Polícia Federal de que acidentes ocorridos na rodovia – eis que federal, era da atribuição dela – federal e, portanto nada podia ser feito. Então eu disse-lhe que caso não tomasse as providências que a situação exigia naquele momento – pois estava acontecendo um crime de furto, eu iria fazer uma representação por prevaricação. Para minha surpresa, ironicamente, a policial encerrou o diálogo dizendo-me: “fique à vontade”. Ora, pois. Se assim agiu, mesmo eu sendo um Juiz de Direito, imagina então como não seria com um cidadão comum?
Aqui abro um parênteses: ao ligar para o 190 e informar a ocorrência de um crime – furto, assim o fiz não como Juiz de Direito que, apesar de ser Juiz na Comarca de Monte Sião e em qualquer lugar do País, aqui não exerço jurisdição, até porque se exercesse, dúvida não tenha de que tomaria providências e drástica. Ao informar a polícia sobre o furto de cargas o fiz como cidadão extremense, já que aqui tenho a minha residência, minhas propriedades e aqui pago meus impostos. Nada mais natural informar a Polícia do ocorrido.
Passado algum tempo após o episódio, deparei-me com uma viatura da Polícia Militar estacionada na praça e, então, dirigi-me até o sargento – salvo engano e, mais uma vez relatei-lhe o episódio e, então o sargento me disse que naquele exato momento estava fazendo o relatório do acidente. Perguntei-lhe se tinha se deslocado até o local e disse-me que não uma vez que era impossível chegar ao local do acidente em face da pista estar intransitável devido ao grande número de veículos estacionados. Perguntei-lhe, ainda, se tinha efetuado alguma prisão em flagrante de pessoas saqueadoras da carga e me respondeu que não, e, também, repetindo o que a policial atendente me disse, tal fato era da atribuição da Polícia Federal e que eles nada podiam fazer pena de usurpação de função. Mais, disse-me que ele devia satisfação ao Comando dele. Tentei dizer-lhe que eu não estava falando do acidente em si que, por certo era da atribuição da Polícia Federal, mas sim, dos desdobramentos, no caso o furto de carga – madeira, e que o crime era da atribuição da Polícia Militar, até porque os fatos se davam na circunscrição do Município. Mas tudo em vão, tive que dar por encerrado o diálogo, pois estava na iminência de receber do policial uma ‘aula magna’ de Direito. Chegou, inclusive a dizer-me que, assim como eu, ele tinha passado em um concurso público. Aqui lembro ao policial que ele passou em um concurso público para aplicar a lei, enquanto que eu, Juiz de Direito, passei em um concurso público para interpretar o Direito e distribuir Justiça. A diferença é fundamental. Ora, por certo sabia, assim como a sua colega policial militar atendente, o que estava dizendo e fazendo. Eu que pouco conheço do assunto, como cidadão, dei-me por vencido e retirei-me. Ah, porque essas coisas não acontecem na minha Comarca?
A bem da verdade não me dei por vencido não. De pronto tentei por telefone entrar em contato com o meu colega Juiz de Direito da Comarca, embora aqui não tivesse obrigação nenhuma de se fazer presente, já que não é plantonista, mas não fui feliz, a chamada caía na caixa postal. Lembrei-me de uma pessoa próxima ao Juiz da Comarca e relatei-lhe o ocorrido e solicitei que entrasse em contato com o Juiz, mas também em vão. Então solicitei dele que entrasse em contato com o Delegado de Polícia e/ou Comandante da PM já que eu não tinha os números dos telefones dessas autoridades. Pasmem, tanto o Delegado de Polícia quanto o Comandante da Polícia Militar não estavam na Cidade, estavam viajando. Quanta sucessão de absurdos: Delegado de Polícia e Comandante da Polícia Militar viajando. Os subalternos – profundos conhecedores do Direito, não agiam porque estavam obedecendo a um acordo com a Polícia Federal. A Comarca está sem promotor, parece-me que a promotora foi promovida. Uai sô, a quem pedir socorro?
Passados algum tempo, recebi uma ligação da pessoa a quem pedi para entrar em contato com as autoridades dizendo-me que o Comandante da Polícia Militar que estava em Pouso Alegre, já teria determinado aos seus subalternos – policiais, tomar todas as providências necessárias e para que eu relevasse o fato. Espero que tais providências tenham sido tomadas a tempo e modo.
O que me causa espécie é o fato de que os policiais, e aqui parece-me que é regra, jamais estão dispostos a dar a mão à palmatória e reconhecer erros e equívocos, pois nunca aceitam, de bom grado, diálogo com as pessoas, sempre se apresentam como os donos da verdade. Não é humilhante, pelo contrário, saber ouvir e dar a devida explicação. Parece-me que fazem questão de se distanciarem do cidadão atendendo-os com má vontade.
Nunca ouvi tamanha heresia quando, tanto a policial atendente, quanto o sargento, dizer-me que por conta de um acordo com a Polícia Federal (acordo?) nada podiam fazer naquele momento considerando que a rodovia era federal. Ora, como assim? Qualquer acadêmico de Direito sabe que qualquer cidadão pode, até porque há previsão legal no CPP, dar voz de prisão a quem quer que esteja cometendo um crime em flagrante, seja o crime da atribuição da Polícia Federal, seja o crime da atribuição da Polícia Estadual. Por certo é obrigação e dever da Polícia prender. A conclusão que chego é que os policiais estão necessitando de melhores informações sobre questão de Direito, não para dar aula de Direito a Juiz de Direito, mas para poder aplicar corretamente a Lei.
E coincidência ou não, não é a primeira vez que tal fato acontece comigo. Algum tempo atrás um policial militar esteve a ponto de multar-me e fazer a apreensão do meu veículo que havia retirado da agência há dois dias, ainda não tinha sido licenciado e emplacado, quando existe resolução do Contran permitindo sua circulação por até 15 dias e olha que não foi fácil convencer o policial de que eu estava com a razão, precisei ameaçar dar-lhe voz de prisão por abuso de autoridade caso insistisse em multar-me e/ou fazer a apreensão do veículo naquelas condições.
Mais essa. Recentemente, hás uns 15 ou 20 dias, o meu irmão que é Prefeito em Itapeva, assistindo a uma partida de futebol, final de campeonato municipal, foi ofendido graciosamente por um cidadão que se fazia presente no estádio municipal. Acionada a Polícia Militar, lá compareceram dois policiais militares e após ouvir o ofensor e o Prefeito, o Policial passou a parlamentar com ele, ao meu lado, dizendo-lhe que a ofensa irrogada não caracterizava abuso de autoridade e sim injúria, já que ele – Prefeito, naquele momento não estava em sua função. Ora Policial, se desacato ou injúria isto não lhe diz respeito. Pergunto ao Policial Militar: quando o Prefeito, na sua circunscrição, deixa de ser Prefeito? Respondo ao Policial: o Prefeito exerce o seu múnus, quando na circunscrição do Município, 24 horas por dia, seja em horário de expediente, seja em seu gabinete, seja em uma solenidade oficial ou não, seja no recesso de seu lar. Só em uma única situação, smj, não está em exercício, quando de seu afastamento por qualquer motivo. Mas, mesmo presente, ouvi a ‘magna aula de Direito’ calado já que ali, naquele momento, era o policial a autoridade.
De mais a mais não é atribuição do Policial Militar definir a tipificação legal, o enquadramento legal do ofensor, essa atribuição, em um primeiro momento é do Delegado de Polícia que, posteriormente passará pelo crivo do Promotor de Justiça e, finalmente, terá ou não chancela do Juiz de Direito. Cabe-lhe tão somente relatar os fatos e efetuar a prisão e/ou condução até a Delegacia e pronto.
Ora, quem se dispõe a fiscalizar e, sobretudo em questões de Direito, deve estar muito bem preparado para não cometer heresias, pois se é certo que a maioria dos cidadãos não conhece seus direitos, existem exceções e, no caso sou uma delas, acredito. A triste conclusão que chego às vésperas de minha aposentadoria é que nada sei e conheço de Direito, e alguns policiais militares estão se incumbindo de mostrar-me isso. Preciso, urgentemente, de uma boa reciclagem. Mas ainda confio na Polícia Militar apesar de algumas mazelas, pois ainda é a que detém o respeito da sociedade pela sua rígida hierarquia e pelo baixo índice de corrupção.
Monte Sião, 15/03/11.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito