Canabidiol. Ainda há muito o que saber.
Canabidiol. Ainda há muito o que saber.
O canabidiol, conhecido como CBD, é um medicamento que contém uma substância presente na planta Cannabis e que atua no sistema nervoso central, geralmente sendo utilizado no tratamento de alguns casos de epilepsia. Além disso, o canabidiol apresenta possíveis benefícios terapêuticos no tratamento de doenças como ansiedade e doença de Parkinson, doença de Alzheimer e dor crônica. No entanto, ainda não há comprovação suficiente da sua eficácia para que seja indicado para o tratamento dessas doenças em muitos países.
O juiz de direito da Comarca de Guaxupé Milton Biagioni Furquim deferiu pedido de mandado de segurança com liminar autorizando a farmácia Fórmula Certa a manipular, comercializar e dispensar medicamentos formulados que têm como insumo o extrato da cannabis sativa (CBD).
No Brasil, a Anvisa criou uma categoria de medicamentos derivados da Cannabis que podem ser comercializados após aprovação da Agência e atualmente o canabidiol já é vendido no país, sendo necessária a apresentação de receita médica de controle especial.
Para que serve o canabidiol. No Brasil, o canabidiol está aprovado para o tratamento de epilepsia refratária em crianças e adolescentes que não respondem a outras terapias disponíveis, principalmente em casos de síndrome de Lennox-Gastaut, síndrome de Dravet e esclerose tuberosa.
Além da epilepsia, estudos têm sido realizados sobre o benefício do canabidiol em doenças como a doença de Parkinson e Alzheimer, tratamento da dor crônica, ansiedade e em pessoas com câncer, por exemplo. No entanto, não há comprovação suficiente até o momento para recomendar o uso deste medicamento nessas situações.
Além disso, é possível que o canabidiol também tenha outros benefícios e propriedades farmacológicas, como ação analgésica e imunossupressora, podendo ser útil no futuro no tratamento de AVC, diabetes, náusea, distúrbios do sono e do movimento, o que o torna um medicamento com um grande potencial terapêutico.
Os medicamentos com canabidiol autorizados pela Anvisa podem ser comprados em farmácias com apresentação de receita médica de controle especial B. No entanto, em alguns casos também pode ser necessária uma declaração de responsabilidade assinada pelo médico.
Afinal, médicos podem ou não prescrever canabidiol? Para melhor intelecção nada como proveitar ensinamentos do Henderson Fürst
Doutor em Direito pela PUC-SP. Doutor e Mestre em Bioética pelo Centro Universitário São Camilo. Professor de Direito Constitucional da PUC-Campinas. Professor de Bioética e de Direito Médico do Hospital Israelita Albert Einstein. Presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB-SP. Diretor da Sociedade Brasileira de Bioética. Membro do CISS/Conselho Nacional de Saúde. Editor científico e Advogado.
Não foi pouca a repercussão social, científica e midiática à publicação da Res. 2.324/2022 do Conselho Federal de Medicina, restringindo a prescrição de canabidiol em sua modalidade compassiva e off label, surpreendendo a comunidade de pacientes de diversas doenças e sintomáticas, tais como dores crônicas, bem como seus familiares, médicos e a sociedade civil.
Com a repercussão, o Conselho Federal de Medicina publicou a Res. 2.326/2022 no dia 24 de outubro de 2022, sustando os efeitos da Res. 2.324/2022. Todavia, não deixou expresso o que se deve aplicar em seu lugar, causando uma série de questionamentos sobre quais os parâmetros normativos aplicáveis enquanto não se revoga ou retoma a Res. 2.324.
Enquanto o Conselho Federal de Medicina não se manifesta acerca disso, produzindo uma interpretação originária, traço aqui algumas considerações preliminares.
Qual a norma aplicável durante a sustação da Res. 2.324/2022 do CFM
De imediato, podemos sintetizar que há duas possibilidades. A primeira delas é a de que teria repristinado a Resolução anterior, ou seja, voltaria a valer a Res. 2.113/2014, uma vez que sua norma revogadora foi sustada, mantendo-se o parâmetro anterior de prescrição de canabidiol. A segunda delas, que se teria uma anomia normativa quanto à prescrição de canabidiol, devendo-se aplicar apenas as normas gerais que são aplicáveis a qualquer ato médico de prescrição compassiva ou off label, em especial o Código de Ética Médica.
Na legislação, vale citar exemplos dos dois fenômenos.
O primeiro, seria quando o Supremo Tribunal Federal concede medida cautelar suspendendo os efeitos do texto normativo em análise. Nos termos do art. 11, § 2.º, da Lei 9.868, a concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior, caso existente, salvo se houver expressa manifestação em sentido contrário pelo Tribunal.
O segundo, se encontra na própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que estabelece a impossibilidade de repristinação tácita em seu art. 2.º, § 3.º, ao dizer que “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
Seria o caso de questionarmos de qual fenômeno está-se mais próximo. Da suspensão de efeitos normativos da Lei 9.868, ou da perda de vigência e sua vedação à repristinação tácita, estabelecido pela LINDB.
Anteriormente, quando o CFM quis repristinar uma resolução, ele o fez expressamente. É o caso da Resolução 2.228/2019, que revogou a Resolução 2.227/2019 e expressamente restabeleceu a vigência da Resolução 1.643/2002, quando discutia a prestação de serviços médicos pela telemedicina.
Embora uma postura anterior da autarquia dê alguma orientação de como se dará seu entendimento para o caso da prescrição de canabidiol, é preciso compreender tecnicamente o fenômeno.
Quando agências reguladoras ou autarquias federais estabelecem um parâmetro normativo, o faz com base no desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente. Há diversas orientações normativas nesse sentido, inclusive a própria determinação constitucional dos arts. 170 e 218, entre outros. No caso em questão, que envolve saúde, há ainda outras determinações, como a segurança e eficácia à saúde da população, dentre outras previstas pela Lei 8.080/1990, dentre outras.
Ao optar por uma nova regulação, a autarquia ou agência reguladora está dizendo, expressamente, que o parâmetro regulatório anterior não atende mais aos adequados parâmetros contemporâneos. E, caso esse novo parâmetro tenha seus efeitos suspendidos ou revogados, não se pode considerar a repristinação tácita, sob risco de retomar um parâmetro regulatório insuficiente ou retrógrado às condições contemporâneas[1].
Na jurisprudência do STJ, também já se discutiu sobre a aplicação da regra da LINDB também a atos administrativos normativos, e o entendimento foi o de sua possibilidade[2], o que reforça o entendimento de que, também na suspensão de efeitos, o entendimento é o da vedação à repristinação tácita.
Além disso, há que se considerar que a Lei 8.080/1990 estabelece o dever de prover condições indispensáveis ao exercício do direito à saúde, bem como formular políticas públicas que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, além de estabelecer condições que assegurem acesso tratamentos que possibilitem a proteção e recuperação da saúde. Isso sem contar a Lei da Liberdade Econômica (art. 3.º, VI), que estabelece que é um “direito de toda pessoa, natural ou jurídica (…) desenvolver, executar, operar ou comercializar novas modalidades de produtos e de serviços quando as normas infralegais se tornarem desatualizadas por força de desenvolvimento tecnológico consolidado internacionalmente, nos termos estabelecidos em regulamento, que disciplinará os requisitos para aferição da situação concreta, os procedimentos, o momento e as condições dos efeitos”.
Assim, falar em repristinação de norma sabidamente desatualizada seria uma ofensa ao ordenamento jurídico.
Por fim, cumpre ressaltar que a vedação à repristinação tácita não cria um caos normativo. Há regras que amparam o ato médico para a prescrição de canabidiol.A mais basilar delas, o Código de Ética Médico, permanece imprescindível na atuação da medicina enquanto permanecer a anomia resolutiva em questão, devendo-se, também, observar que há dispositivos fundantes decorrentes da Constituição Federal, bem como interpretativos, da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos.
Guaxupé, 25/11/22.
Milton Biagioni Furquim