RASTREANDO OS RASTREADORES NA VILA POTEMKIN DA TROLLAGEM DOS DIREITOS AUTORAIS
Recentemente a mídia alternativa alertou em diversas plataformas sobre a atuação dos copyright trolls no Brasil. Milhares de brasileiros passaram a ser assediados por e-mails e cartas com ameaças de processo judicial, caso, como usuários de protocolo BitTorrent, não aceitassem pagar determinado valor a título de indenização, isto no âmbito administrativo, pela baixa de filmes pertencentes a grandes produtoras americanas.
A doutrina nacional é carente na abordagem do tema tratado por alguns como “trollagem dos direitos autorais” que vem vitimando usuários da internet desde os anos 2010, nos Estados Unidos, na União Europeia e na Oceania, chegando, quase uma década depois, ao Brasil.
Tentando entender melhor o tema, enfronhei-me em leituras de artigos nacionais e estrangeiros e decidi organizar em livro o que penso ter aprendido sobre o assunto. Em 09 do mês em curso, lancei “Rastreando os rastreadores na vila Potemkin da trollagem dos direitos autorais”., em cuja apresentação consignei:
"A Declaração Universal dos Direitos Humanos, especialmente no art. 19, garante que “Todos têm direito à liberdade de opinião e expressão, o que implica o direito de não ser incomodado por suas opiniões e o direito de buscar, receber e transmitir, independentemente das fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
O Brasil, como um dos signatários originais da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, incorporou na Constituição Federal de 1988 muitos dos princípios ali estabelecidos, como o acesso à cultura, insculpido no inciso XXVII do art. 5º, segundo o qual “Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.”
Pelos prismas da DUDH ou da Constituição Federal, a transferência de arquivos não comerciais pela internet, em quaisquer dos aplicativos disponíveis para este fim, é, portanto, um direito humano universal, uma vez que os arquivos baixados e transferido são fontes de informação e cultura?
A resposta é controversa, pois muitas vezes o mundo fático e o mundo jurídico não ocupam a mesma órbita da dimensão espaço-tempo. Tanto é que de há muito o direito à cultura e informação vem sendo mitigado por leis de proteção à atividade intelectual e aos direitos de autor. No mundo em transformações em que os CD's foram superados rapidamente pelo Spotify, a TV a cabo por serviços como Netflix e Globoplay, provedoras de filmes e séries de televisão via streaming e os livros impressos pelos e-books a população menos favorecida permanece à margem do admirável mundo novo, sendo o direito autoral ferrenhamente tutelado e mesmo assim dito mal protegido na internet.
O preço do ingresso de um filme tornou-se proibitivo para os mais pobres, advindo daí o aumento exponencial da prática dos downloads com o uso de uma tecnologia de baixo custo, mesmo que em desrespeito ou violação às regras legais de proteção aos autores. Talvez alguns dos downloaders sequer saibam que estejam cometendo um ilícito, por desconhecimento da lei. Outros, achem que às vezes fazer a coisa errada pelas razões certas é melhor do que fazer a coisa certa pelas razões erradas, por não conseguirem esperar que seus filmes favoritos sejam exibidos na tela da TV aberta.
Exemplo marcante dos novos tempos de caça e proibição de aceso à cultura e lazer são as recentes e abusivas trollagens de direitos autorais realizadas pelos chamados copyright trolls [1], grupo ativo na União Europeia, Austrália, Canadá e Estados Unidos, desde o limiar do século, e chegado tardiamente ao Brasil, quando os tribunais do mundo já se impacientavam com a prática duvidosa, baseada em suposta violação de direitos sobre imagens, músicas, filmes, séries e programas de televisão, via tecnologia BitTorrent, buscam, via extrajudicial, compensação excessiva de inocentes e infratores que baixam obras protegidas, sem intenção de lucro, usando a justiça como arma de apoio.
Os grandes grupos da mídia internacional e os usuários comuns da internet que suprem seu desejo de incorporação à sociedade da informação e de usufruírem de algum entretenimento no âmbito familiar, realizando download de produtos audiovisuais, se mantêm em cerrada queda de braços, com a disputa pendendo o mais das vezes para o lado mais forte.
Não se pretende tomar partido da pirataria digital, sendo tolerante com condutas que causem sérios prejuízos à indústria cinematográfica, ao Fisco pelo não pagamento de imposto, bem como aos comerciantes legalmente instituídos. Por óbvio, esses ao ter seus direitos autorais violados podem seguir em busca de soluções judiciais ou não para que terceiros cessem as atividades de distribuição de conteúdo não autorizado.
O objetivo mediato é fazer ver que as restrições legais de uso devem ser aplicadas aos grandes agentes movidos pelo lucro, já que em países como o Brasil, o direito a participar da vida cultural e a fruir as artes têm seu exercício especialmente dificultado aos usuários comuns, em função das desigualdades sociais, dos altos preços dos produtos, da escassez de políticas públicas e de aparelhos culturais que possibilitem acesso à cultura.
Não esquecer da desídia do estado que, mesmo obrigado pelas determinações da DUDH e pelos comandos da CF não garante o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes de cultura, seja apoiando e incentivando a difusão das manifestações culturais na forma do art. 215, por meio de ações e mecanismos introduzidos pela Emenda Constitucional 48/2015.
Já o propósito imediato, assemelhado ao pensamento do Matthew Sag, professor de direito na Loyola University Chicago School of Law e Diretor associado do Institute for Consumer Antitrust Studies e Jake Haskell, especialista em direito intelectual em Chicago, autores do artigo Defesa Contra as Artes das Trevas da Trollagem de Direitos Autorais, é oferecer argumentos dentro de uma estrutura legal e pragmática para a defesa contra trolls de direitos autorais. Na abertura do artigo, hoje uma referência para os aficionados do tema, os autores justificaram a obra com o seguinte argumento.
" Não temos interesse em excluir a possibilidade de litígio de compartilhamento de arquivos em si, e gostaríamos de uma abordagem mais direcionada na qual as reivindicações fossem bem argumentadas, apoiadas por evidências adequadas e direcionadas predominantemente a infratores reais de direitos autorais. "
Em outro, consignaram que,
Apesar de sua fraqueza subjacente, os demandantes exploraram as assimetrias de informação, o alto custo dos litígios em tribunais federais e a ameaça extravagante de danos legais por violação de direitos autorais par alavancar acordos de culpados e inocentes. Acreditamos que a trollagem de direitos autorais continua lucrativa principalmente porque os tipos de advogados que normalmente defenderiam clientes deste tipo de vitimização não conhecem o suficiente sobre a lei e a tecnologia envolvida par alutar. Além disso, os advogados que tem o tipo certo de experiência geralmente são muito caros par afazer valer a pena defender esses casos. Um punhado de advogados de defesa de espírito público superaram essa divisão e estão defendendo com sucesso esses casos, mas é somente quando seu conhecimento e experiência se tornarem amplamente difundidos que esses trolls de direitos autorais específicos retrocederão para a escuridão de onde vieram.
Observação idêntica fez James DeBriyny, no artigo Lançando luz sobre trolls de direitos autorais: uma análise do litígio de direitos autorais em massa na era dos danos estatutários, onde, discorrendo sobre o impasse entre lei de direitos autorais e a internet, assinalou:
"Este artigo não sugere que a violação de direitos autorais seja moralmente justificada ou que a lei não deva proteger os detentores de direitos autorais contra a violação. Em vez disso, este artigo ilumina a estrutura de incentivos que leva ao uso indevido do processo judicial por parte dos detentores de direitos autorais para monetizar a violação de maneiras que deixam os alvos com pouca escolha a não ser resolver." [2]
A pauta dos tribunais federais americanos com ações de direitos autorais abarrotou-se tanto que, entre 2014 e 2016, passaram a representar quase metade de todos os casos de direitos autorais protocolados no judiciário, sendo desconhecidos o número de acordos extrajudiciais firmados por pessoas que cederam aos achaques, aterrorizadas com o método de cobrança ameaçador. “A estimativa é que o número de famílias americanas que receberam uma carta com pedido de acordo dos queixosos que consideramos trolls de direitos autorais está na casa das centenas de milhares”, como afirmado por Sag e Haskell.
Ainda de acordo com os pesquisadores de Iowa, “É impossível saber com certeza quantos indivíduos inocentes resolveram esses casos e em que termos. No entanto, nossas discussões com vários advogados de defesa nos últimos três anos, sugerem que esses casos são resolvidos entre US$ 1.000 e US$ 8.000 e que estes advogados acreditam que até um terço de seus clientes são inocentes.”
No Brasil, a luz de alerta deve ser acionada, já que se conhece, pelo menos, quatro escritórios de advocacia, do eixo Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), que, agindo organizadamente, parece compartilhar dados de usuários do protocolo BitTorrent, visando a implementar a franquia de negócios no país.
“O sucesso de um troll de direitos autorais deriva não da Lei de Direitos Autorais, mas da lei de grandes números.” [3] Este jargão corrente no mundo inteiro faz com que nos lembremos que embora Deus não dê asas a cobras elas voam, embora voo não seja o termo mais apropriado: algumas cobras planam… As cobras alimentadas com a trollagem devem ser combatidas e contidas, antes de ganharem musculatura suficiente para planar em voo livre sobre os usuários da internet nos tribunais brasileiros, como ocorrido nos tribunais federais americanos onde os casos de direitos autorais em 2014 ocupavam 52% dos ajuizamentos e 58% em 2015. [4]
O que se pretende é evitar que os litígios em massa que transformaram a justiça dos Estados Unidos em acessório para uma máquina de extorsão, se espalhe no judiciário brasileiro. É, em outras palavras, não permitir que os maus exemplos de assédio, como ocorrido em Seatle, chegue até nós. Em maio de 2011, uma senhora quedou-se surpreendida com uma carta endereçada ao marido acusado de baixar ilegalmente um filme pornográfico. O absurdo dessa história é que o marido era “legalmente cego, com visão cerca de 1/100 da pessoa com visão normal, sendo fisicamente incapaz de assistir qualquer filme assistir a qualquer filme.” [5]
Mas que também fique claro, embora o termo troll tenha ganhado uma conotação negativa, a violação de direitos autorais é um problema real que pode afetar o sustento de pequenos escritores, fotógrafos e artistas desconhecidos que atuam fora da grande mídia. Estes dependem tanto da proteção da lei de direitos autorais quanto da rentabilidade dos grandes estúdios na indústria cinematográfica e dos editores do mercado literário que publicam fisicamente e em plataformas digitais na web. Como se vê, nem todos que procuram o judiciário em busca de preservar seus direitos contra infratores são ou devem ser caracterizados como trolls de direitos autorais.
Melhorando a distinção entre alhos e bugalhos, diz Gregory S. Mortenson,
"para cada troll de direitos autorais que espera extorquir dinheiro fácil de cidadãos desavisados, provavelmente há um criador de conteúdo genuíno interessado em proteger o mercado para seu trabalho. Da mesma forma, para cada réu possivelmente inocente que se ver obrigado a escolher entre lutar contra as acusações falsas no tribunal ou fazer um acordo, provavelmente há um infrator de direitos autorais que violou a lei conscientemente e voluntariamente e, portanto, deve ser punido." [6]
E embora a prática seja deplorável, mesmo os trolls têm o direito de reivindicar violação se atenderem às condições morais e legais estabelecidas nas normas processuais. O comportamento relatado pela mídia sobre a atuação dos trolls no país, entretanto, mais prejudica a causa da grande maioria dos proprietários de obras protegidas do que os beneficiam, no sentido de não buscarem o desincentivo ao uso fraudulento da baixa de arquivos ou da pirataria digital, mas, criar um canal de renda alternativo.
Sob o manto da lei dos direitos autorais, em outros termos, os detentores de direitos devem ser capazes de levar aos tribunais reivindicações justas e legítimas, e não recorrerem a táticas duvidosas visado à extração de dinheiro de supostos infratores. Muito deles acusados, às vezes, injustamente por falhas no sistema de monitoramento dos endereços de IP ou internet protocol, padrão para endereçamento e roteamento de dados na internet que por si só é incapaz de apoiar a alegação de que um indivíduo seja culpado de violação.
Entre nós, os tribunais não têm considerado a baixa de arquivos para uso privado, sem objetivo de lucro, como pirataria, e sim, os casos envolvendo cópias e venda de mídias físicas, a exemplo de CDs, DVD, fraude aos serviços de streaming, centrais que disponibilizam milhares de obras irregulares, entre outros dispositivos e serviços. Até aqui se tem conhecimento de raríssimas ações, em que a razão para a decisão (ratio descidendi), esteja centrada em downloads de filmes via tecnologia peer-to-peer. Conhecem-se duas ações tramitando na jurisdição brasileira, manejadas por um escritório representante da Outpost Productions, Inc. Ambas decorreram das informações requeridas pela Process Management Ltd. à operadora Claro S.A., proprietária da NET Virtua, na justiça cível de São Paulo.
Mas há relatos de que mais de cinquenta mil usuários estão sendo alvo de avisos extrajudiciais preparatórios de ações judiciais semelhantes às movidas por estúdios de cinema e outras empresas produtoras de conteúdo cinematográfico, detentoras dos direitos sobre vários títulos.
Em comum todas as entidades litigantes no Brasil estão diretamente ligadas à Millenium Media, cujas afiliadas, nos Estados Unidos, processaram e, em seguida, chegaram a um acordo com o site torrent YTS. [7] O curioso é que depois de o primeiro acordo ter sido anunciado, as afiliadas começaram a ingressar no judiciário com ações indenizatórias movidas contra usuários do YTS, com base em informações que pareciam ter vindo diretamente do banco de dados do site torrent YTS.[8]
Aqui no Brasil, a ação de produção antecipada de prova requerida da operadora Claro S.A. expôs um total de cinquenta e três mil e seiscentos uploads e compartilhamentos dos filmes Hellboy, Invasão ao Serviço Secreto e Rambo: Até o Fim, registrados entre 2019 e o início de 2020.
Instruindo a ação, a empresa apresentou uma lista de endereços IPs, obtidos com uma ferramenta forense, pertencente a supostos responsáveis pelo download dos filmes e pediu que a operadora apresentasse os dados pessoais correspondentes aqueles endereços, para, com o prévio conhecimento dos fatos, decidir sobre o início ou não do ajuizamento de ações indenizatórias.
O número de usuários contatados poderá subir exponencialmente já que em março de 2022, foram ajuizadas mais três ações de produção antecipada de provas, visando a obter mais dados de usuários dos provedores Oi, TIM e Telefônica (Vivo). Ainda em trâmite, duas ações indenizatórias foram protocoladas no TJRJ 0076603-43.2022.8.19.0001 e 0076870-15.2022.8.19.0001 e uma no TJSP, processo 1028846-35.2022.8.26.0100.
Apesar do fervor da mídia, esta não é a primeira vez que os escritórios brasileiros agem em nome das produtoras americanas. Em 2019, a operadora mineira Algar Telecom foi obrigada a entregar os dados pessoais de clientes que baixaram o filme Fúria em Alto-mar.
Os processos instaurados no Brasil servirão de base a algumas considerações que se pretende úteis a uma defesa judicial consubstanciada de bons argumentos, sem, entretanto, se emitir valores sobre eventuais fragilidades existentes nos casos relatados. [9]
No campo doutrinário, trabalho de significativa importância para a elaboração deste livro, por demonstrar as fragilidades da metodologia dos agentes de monitoramento contratados pelos produtores de conteúdo, é o artigo Desafios e orientações para monitorar redes de compartilhamento de arquivos P2P ou porque minha impressora recebeu um aviso de remoção DMCA, de Michael Piateky, Tadayoshi Kohno e Arvind Krishnamurthyy, membros do Departamento de Ciência e Engenharia de Computação da Universidade de Washington.
Para conhecer os fundamentos econômicos da trollagem de direitos autorais, revisou-se o artigo Copyright Trolling, um estudo empírico, em que Mateus Sagy, professor da Loyola University Chicago School of Law e Diretor Associado de Propriedade Intelectual do Institute for Consumer Anti-trust Studies.
Outros trabalhos da doutrina estrangeira, principalmente americana como Nação infratora: reforma de direitos autorais e a lacuna entre lei/norma, do Professor de Direito da Universidade de Utah, S. J. Quinney College of Law, John Theranian e Trollagem de direitos autorais Bittorrent: uma proposta pragmática para um problema sistêmico, de Gregory S. Mortenson e Lançando luz sobre trolls de direitos autorais: uma análise do litígio de direitos autorais em massa na era dos danos estatutários, de James DeBriyny deram musculatura às ideias desta obra. Nesta livro, o autor analisa o modelo de negócios de litígio em massa usado pelos trolls de direitos autorais e a influência dos altos custos legais na opção dos réus, que preferem aceitar acordos desfavoráveis, ao invés de recorrerem ao judiciário.
Dos especialistas brasileiros, de suma importância foi o trabalho Direito autoral e Marco Civil da Internet, de Marcos Wachowicz, por lançar uma perspectiva inovadora sobre os direitos e garantias individuais inerentes à sociedade informacional. Propriedade intelectual, de Newton Silveira, também teve relevância por destacar a propriedade intelectual sob diversos âmbitos, proporcionando ao leitor uma ampla visão acerca da propriedade intelectual, seus avanços e pontos de conflito.
Em Direito e internet, liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil, a autora Liliana Minardi Paesani dedica especial atenção à censura, à tutela do direito de autor e à proteção da privacidade na Internet. De Portas Lógicas e registros de acesso: das possibilidades técnicas aos entendimentos dos tribunais brasileiros, publicado pelo Instituto de Referência em Internet e Sociedade, apreciou-se o questionamento sobre a obrigação legal de armazenamento dos dados referentes as portas lógicas.
Diversos artigos, publicados em diferentes plataformas, como o site Jusbrasil.com.br, a exemplo de “Usuários de torrent recebem cobrança no valor de R$ 3.000,00 no Brasil”, de Roberto Colalillo Júnior foram consultados. E para além dessas leituras, realizou-se análise multidisciplinar, abordando temas relacionados à área da tecnologia da informação e internet e também interdisciplinar ao percorrer diferentes ramos do direito, como direito constitucional, direito civil, direito autoral e direito penal. Teve-se ainda como apoio à pesquisa, a análise da jurisprudência fixada por tribunais estrangeiros, principalmente americanos, dada a inexistência de precedentes locais, uma vez que os tribunais brasileiros ainda não tem entendimento claro e uniforme sobre o tema.
Para a organização da pesquisa foi utilizado o método teórico investigativo considerando-se diferentes opiniões doutrinárias, com o intuito de demonstrar o quanto a problemática é relevante. Além disso, foi realizada consulta à atual legislação brasileira sobre as formas de se tutelar e proteger os direitos do autor, tal a Lei nº 9.610/1998 ( Lei de Direitos Autorais), a Lei nº 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann) e Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet).
Os principais achados do livro dão-se a conhecer de início, na abordagem feita sobre internet e os direitos autorais, seguida de várias informações sobre a trollagem como modelo de negócio10, seus fundamentos econômicos, táticas e exemplos de atuação do mundo. A trollagem à brasileira vem à parte, seguida de relevantes argumentos para uma boa defesa perante os tribunais e orientação às vítimas da trollagem. Antes do final propriamente dito, que ocorre com colação de sentenças estrangeiras, estão arroladas algumas propostas visando à solução do problema, mediante a reforma das leis.
Um último esclarecimento. Vila Potemkin é tido hoje como objeto de escamoteação, um embuste sobre o qual alguém cheio de esperteza constrói um conjunto de edificações que não passam de artefatos vazios. O exército de trolls, que se replicam ao redor do mundo, vem construindo verdadeiros cenários de filmes, com a finalidade de enganar os incautos de que as ações judiciais diante dos tribunais tem a consistência, precisão e beleza de um teatro Kabuki.
Na lenda russa, o primeiro-ministro Grigori Alexandrovich Potemkin teria ordenado a construção de aldeias portáteis ao longo das margens do rio Dnieper, a fim de impressionar a imperatriz e sua comitiva. No caso da trollagem, para impressionar os usuários, os trolls armaram um espetáculo sem precedentes, por todas as vias da internet com ameaças de processos faz de conta, sem fundamentação jurídica, sem prova, tudo feito para dar aparência de legalidade e assim conseguir acordos rápidos e financeiramente vantajosos.
Os fogos de artifícios arderam brilhantes quando explodiram na década de 2010, traduzidos em expressivas vitórias nos tribunais americanos. Até que se descobriu que as mansardas da prosperidade não passavam de artefatos de madeira e pintura falsos. E o castelo de cartas desmoronou em todo o mundo…
Rastreando os rastreadores na vila Potemkin da trollagem de direitos autorais [11] é leitura que se recomenda a membros do judiciário, em geral, e especialmente, aos advogados, que não devem e nem podem ser enganados pelos autores de ações cuja causa de pedir envolvem danos sobre o funcionamento do serviço peer-to-peer, via protocolo BitTorrent. É útil também a todos com interesse em trollagem de direitos autorais, desejosos de conhecer melhor como pessoas e empresas operam e precaver-se de um possível ataque no âmbito administrativo e judicial.
NOTAS E REFERÊNCIAS
[1] Conceito atribuído à juíza Denise Cote, do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York. Por definição, da Wikipédia, “Troll de direitos autorais s é um termo pejorativo para uma parte que impõe direitos autorais s que possui para fins de ganhar dinheiro através de litígios, de uma maneira considerada indevidamente agressiva ou oportunista, geralmente sem produzir ou licenciar as obras que possui para distribuição paga”.
[2] DeBRIYNY, James. Shedding Light on Copyright Trolls: An Analysis of Mass Copyright Litigation in the Age of Statutory Damages. UCLA Entertainment Law Review, 19 (1). http://dx.doi.org/10.5070/LR8191027150. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/6cw1p518. Acesso em: 10 mai 2022.
[3] McDermott v. Monday, LLC, 17-cv-17cv9230 (DLC), 2018, 2018 WL 5312903 (S.D.N.Y. 26 de outubro de 2018).
[ 4] Matthew Sag e Jake Haskell, Defense Against the Dark Arts of Copyright Trolling, Iowa L. Rev., 101, 107 (2017). Os autores do estudo observam que o percentual caiu para 37% em 2016 depois que um importante troll de direitos autorais, Malibu Media, perdeu um caso no início de 2016, voltando a aumentar posteriormente.
[5] Pornografia, Pirataria e BitTorrent. A indústria cinematográfica monta uma estratégia legal esboçada em resposta a downloads ilegais. Disponível em: https://www.seattleweekly.com/news/porn-piracy-bit-torrent/. Acesso em: 20 mai 2022.
[6] MORTENSON, Gregory. BitTorrent Copyright Trolling: A Pragmatic Proposal for a Systemic Problem. Seton Hall Law Review: Vol. 43: Iss. 3, Article 7. Disponível em: https://scholarshiip.shu.edu/shlr/vol43/iss3/7. Acesso em: 30 mai 2022.
[7] Case 1:19-cv-00169-LEK-KJM. Disponível em: https://torrentfreak.com/images/yts-segaran-techmodo.pdf. Acesso em: 21 mai 2022.
[8] Disponível em: https://yts.rs/. Acesso em: 30 mai 2022.
[9] O advogado pode acessar livremente qualquer processo eletrônico, mesmo não possuindo procuração nos autos. A conclusão é do CNJ, que em Procedimento de Controle Administrativo 0000547-84.2011.2.00.0000, tornou sem efeito o Provimento 89/2010, do TRF da 2ª Região, e a Resolução TJ/OE 16/2009, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão tomo por base a resolução 121 do CNJ, que assegura a todos os advogados o acesso automático aos processos alheios, mesmo que promova rastreamento instantâneo para fins de responsabilização por eventuais condutas ilegais, como se observa no art. 3º daquele normativo. Disponível em: https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=htTp%3%2F%2F www.conjur.com.br%2Fdl%2Fprocedimento-controle-admiNistrativo.docx&wdOrigin=BROWSELINK. Acesso em: 13 maio 2022.
[10] ALDERFER, Henry D. Of pornography pirates and privateers: applying FDCPA principles to copyright trolling litigation. William and Mary Law Review Vol. 56 Nbr. 2, November - November 2014.
[11] É possível se encontrar na internet títulos de artigos como Tracking the Trackers (rastreando os rastreadores, em vernáculo). Ressalve-se, contudo, que os títulos de obras somente é protegido “se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor (art. 10 da LDA)."
LIMA, José Erigutemberg Meneses de. Rastreando os rastreadores: na vila Potemkin da trollagem dos direitos autorais. Disponível em: https://clubedeautores.com.br/livro/rastreando-os-rastreadores. Acesso em: 20jun 2022.