RASTREANDO OS RASTREADORES NA VILA POTEMKIN DA TROLLAGEM DOS DIREITOS AUTORAIS

Recentemente a mídia alternativa alertou em diversas plataformas sobre a atuação dos copyright trolls no Brasil. Milhares de brasileiros passaram a ser assediados por e-mails e cartas com ameaças de processo judicial, caso, como usuários de protocolo BitTorrent, não aceitassem pagar determinado valor a título de indenização, isto no âmbito administrativo, pela baixa de filmes pertencentes a grandes produtoras americanas.

A doutrina nacional é carente na abordagem do tema tratado por alguns como “trollagem dos direitos autorais” que vem vitimando usuários da internet desde os anos 2010, nos Estados Unidos, na União Europeia e na Oceania, chegando, quase uma década depois, ao Brasil.

Tentando entender melhor o tema, enfronhei-me em leituras de artigos nacionais e estrangeiros e decidi organizar em livro o que penso ter aprendido sobre o assunto. Em 09 do mês em curso, lancei “Rastreando os rastreadores na vila Potemkin da trollagem dos direitos autorais”., em cuja apresentação consignei:

"A Declaração Universal dos Direitos Humanos, especial­mente no art. 19, garante que “Todos têm direito à liberda­de de opinião e expressão, o que implica o direito de não ser incomodado por suas opiniões e o direito de buscar, re­ceber e transmitir, independentemente das fron­teiras, infor­mações e ideias por qualquer meio de expres­são”.

O Brasil, como um dos signatários originais da De­claração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), adota­da e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, in­corporou na Constituição Federal de 1988 muitos dos prin­cípios ali estabelecidos, como o acesso à cultura, insculpido no inciso XXVII do art. 5º, segundo o qual “Todo homem tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.”

Pelos prismas da DUDH ou da Constituição Fede­ral, a transferência de arquivos não comerciais pela inter­net, em quaisquer dos aplicativos disponíveis para este fim, é, portanto, um direito humano universal, uma vez que os arquivos baixados e transferido são fontes de informação e cultura?

A resposta é controversa, pois muitas vezes o mun­do fático e o mundo jurídico não ocupam a mesma órbita da dimensão espaço-tempo. Tanto é que de há muito o direito à cultura e informação vem sendo mitigado por leis de prote­ção à atividade intelectual e aos direitos de autor. No mun­do em transformações em que os CD's foram superados ra­pidamente pelo Spotify, a TV a cabo por serviços como Netflix e Globoplay, provedoras de filmes e séri­es de televi­são via streaming e os livros impressos pelos e-books a po­pulação menos favorecida permanece à margem do admirá­vel mundo novo, sendo o direito autoral ferre­nhamente tute­lado e mesmo assim dito mal protegido na internet.

O preço do ingresso de um filme tornou-se proibiti­vo para os mais pobres, advindo daí o aumento exponenci­al da prática dos downloads com o uso de uma tecnologia de baixo custo, mesmo que em desrespeito ou violação às re­gras legais de proteção aos autores. Talvez alguns dos downloaders sequer saibam que estejam cometendo um ilícito, por desconhecimento da lei. Outros, achem que às vezes fazer a coisa errada pelas razões certas é melhor do que fazer a coisa certa pelas razões erradas, por não conse­guirem esperar que seus filmes favoritos sejam exibidos na tela da TV aberta.

Exemplo marcante dos novos tempos de caça e proi­bição de aceso à cultura e lazer são as recentes e abu­sivas trollagens de direitos autorais realizadas pelos cha­mados copyright trolls [1], grupo ativo na União Europeia, Austrália, Canadá e Estados Unidos, desde o limiar do sé­culo, e che­gado tardiamente ao Brasil, quando os tribunais do mundo já se impacientavam com a prática duvidosa, baseada em suposta violação de direitos sobre imagens, músicas, fil­mes, séries e programas de televisão, via tec­nologia BitTor­rent, buscam, via extrajudicial, compensa­ção excessi­va de inocentes e infratores que baixam obras protegidas, sem intenção de lucro, usando a justiça como arma de apoio.

Os grandes grupos da mídia internacional e os usuá­rios comuns da internet que suprem seu desejo de incorpor­ação à so­ciedade da informação e de usufruírem de algum entretenimento no âmbito familiar, realizando download de produtos audiovisu­ais, se mantêm em cerrada queda de bra­ços, com a disputa pen­dendo o mais das vezes para o lado mais forte.

Não se pretende tomar partido da pirataria digital, sendo tolerante com condutas que causem sérios prejuízos à indústria cinematográfica, ao Fisco pelo não pagamento de imposto, bem como aos comerciantes legalmente instituí­dos. Por óbvio, esses ao ter seus direitos autorais violados podem seguir em busca de soluções judiciais ou não para que terceiros cessem as atividades de distribuição de conteú­do não autorizado.

O objetivo mediato é fazer ver que as restrições le­gais de uso devem ser aplicadas aos grandes agentes movi­dos pelo lu­cro, já que em países como o Brasil, o direito a participar da vida cultural e a fruir as artes têm seu exercí­cio especialmente dificultado aos usuários comuns, em fun­ção das desigualdades sociais, dos altos preços dos produt­os, da escassez de políticas públicas e de aparelhos cul­turais que possibilitem acesso à cul­tura.

Não esquecer da desídia do estado que, mesmo obri­gado pelas determinações da DUDH e pelos comandos da CF não ga­rante o pleno exercício dos direitos culturais e acesso as fontes de cultura, seja apoiando e incentivando a difusão das manifes­tações culturais na forma do art. 215, por meio de ações e meca­nismos introduzidos pela Emen­da Constitucional 48/2015.

Já o propósito imediato, assemelhado ao pensamen­to do Matthew Sag, professor de direito na Loyola Univer­sity Chicago School of Law e Diretor associado do Institute for Consumer An­titrust Studies e Jake Haskell, especialista em direito intelectual em Chicago, autores do artigo Defesa Contra as Artes das Trevas da Trollagem de Direitos Auto­rais, é oferecer argumentos dentro de uma estrutura legal e pragmática para a defesa contra trolls de direitos auto­rais. Na abertura do artigo, hoje uma refe­rência para os aficiona­dos do tema, os autores justificaram a obra com o seguinte argumento.

" Não temos interesse em excluir a possibilidade de lití­gio de compartil­hamento de arquivos em si, e gostaría­mos de uma aborda­gem mais direcionada na qual as reivindicações fossem bem argu­mentadas, apoiadas por evidências adequadas e dire­cionadas predo­minantemente a infratores reais de direitos auto­rais. "

Em outro, consignaram que,

Apesar de sua fraqueza subjacente, os demandantes explora­ram as assimetrias de informação, o alto custo dos litígios em tribu­nais fede­rais e a ameaça extrava­gante de danos legais por viola­ção de direitos autorais par alavancar acordos de culpa­dos e inocentes. Acre­ditamos que a trollagem de direitos auto­rais con­tinua lucrativa principalmente porque os tipos de advo­gados que normalmente defenderiam clientes deste tipo de vitim­ização não conhecem o suficiente sobre a lei e a tecnologia envolvida par alutar. Além disso, os advo­gados que tem o tipo certo de expe­riência geralmente são muito caros par afazer va­ler a pena de­fender esses casos. Um punhado de advogados de defesa de es­pírito público superaram essa divisão e estão de­fendendo com su­cesso esses casos, mas é somente quando seu conhecimento e expe­riência se tornarem amplamente difundi­dos que esses trolls de direitos autorais específi­cos retrocederão para a escuridão de onde vieram.

Observação idêntica fez James DeBriyny, no artigo Lan­çando luz sobre trolls de direitos autorais: uma análi­se do lití­gio de direitos autorais em massa na era dos da­nos estatutários, onde, discorrendo sobre o impasse entre lei de direitos autorais e a internet, assinalou:

"Este artigo não sugere que a violação de direitos autorais seja moralmente justificada ou que a lei não deva proteger os deten­tores de direitos autorais contra a violação. Em vez disso, este artigo ilumina a estrutura de incentivos que leva ao uso indevi­do do processo judicial por parte dos detentores de direitos au­torais para monetizar a violação de maneiras que deixam os al­vos com pouca escolha a não ser resolver." [2]

A pauta dos tribunais federais americanos com ações de direitos autorais abarrotou-se tanto que, entre 2014 e 2016, pas­saram a representar quase metade de to­dos os casos de direitos autorais protocolados no judiciá­rio, sendo desconhecidos o nú­mero de acordos extrajudici­ais firmados por pessoas que cede­ram aos achaques, ater­rorizadas com o método de cobrança ameaçador. “A esti­mativa é que o nú­mero de famílias america­nas que receber­am uma carta com pedido de acordo dos queixo­sos que consideramos trolls de direitos autorais está na casa das centenas de milhares”, como afirmado por Sag e Haskell.

Ainda de acordo com os pesquisadores de Iowa, “É im­possível saber com certeza quantos indivíduos ino­centes resol­veram esses casos e em que termos. No entan­to, nos­sas discus­sões com vários advogados de defesa nos últi­mos três anos, su­gerem que esses casos são resolvidos en­tre US$ 1.000 e US$ 8.000 e que estes advogados acredi­tam que até um terço de seus clientes são inocentes.”

No Brasil, a luz de alerta deve ser acionada, já que se co­nhece, pelo menos, quatro escritórios de advocacia, do eixo Por­to Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e São Pau­lo (SP), que, agindo organizadamente, parece compartilhar da­dos de usuários do protocolo BitTorrent, visando a implem­entar a franquia de negócios no país.

“O sucesso de um troll de direitos autorais deriva não da Lei de Direitos Autorais, mas da lei de grandes nú­meros.” [3] Este jargão corrente no mundo inteiro faz com que nos lembremos que embora Deus não dê asas a co­bras elas voam, embora voo não seja o termo mais apro­priado: algu­mas cobras planam… As cobras alimentadas com a trolla­gem devem ser combatidas e contidas, antes de ga­nharem musculatura suficiente para planar em voo li­vre so­bre os usuários da internet nos tribunais brasilei­ros, como ocorri­do nos tribunais federais americanos onde os casos de direitos autorais em 2014 ocupavam 52% dos ajuiza­mentos e 58% em 2015. [4]

O que se pretende é evitar que os litígios em massa que transformaram a justiça dos Estados Unidos em acessór­io para uma máquina de extorsão, se espalhe no ju­diciário brasileiro. É, em outras palavras, não permitir que os maus exemplos de assé­dio, como ocorrido em Seatle, chegue até nós. Em maio de 2011, uma senhora quedou-se surpreendida com uma carta ende­reçada ao marido acusa­do de baixar ilegalmente um filme por­nográfico. O absur­do dessa história é que o marido era “legal­mente cego, com vi­são cerca de 1/100 da pessoa com visão nor­mal, sendo fisi­camente incapaz de assistir qualquer filme as­sistir a qual­quer filme.” [5]

Mas que também fique claro, embora o termo troll tenha ga­nhado uma conotação negativa, a violação de direi­tos au­torais é um problema real que pode afetar o sustento de pequenos es­critores, fotógrafos e artistas desconhecidos que atuam fora da grande mídia. Estes dependem tanto da proteção da lei de direi­tos autorais quanto da rentabilidade dos grandes estúdios na in­dústria cinematográfica e dos editores do mercado literário que publicam fisicamente e em plataformas digitais na web. Como se vê, nem todos que procuram o judiciário em busca de preser­var seus direitos contra infratores são ou devem ser caracteriza­dos como trolls de direitos autorais.

Melhorando a distinção entre alhos e bugalhos, diz Gre­gory S. Mortenson,

"para cada troll de direitos autorais que espera extorquir dinhei­ro fácil de cidadãos desavisados, provavelmente há um criador de conteúdo genuíno interessado em proteger o mercado para seu trabalho. Da mesma forma, para cada réu possivelmente inocen­te que se ver obri­gado a escolher entre lutar contra as acusações falsas no tribunal ou fazer um acordo, provavelment­e há um in­frator de direitos autorais que violou a lei conscien­temente e vo­luntariamente e, portanto, deve ser punido." [6]

E embora a prática seja deplorável, mesmo os trolls têm o direito de reivindicar violação se atenderem às condiç­ões mo­rais e legais estabelecidas nas normas proces­suais. O comporta­mento relatado pela mídia sobre a atua­ção dos trolls no país, en­tretanto, mais prejudica a causa da grande maioria dos proprie­tários de obras protegidas do que os be­neficiam, no sentido de não buscarem o desincenti­vo ao uso fraudulento da baixa de ar­quivos ou da pirata­ria di­gital, mas, criar um canal de renda al­ternativo.

Sob o manto da lei dos direitos autorais, em outros ter­mos, os detentores de direitos devem ser capazes de levar aos tribunais reivin­dicações justas e legítimas, e não recorr­erem a táticas duvidosas visado à extração de dinheiro de supostos in­fratores. Muito deles acusados, às vezes, injustam­ente por falhas no sistema de monitoramento dos endereços de IP ou internet protocol, padrão para endereça­mento e rotea­mento de dados na internet que por si só é in­capaz de apoiar a alegação de que um indivíduo seja culpa­do de vio­lação.

Entre nós, os tribunais não têm considerado a bai­xa de arquivos para uso privado, sem objetivo de lucro, como pirata­ria, e sim, os casos envolvendo cópias e venda de mí­dias físicas, a exemplo de CDs, DVD, fraude aos servi­ços de streaming, cen­trais que disponibilizam milhares de obras irregulares, entre ou­tros dispositivos e serviços. Até aqui se tem conhecimento de ra­ríssimas ações, em que a ra­zão para a decisão (ratio descidendi), esteja centrada em downloads de filmes via tecnologia peer-to-peer. Conhec­em-se duas ações trami­tando na jurisdição brasilei­ra, mane­jadas por um escritório representante da Outpost Pro­ductions, Inc. Ambas decor­reram das informações requeridas pela Process Management Ltd. à operadora Claro S.A., propriet­ária da NET Virtua, na justiça cível de São Paulo.

Mas há relatos de que mais de cinquenta mil usuá­rios es­tão sendo alvo de avisos extrajudiciais preparatórios de ações ju­diciais semelhantes às movidas por estúdios de ci­nema e outras empresas produtoras de conteúdo cinema­tográfico, detentoras dos direitos sobre vários títulos.

Em comum todas as entidades litigantes no Brasil estão diretamente ligadas à Millenium Media, cujas afilia­das, nos Es­tados Unidos, processaram e, em seguida, che­garam a um acor­do com o site torrent YTS. [7] O curioso é que depois de o primeiro acordo ter sido anunciado, as afiliadas começaram a ingressar no judiciário com ações indenizató­rias movidas contra usuários do YTS, com base em informa­ções que pareciam ter vindo direta­mente do banco de dados do site torrent YTS.[8]

Aqui no Brasil, a ação de produção antecipada de prova requerida da opera­dora Claro S.A. expôs um total de cinquenta e três mil e seiscentos uploads e compartilhament­os dos filmes Hell­boy, Invasão ao Serviço Secre­to e Rambo: Até o Fim, regist­rados entre 2019 e o iní­cio de 2020.

Instruindo a ação, a empresa apresentou uma lista de en­dereços IPs, obtidos com uma ferramenta forense, per­tencente a supostos responsáveis pelo download dos filmes e pediu que a ope­radora apresentasse os dados pes­soais cor­respondentes aque­les endere­ços, para, com o prévio conhe­cimento dos fatos, deci­dir sobre o início ou não do ajuiza­mento de ações indenizatórias.

O número de usuários contatados poderá subir exponenc­ialmente já que em março de 2022, foram ajuizadas mais três ações de produção antecipada de provas, visando a ob­ter mais dados de usuários dos provedores Oi, TIM e Telefônica (Vivo). Ainda em trâmite, duas ações indeniza­tórias foram pro­tocoladas no TJRJ 0076603-43.2022.8.19.0001 e 0076870-15.2022.8.19.0001 e uma no TJSP, processo 1028846-35.2022.8.26.0100.

Apesar do fervor da mídia, esta não é a primeira vez que os escritórios brasi­leiros agem em nome das produtoras america­nas. Em 2019, a operadora mineira Algar Telecom foi obrigada a entregar os dados pessoais de clientes que baixaram o filme Fúria em Alto-mar.

Os processos instaurados no Brasil servirão de base a al­gumas considerações que se pre­tende úteis a uma defesa judicial consubstancia­da de bons argumentos, sem, entre­tanto, se emitir valores sobre eventuais fragilidades existen­tes nos casos relata­dos. [9]

No campo doutrinário, trabalho de significativa import­ância para a elaboração deste livro, por demonstrar as fragilida­des da metodologia dos agentes de monitoramento contratados pelos produtores de conteúdo, é o artigo Desa­fios e orientações para monitorar redes de compartilha­mento de arquivos P2P ou porque minha impressora rece­beu um aviso de remoção DMCA, de Michael Piateky, Ta­dayoshi Kohno e Arvind Krishnamurthyy, membros do De­partamento de Ciência e Engenharia de Compu­tação da Universidade de Washington.

Para conhecer os fundamentos econômicos da trol­lagem de direitos autorais, revisou-se o artigo Copyright Trolling, um estudo empírico, em que Mateus Sagy, profess­or da Loyola Uni­versity Chicago School of Law e Di­retor Associado de Proprie­dade Intelectual do Institute for Consumer Anti-trust Studies.

Outros trabalhos da doutrina estrangeira, principal­mente americana como Nação infratora: reforma de direi­tos autorais e a lacuna entre lei/norma, do Professor de Di­reito da Universida­de de Utah, S. J. Quinney College of Law, John Theranian e Trol­lagem de direitos autorais Bittor­rent: uma proposta pragmática para um problema sistêmi­co, de Gregory S. Mortenson e Lan­çando luz sobre trolls de direitos autorais: uma análise do lití­gio de direitos au­torais em massa na era dos danos estatutários, de James De­Briyny deram musculatura às ideias desta obra. Nesta livro, o autor analisa o modelo de negócios de litígio em massa usado pelos trolls de direitos autorais e a influência dos al­tos custos legais na opção dos réus, que preferem aceitar acor­dos desfavoráveis, ao invés de recorrerem ao judiciá­rio.

Dos especialistas brasileiros, de suma importância foi o trabalho Direito autoral e Marco Civil da Internet, de Marcos Wachowicz, por lançar uma perspectiva inovadora sobre os di­reitos e garantias individuais inerentes à socieda­de informacio­nal. Propriedade intelectual, de Newton Sil­veira, também teve relevância por destacar a propriedade in­telectual sob diversos âm­bitos, proporcio­nando ao leitor uma ampla visão acerca da pro­priedade in­telectual, seus avanços e pontos de conflito.

Em Direito e internet, liberdade de informação, privacid­ade e responsabilidade civil, a autora Liliana Mi­nardi Paesani dedica especial atenção à censura, à tutela do direi­to de autor e à proteção da privacidade na Internet. De Por­tas Lógicas e registros de acesso: das possibilida­des técni­cas aos entendi­mentos dos tribunais brasileiros, publicado pelo Instituto de Re­ferência em Internet e Socie­dade, apre­ciou-se o questiona­mento sobre a obrigação le­gal de arma­zenamento dos dados re­ferentes as portas lógicas.

Diversos artigos, publicados em diferentes plataform­as, como o site Jusbrasil.com.br, a exemplo de “Usuários de tor­rent recebem cobrança no valor de R$ 3.000,00 no Bra­sil”, de Roberto Cola­lillo Júnior foram consultados. E para além dessas leituras, reali­zou-se análise multidisciplinar, abordando temas relacionados à área da tecnologia da infor­mação e internet e também interdisci­plinar ao percor­rer diferentes ramos do direito, como direi­to constitucional, direito civil, direito autoral e direito penal. Teve-se ainda como apoio à pesquisa, a análise da ju­risprudência fixa­da por tribunais estrangeiros, principal­mente americanos, dada a inexistência de precedentes lo­cais, uma vez que os tribu­nais bra­sileiros ainda não tem entendimento claro e unifor­me sobre o tema.

Para a organização da pesquisa foi utilizado o métod­o te­órico investigativo considerando-se diferentes opi­niões doutri­nárias, com o intuito de demonstrar o quanto a problemática é relevante. Além disso, foi realizada con­sulta à atual legislação brasileira sobre as formas de se tute­lar e proteger os direitos do autor, tal a Lei nº 9.610/1998 ( Lei de Direitos Autorais), a Lei nº 12.737/2012 (Lei Caro­lina Dieckmann) e Lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Inter­net).

Os principais achados do livro dão-se a conhecer de iní­cio, na abordagem feita sobre internet e os direitos auto­rais, se­guida de várias informações sobre a trollagem como modelo de negócio10, seus fundamentos econômicos, táticas e exemplos de atuação do mundo. A trollagem à brasileira vem à parte, seguida de relevantes argumentos para uma boa defesa perante os tribu­nais e orientação às vítimas da trollagem. Antes do final propria­mente dito, que ocorre com colação de sentenças estrangeiras, estão arroladas al­gumas propostas visando à solução do proble­ma, mediante a reforma das leis.

Um último esclarecimento. Vila Potemkin é tido hoje como objeto de escamoteação, um embuste sobre o qual alguém cheio de esperteza constrói um conjunto de edificações que não passam de artefatos vazios. O exército de trolls, que se replicam ao redor do mundo, vem construi­ndo verdadeiros cenários de fil­mes, com a finalidade de en­ganar os incautos de que as ações judiciais diante dos tribu­nais tem a consistência, precisão e bele­za de um tea­tro Ka­buki.

Na lenda russa, o primeiro-ministro Grigori Alexandrovic­h Potemkin teria ordenado a construção de al­deias portáteis ao longo das margens do rio Dnieper, a fim de impres­sionar a imperatriz e sua comitiva. No caso da trol­lagem, para impressionar os usuários, os trolls armaram um espetáculo sem precedentes, por todas as vias da inter­net com ameaças de pro­cessos faz de conta, sem fundament­ação jurídica, sem prova, tudo feito para dar apa­rência de legalidade e assim conseguir acordos rápidos e fi­nanceiramente vantajosos.

Os fogos de artifícios arderam brilhantes quando explod­iram na década de 2010, traduzidos em expressivas vi­tórias nos tribunais americanos. Até que se descobriu que as mansardas da prosperidade não passavam de artefa­tos de madeira e pintura falsos. E o castelo de cartas des­moronou em todo o mundo…

Rastreando os rastreadores na vila Potemkin da trolla­gem de direitos autorais [11] é leitura que se recomenda a mem­bros do judiciário, em geral, e especialmente, aos advogad­os, que não devem e nem podem ser enganados pelos autores de ações cuja causa de pedir envolvem danos so­bre o funcionamen­to do serviço peer-to-peer, via protocolo Bit­Torrent. É útil tam­bém a todos com interesse em trollagem de direitos autorais, desejosos de conhecer melhor como pessoas e empresas operam e precaver-se de um possível ataque no âmbito administrativo e judicial.

NOTAS E REFERÊNCIAS

[1] Conceito atribuído à juíza Denise Cote, do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Sul de Nova York. Por definição, da Wikipédia, “Troll de direitos autorais s é um termo pejorativo para uma parte que impõe direitos autorais s que possui para fins de ganhar dinheiro através de litígios, de uma maneira considerada indevidamente agressiva ou oportunista, geralmente sem produzir ou licenciar as obras que possui para distribuição paga”.

[2] DeBRIYNY, James. Shedding Light on Copyright Trolls: An Analysis of Mass Copyright Litigation in the Age of Statutory Damages. UCLA Entertainment Law Review, 19 (1). http://dx.doi.org/10.5070/LR8191027150. Disponível em: https://escholarship.org/uc/item/6cw1p518. Acesso em: 10 mai 2022.

[3] McDermott v. Monday, LLC, 17-cv-17cv9230 (DLC), 2018, 2018 WL 5312903 (S.D.N.Y. 26 de outubro de 2018).

[ 4] Matthew Sag e Jake Haskell, Defense Against the Dark Arts of Copyright Trolling, Iowa L. Rev., 101, 107 (2017). Os autores do estudo observam que o percentual caiu para 37% em 2016 depois que um importante troll de direitos autorais, Malibu Media, perdeu um caso no início de 2016, voltando a aumentar posteriormente.

[5] Pornografia, Pirataria e BitTorrent. A indústria cinematográfica monta uma estratégia legal esboçada em resposta a downloads ilegais. Disponível em: https://www.seattleweekly.com/news/porn-piracy-bit-torrent/. Acesso em: 20 mai 2022.

[6] MORTENSON, Gregory. BitTorrent Copyright Trolling: A Pragmatic Proposal for a Systemic Problem. Seton Hall Law Review: Vol. 43: Iss. 3, Article 7. Disponível em: https://scholarshiip.shu.edu/shlr/vol43/iss3/7. Acesso em: 30 mai 2022.

[7] Case 1:19-cv-00169-LEK-KJM. Disponível em: https://torrentfreak.com/images/yts-segaran-techmodo.pdf. Acesso em: 21 mai 2022.

[8] Disponível em: https://yts.rs/. Acesso em: 30 mai 2022.

[9] O advogado pode acessar livremente qualquer processo eletrônico, mesmo não possuindo procuração nos autos. A conclusão é do CNJ, que em Procedimento de Controle Administrativo 0000547-84.2011.2.00.0000, tornou sem efeito o Provimento 89/2010, do TRF da 2ª Região, e a Resolução TJ/OE 16/2009, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A decisão tomo por base a resolução 121 do CNJ, que assegura a todos os advogados o acesso automático aos processos alheios, mesmo que promova rastreamento instantâneo para fins de responsabilização por eventuais condutas ilegais, como se observa no art. 3º daquele normativo. Disponível em: https://view.officeapps.live.com/op/view.aspx?src=htTp%3%2F%2F www.conjur.com.br%2Fdl%2Fprocedimento-controle-admiNistrativo.docx&wdOrigin=BROWSELINK. Acesso em: 13 maio 2022.

[10] ALDERFER, Henry D. Of pornography pirates and privateers: applying FDCPA principles to copyright trolling litigation. William and Mary Law Review Vol. 56 Nbr. 2, November - November 2014.

[11] É possível se encontrar na internet títulos de artigos como Tracking the Trackers (rastreando os rastreadores, em vernáculo). Ressalve-se, contudo, que os títulos de obras somente é protegido “se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor (art. 10 da LDA)."

LIMA, José Erigutemberg Meneses de. Rastreando os rastreadores: na vila Potemkin da trollagem dos direitos autorais. Disponível em: https://clubedeautores.com.br/livro/rastreando-os-rastreadores. Acesso em: 20jun 2022.