Algemas, cuidado que os policiais não estão observando. Podem ter problemas quando menos esperar.
Algemas, cuidado que os policiais não estão observando. Podem ter problemas quando menos esperar.
É de fácil observância que, na maioria das vezes, sem qualquer justificativa, suspeitos, indiciados, acusados, etc. são algemados, mesmo os presos provisórios que não apresentam ameaça, não têm antecedentes, cometeram crimes sem violência, e que não oferecem risco à segurança dos operadores do Direito nem da escolta, servindo as algemas (ferros) em muitas vezes para aumentar ainda mais o constrangimento público do autuado.
O presente tema tem por objetivo alertar os policiais antes de serem tomadas medidas punitivas. Devem refletir, pois o uso indiscriminado de algemas tem regulamentação legislativa. Aqui neste País Tupiniquim temos leis para tudo. Caracteriza, sem dúvida, o uso de algemas, quando desnecessário, abuso de poder. O pior de tudo é que valem-se de algemas inclusive naqueles delitos de menor potencial ofensivo, cujo autuado não tem antecedentes criminais e que ao delito cabe acordo de não persecução penal. Ou seja, em tese, nem vai ‘virar’ processo.
Em resumo: quando houver inquestionável imprescindibilidade do uso de algemas, deve esta ser demonstrada e justificada caso a caso pela autoridade ou seu agente, não podendo a necessidade ser deduzida diante da gravidade dos crimes nem da presunção de periculosidade do detento, porque ilegal.
Dessa forma, qualquer hipótese que se afaste dos rígidos comandos da lei sujeitará o infrator às penas do crime de abuso de autoridade, ex vi art. 3º, inc. "i" (atentar contra a "incolumidade física do indivíduo") c/c 4º, inc. "b" ("submeter pessoa sob a sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei"), da lei 4.898/65.
Fica o alerta à chefia responsável pela escolta o dever de verificar e refletir sobre a desnecessidade de exposição do autuado com uso de algemas em casos desnecessários.
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por ‘escrito’, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Há, ainda, previsão expressa do decreto 8.858/16, que regulamenta a lei de execução penal, no mesmo sentido da súmula 11 do STF: excepcionando os casos em que o item pode ser utilizado. Pela sumula 11 só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia.
A respeito do tema, o artigo 199 da Lei de Execução Penal (lei 7210, de 11/7/84), estabelece a obrigatoriedade da normatização do emprego de algemas por decreto federal, assim como, no artigo 40 do mesmo diploma, impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios, endossado posteriormente pelo preceito constitucional previsto no artigo 5º, XLIX, da CF e reiterado no artigo 38 do Código Penal.
O Código de Processo Penal, por sua vez, adverte no artigo 284, que não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. O mesmo estatuto penal, em seu artigo 474, § 3º, determina que não será permitido o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. Ainda no artigo 478, I, do mesmo Código, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências ao uso de algemas como argumento de autoridade, que beneficiem ou prejudiquem o acusado. O Código de Processo Penal Militar, por seu turno, recomenda que o uso de algemas deva ser evitado, a não ser que ocorra perigo de fuga ou agressão por parte do preso (art. 234, § 1º) e, terminantemente, proíbe seu emprego nos presos com direito à prisão especial, nos termos do art. 242 do mesmo estatuto.
Mesmo no período em que não se tinha ainda uma legislação específica sobre o uso de algemas, as jurisprudências do STJ e STF vinham se firmando no sentido de que a utilização de algemas passa a ser legitimada para realizar a prisão, mas somente em casos em que há perigo de fuga ou reação indevida do preso. Assim está explicitado na súmula vinculante 11 do STF: lei. O uso de algemas só é lícito em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros.
O decreto 8.858/16, veio cobrir a lacuna legislativa e elencou as normas a respeito da regulamentação do emprego de algemas, tendo como suporte constitucional o princípio da dignidade da pessoa humana e a proibição de submissão ao tratamento degradante e desumano da pessoa presa. Assim, como que repetindo os dizeres da súmula vinculante 11, permite o uso de algemas nas seguintes hipóteses: a) no caso de resistência à prisão; b) quando ocorrer fundado receio de fuga do preso; c) quando ocorrer perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros; d) em qualquer caso deve ser justificada e fundamentada a excepcionalidade da medida por escrito. Acrescentou, ainda, a vedação do emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a hospitalar e, após o parto, durante o período de hospitalização.
Não tenho e nem quero ser mais realista do que o rei, mas nesta terra de Santa Cruz o problema é mais grave, quando só se percebe o fato (uso de algemas) diante de uma universitária, branca, ‘de família’. Quando "nossos olhos" percebem que, ali, poderia estar a nossa filha, amigo ou parente. Em suma, quando "nós" nos reconhecemos no "outro". Fora disso, valerá a clássica: "negro parado é suspeito, correndo é ladrão"; sendo ainda pobre, uma tragédia.
É comum assistir a realização de prisões de pessoas que gozam de prestígio público por terem exercido cargos relevantes, feitas com alardeamento exagerado, até mesmo com a convocação da mídia para que registre o instante solene da imposição das algemas. É a simbologia do encarceramento, que vai ao encontro da etimologia da palavra, com o significado de pulseira, instrumento utilizado para prender. Muitos detidos procuram até utilizar qualquer vestimenta para ocultar o aprisionamento com ferros, isto quando são atados aos pulsos. Se forem nos tornozelos, impossível. Mas, de qualquer forma, dá-se a impressão que o preso é apresentado como se fosse uma caça abatida.
É indiscutível que, se aquele a ser detido for perigoso ou apresentar periculosidade no ato, não só voltada contra o policial responsável pela diligência, como também para os particulares que, geralmente, curiosos, postam-se como fanáticos assistentes, justifica-se o uso de algemas.
Não quero jamais crer que ainda vige entre nós este preconceito e privilégio, ambos são reprováveis. Acredito que a nossa polícia não tem este viés ideológico. Mas infelizmente é assim que a nossa sociedade ainda enxerga o problema.
De mais a mais tenho que os referidos abusos no uso indiscriminado de algemas, considerando que há regulamentação legal, se assim agem é porque ninguém fiscaliza, incluindo os integrantes do MP e demais autoridades.
É evidente que o uso de grilhões, em situações ímpares, pode ser imprescindível na condução de presos, mas, muitas vezes a cautela de segurança poderá ser conseguida através das escoltas policiais reforçadas e outras providências, sem que se ofenda tão gravemente a dignidade da pessoa, que representa uma das garantias constitucionais. A ofensa à dignidade da pessoa humana é tão patente, tão gritante, tão escandalosa, tão sugestiva, que julgamentos realizados pelo júri são anulados por nossos tribunais quando o acusado é mantido algemado durante a sessão.
Concluindo, como a Constituição da República Federativa do Brasil ordena o respeito à integridade física e moral dos presos, proibindo, a todos, submeter alguém a tratamento desumano e degradante, devendo ser respeitadas a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, o constrangedor e aviltante uso de algemas - um dos maiores símbolos de humilhação ao homem - só pode se dar nas singulares e excepcionalíssimas hipóteses retro mencionadas (art. 284 c/c 292 do CPP) e, mesmo assim, desde que esgotados todos os demais meios para conter a pessoa que se pretende prender ou conduzir.
Repito, quando houver inquestionável imprescindibilidade do uso de algemas, deve esta ser demonstrada e justificada caso a caso pela autoridade ou seu agente, não podendo a necessidade ser deduzida diante da gravidade dos crimes nem da presunção de periculosidade do detento, porque ilegal. Dessa forma, qualquer hipótese que se afaste dos rígidos comandos da lei sujeitará o infrator às penas do crime de abuso de autoridade, ex vi art. 3º, inc. "i" (atentar contra a "incolumidade física do indivíduo") c/c 4º, inc. "b" ("submeter pessoa sob a sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei"), da lei 4.898/65.
Dessa forma, qualquer hipótese que se afaste dos rígidos comandos da lei sujeitará o infrator às penas do crime de abuso de autoridade, ex vi art. 3º, inc. "i" (atentar contra a "incolumidade física do indivíduo") c/c 4º, inc. "b" ("submeter pessoa sob a sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei"), da lei 4.898/65.
Nesses casos, muitos envolvendo pessoas primárias e sem antecedentes criminais, não se justifica o uso das algemas, cabendo ao defensor impugnar o uso indevido e uma vez não apresentada a justificativa por escrito, requerer o relaxamento da prisão.
Para aqueles que se perguntam: qual o prejuízo sofrido pelo preso por estar algemado? A resposta pode ser encontrada nos fundamentos do voto do ministro Marco Aurélio (STF HC 91.952): deve ser levado em conta o princípio da inocência. Ainda que presa, toda pessoa merece o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado democrático de direito. E estes preceitos, por configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no país, repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na necessidade de lhe ser preservada a dignidade. Manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante.
Assim, em homenagem aos princípios constitucionais da inocência e da ampla defesa, bem como pela dignidade da pessoa humana e da vedação de tratamento degradante, a inobservância da súmula gera prejuízo ao preso e deve ser consignada em ata para evitar qualquer alegação de preclusão.
É fato que o juiz pode relaxar a prisão e em seguida decretar a prisão preventiva, mas cabe aos operadores do direito zelar pela observância dos direitos individuais e em especial esta súmula, tão importante e cara ao exercício da defesa.
Ademais, só a impugnação reiterada do uso ilegal das algemas fará com que o procedimento correto seja implementado e a exceção arbitrária não se torne a regra.
Guaxupé, 22/05/22.
Milton B. Furquim