Pandemia aluguel inquilino desprotegido Lei 14.261 vigência termo ad quem
A continuar a pandemia em 2022, e o término do prazo da Lei nº 14.126/21, (31/12/21) que proíbe medidas judiciais, extrajudiciais e administrativas de desocupação, despejos e reintegração de posse, qual a solução, considerando que não foi editada nenhuma medida legislativa regulamentando a situação?
No último dia 09/12/2021, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do pedido de medida cautelar incidental na ADPF nº 828, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), ação na qual pretendia, originariamente, a suspensão, de modo amplo, dos processos, procedimentos ou quaisquer outros meios que visassem a expedição de medidas judiciais, administrativas ou extrajudiciais de remoção e/ou desocupação, reintegrações de posse ou despejos enquanto perdurarem os efeitos sobre a população brasileira da crise sanitária da COVID-19. Posteriormente, com a edição da Lei nº 14.216.2021, propugnou-se pela extensão dos seus efeitos.
A Lei nº 14.216/21, tem como propósito a instituição de medidas excepcionais tendo em vista a emergência em saúde pública decorrente da infecção pelo coronavírus, consistente na suspensão, até 31 de dezembro de 2021, do cumprimento de medidas judiciais, extrajudiciais ou administrativas que possam acarretar a desocupação ou a remoção forçada em imóvel privado ou público, exclusivamente urbano, bem como a proibição de concessão de liminares em ação de despejo de que trata a Lei de Locação, em especial tratando-se de imóveis cujo valor de aluguel não ultrapasse, no caso de locação com fins residenciais, o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), e na hipótese de locações comerciais, o montante de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais).
A dita lei, a partir de 2022 torna-se totalmente inócua, pois não mais vigente, eis que sua vigência como dito vai até 31/12/21, de modo que benfazeja Lei 14.216/21 é de caráter temporário, tempo esse insuficiente para o resguardo das situações que elenca a partir do ano 2022.
Então como resolver a questão a repetir-se em 2022? Ficarão os cidadãos a ver ‘navios’ quando em 2021 tiveram seu ‘porto seguro’, isto, estiveram protegidos de qualquer medida que pretendam decretar o despejo de inquilino.
Pois bem. Sem a prorrogação formal da referida Lei, por certo estarão os inquilinos com a ‘espada de Dêmocles’ em suas nucas, pois sem nenhuma garantia de obstar os pedidos de despejos.
Só resta, então, que os magistrados, diante do vírus ainda presente e fazendo suas vítimas, analise de forma criteriosa e imbuído de muito bom senso, ainda que casuisticamente, sobre a aplicação da não vigência/prorrogação da lei aos casos que aportarem para apreciação e decisão.
Justifica a análise subsidiada no bom senso para a aplicação da Lei nº 14.216/21, mesmo após o termino de sua vigência, isso porque, como observou Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Thiago Ferreira Cardoso Neves, em artigo publicado no GENJURÌDICO de 15.dez.2021, “o cenário atual ainda é de grande preocupação, sem descurar da grave crise econômica que assola o país, com o aumento da inflação e dos juros. A retomada da normalidade, assim como o próprio fim da pandemia, ainda se revela, infelizmente, distante, de modo que a limitação temporal imposta pelo legislador reduz a sua eficácia no propósito de atendimento aos fins sociais a que ela se destina.
Em razão do dies ad quem 31/12/21 ocorra o término de vigência da lei, advogo a tese de que ela deve servir de fundamento para reflexão do magistrado, no momento da análise dos pedidos de retomada de imóveis urbanos públicos e privados, notadamente quando da decisão dos pedidos liminares formulados pelas partes.
Há, ainda, é bem de ver, com relação às ocupações ocorridas durante ou não a pandemia, desde, é claro, que os imóveis sirvam de moradia para populações vulneráveis, o Poder Público poderá́/deverá atuar a fim de evitar a desocupação ou despejo, encaminhando as pessoas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada (pagando aluguéis) nos casos de locações residenciais em que o locatário, repito, seja pessoa vulnerável, mantida a possibilidade da ação de despejo por falta de pagamento, com observância do rito normal e contraditório.
O ideal, por óbvio, é que o Legislativo venha a prorrogar a vigência da referida Lei para enquanto durar a pandemia a fim de que se mantenha a suspensão das desocupações coletivas e dos despejos, repito, enquanto perdurassem os efeitos da crise epidêmica.
Assim, com fundamento nesse entendimento, caso não haja a prorrogação da Lei nº 14.261/21, dada a persistência dos efeitos da pandemia e, enquanto ela não for deliberada, os magistrados deverão, criteriosamente e com muito bom senso, determinar a suspensão das ordens de desocupação e despejo, tanto em áreas urbanas quanto nas rurais, mas tudo de acordo com os critérios previstos na Lei nº 14.216/2021.
Não podemos ser mais realista que o rei: a pandemia ainda não acabou. O surgimento de novas variantes, a vacinação ainda reduzida em vários países, além de outros fatores (como a irrestrita “abertura” de eventos e festividades propostas em diversos locais), têm levado especialistas a cogitarem uma permanência do estado epidêmico, com idas e vindas, avanços e retrocessos, com a consequente manutenção das cautelas necessárias a evitar a propagação do vírus por pelo menos alguns anos.
No entanto, segundo Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Thiago Ferreira Cardoso Neves, uma “canetada” não é capaz de pôr fim à crise epidêmica e, muito menos, erradicar o vírus, de modo que estabelecer uma data específica para o fim das medidas excepcionais de proteção dos interesses das pessoas durante a pandemia não parece ser a melhor solução.
Por isso, sobretudo, que a fixação de um marco temporal tenha como propósito criar parâmetros objetivos para atendimento do valor da segurança jurídica, defendo que a manutenção dos efeitos das medidas impostas pela Lei nº 14.216/2021 deve se dar sine die, isso em nome da tutela da dignidade da pessoa humana, valor tão caro à sociedade que, no caso do Brasil, foi erigido a fundamento e, portanto, pilar do Estado Democrático de Direito.
Como ainda há período de tempo de incidência das normas temporárias contidas na Lei n°14.216/2021, tenho que é possível, basta boa vontade política e estar imbuído de sentimento humanitário, ser possível no sistema jurídico brasileiro, a iniciativa, tramitação e aprovação em regime de urgência de projeto de lei para estender a aplicação das normas temporárias até o fim da pandemia (oficialmente reconhecido por ato formal do Poder Público, baseado nas informações apresentadas pelos cientistas).
Alea jacta este!
Extrema, 19/11/21.
Milton Biagioni Furquim