Prisão. Delegado Polícia. Investigador. Extorsão. Preso.
Vistos, etc.
Requereu o representante do Ministério Público em exercício na Comarca, o ilustre Promotor de Justiça Dr. Marco Antônio Meiken, por dependência aos autos do inquérito policial requisitado junto à Corregedoria Geral da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, a decretação da prisão preventiva do Delegado de Polícia Dr. L.S.M, e do agente de polícia P. A. de S. M., ambos qualificados, para tanto alegando as razões de fato e de direito adiante articuladas.
Diz o Promotor de Justiça que o Delegado de Polícia Dr. LS, nos autos do IP nº 109/09, representou pela decretação da prisão temporária de MB, em princípio suspeito de ter recebido dinheiro proveniente de roubo perpetrado por FCSoutros, nesta Comarca. Deferida a prisão temporária, o Delegado de Polícia, em conluio com o agente de polícia PASM, seu sobrinho e homem de confiança, sistematicamente, passou a exigir de MB, dos seus familiares e do seu advogado Dr. Alberto Xavier, diretamente e no exercício de sua função policial, indevida vantagem, para não representar pela prorrogação da prisão temporária e/ou a preventiva, inclusive tendo a prisão temporária sido prorrogada pelo juiz plantonista.
Relata, ainda, que diante das informações que lhes foram repassadas, houve por bem reduzir a termo declarações do preso MB, de seus familiares, de testemunhas e do advogado Dr. Alberto Xavier, sendo que este, inclusive, logrou gravar parte das conversas travadas com as autoridades policiais, cf. mídia de fls.
Continua o relato afirmando que, frustrada a possibilidade de obtenção de vantagem indevida em razão da liberdade do preso Michel, subliminarmente, ambos tentam, a todo custo, persuadir MB e o advogado Dr. Alberto a absterem de tomar medidas judiciais em virtude da prisão ilegal e das exigências de vantagens indevidas, para tanto comparecendo ao escritório do causídico, chegando, inclusive, a pedir ao advogado que se afaste do caso, dando a entender que a responsabilidade pela iniciativa da prisão era do Promotor de Justiça e do Juiz de Direito.
Afirma, também, que os policiais deixam nítida a intenção de que, com o afastamento do advogado Dr. Alberto Xavier do caso, sejam, pelo Michel, contratados os advogados Dr. Fred e Dra. Mariana, que são de suas confianças para que, uma vez atuando no caso, possam intermediar pagamento de propinas.
Em continuidade à sua narrativa, diz que em face da gravidade do fato, houve por bem reunir-se com os Delegados de Polícia Corregedor, Regional e Seccional a fim de noticiar os acontecimentos, bem como requisitar a abertura de inquérito policial – IP nº 159.349/2009 – Corregedoria Geral de Polícia, ficando acordado na referida reunião a imediata transferência dos policiais, sendo que tal não se deu até o presente. Ocorre que os policiais, uma vez informados pelo Delegado Corregedor de Polícia sobre a acusação que pesam contra si, na data de hoje – 28/09/09, sem qualquer razão de direito e de fato estiveram no escritório do advogado Dr. Alberto Xavier, situado no Município de Águas de Lindóia/SP para intimidá-lo, sendo que o advogado acabou comparecendo na Promotoria de Justiça daquela Comarca para prestar declarações que, ato contínuo foram encaminhadas via fax ao requerente, cf. fls.
Por fim aduz que há informações dando conta de que os policiais – Delegado e agente de polícia, vem praticando crimes análogos reiteradamente que serão esclarecidos oportunamente. No mais discorre sobre a necessidade da decretação da prisão preventiva para a garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal, sobretudo pelo fato de que, se soltos, no exercício das funções, irão intimidar os envolvidos, fato já, cf. relatado, verificado.
Decido.
Examinei com a percuciência necessária, em especial por se tratar de requerimento de prisão preventiva de autoridades policiais – delegado e agente de polícia, todo o material amealhado – declarações do coagido MB, testemunhas, advogado Dr. Alberto Xavier, gravações - mídia, neste início de procedimento administrativo policial, para, alfim e ao cabo do exame, concluir que o pedido de prisão preventiva dos acusados deve ser atendido.
Extrai-se do material coletado que o Delegado de Polícia, Dr. L, bem como o agente de polícia P, sobrinho do Delegado, em contato com MB, exigiram a quantia de R$8.000,00 para a sua libertação, bem como para que não fosse requerida a sua prisão preventiva.
A demonstrar as coações e exigências, basta uma vista d´olhos, ainda que an passant, nas declarações de MB e de seus familiares.
Em continuidade à sanha para extorquir o acusado Michel, o Delegado e o agente de polícia não mediram esforços e consequências, agora, coagindo e exigindo do advogado Dr. Alberto Xavier, quer pessoalmente nas dependências da Delegacia de Polícia, quer no seu escritório, a sua intervenção junto aos familiares de Michel para que providenciassem a quantia de R$16.000,00, sendo que a quantia de R$8.000,00 era para informar a família que se destinava a pagamento de honorários advocatícios, a fim de que, além de libertá-lo, não representaria junto ao Juízo pela decretação de sua prisão preventiva em substituição à prisão temporária.
Colho dos autos, sem a mais mínima dúvida, que os policiais civis – Delegado e agente policial, no exercício de suas funções, exigiram do acusado, indevidamente, a quantia de R$16.000,00, bem como, ainda, ameaçaram o Dr. Alberto Xavier, advogado do MB, a intervir junto aos seus familiares para que providenciassem o dinheiro. Consigno que, se as declarações, em princípio possam estar carregadas de subjetividades de forma a não dar o devido valor para a decretação da prisão preventiva, a mídia – gravação, não deixe dúvida de que, realmente, os policiais, de forma indevida e criminosa, fizeram exigência e gestão para obtenção de valores do MB e de sua família.
As exigências de vantagens pecuniárias dirigidas ao preso Michel e familiares e, ainda, o constrangimento a que submeteram o advogado Dr. Alberto Xavier, sem timidez e de forma audaciosa, restaram, é bem de ver, comprovadas na fase periférica à instauração do inquérito policial. As autoridades policiais, demonstrando destemor, audácia, desrespeito pela função que exercem deram mostras de menosprezo à instituição Polícia Civil no exercício de atividades que o Estado os confiou.
Abro um parêntese para consignar, que todas as considerações aqui vertidas partem dos dados coligidos no caderno administrativo e em início de apuração. Pode ocorrer, sim, que, em juízo, nada disso resulte provado. Faço a anotação porque abomino o pré-julgamento. As informações estão aí, consolidadas em um caderno administrativo e é nelas que tenho que me louvar para decidir. De relevo que se diga que não tenho, até aqui, motivos, para descrer nas investigações encetadas pelo representante do Ministério Público à vista das declarações dos envolvidos e do advogado Dr. Alberto Xavier, sobretudo em razão das gravações – mídia, juntada aos autos.
As informações coligidas, pois, gozam de presunção de veracidade - juris tantum, claro. As provas a serem produzidas em sede judicial as ratificarão ou retificarão, no todo ou em parte. Por enquanto, esses são os dados que devem respaldar esta decisão. Não posso decidir sem fazer menção aos fatos. A contra gosto é verdade, porque são nauseantes, engulhentos mesmo.
Mas, retomemos ao tema sob retina.
É claro que os policiais, tendo em vista a prática, em princípio, do crime de concussão previsto no art. 316 CP, a considerarem-se os dados coligidos neste início de instrução investigativa -, não podem permanecer em liberdade, porque agiram com extrema frieza, audácia e destemor objetivando a abominável extorsão, sobretudo ao tomarem conhecimento por intermédio de seu Corregedor de Polícia, que desde o início, é bom que se diga, estava a par dos fatos, eis que informado pelo Promotor de Justiça sobre a denúncia que pesa contra ambos, de imediato dirigiram-se até o escritório do advogado Dr. Alberto Xavier, na data de hoje, na cidade de Águas de Lindóia/SP que, por evidente, fez com que o advogado aportasse até o gabinete do Promotor de Justiça da Comarca de Águas de Lindóia/SP, para relatar os acontecimentos, pois, por óbvio, com a visita de ambos, sentiu-se ameaçado e coagido, cf. fls.
Tenho a firme convicção, noutro giro de avaliação da quaestio, que a permanência dos acusados em liberdade, seria, à evidência, a adoção, pura e simples, de dois pesos e duas medidas. Explico.
Em situações menos grave como a relatada nos autos, diante de representação do Delegado de Polícia Dr. L, não exitei e nem pestanejei em decretar prisão preventiva de acusados – pessoas simples do povo envolvidas com o crime, logo, se permanecerem em liberdade, diante de tamanha gravidade infração criminal praticada por autoridades policiais, estaria eu desautorizado, ipso facto, ipso jure, a mantença da prisão de acusados por crimes outros diante de representações formuladas pelo Delegado de Polícia Dr. L.
A acusação de exigência de vantagens indevidas que pesa sobre os policiais causa espécie, sobretudo por se tratar de agentes públicos a quem se confere o dever de agir de forma diametralmente oposta. Mas um juiz que tenha consciência do seu dever, do seu papel de fiador do garantismo penal, não pode deixar intimidar-se pelas circunstâncias e gravidade de fatos que possam de uma maneira ou outra, arranhar tão importante instituição da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, por certo, nem pelo clamor social que, com certeza deverá deixar perplexa a sociedade monte-sionense.
É pura e simplesmente uma questão de Justiça.
Não me assalto de nenhuma dúvida de que os acusados – Delegado e agente de polícia - pelo menos até que se demonstre o contrário - em liberdade, representam uma ameaça à ordem pública e, sobretudo uma ameaça à produção de provas, a exemplo do que acabou de ocorrer na data de hoje com o advogado Dr. Alberto Xavier, como relatado algures.
É preciso que estejamos atentos - nós, responsáveis pela persecução criminal - para expungir dos quadros funcionais aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, máxime aqueles que recebem do erário exatamente para nos dar segurança. Os policiais – agentes públicos, como no caso dos autos, em liberdade, podem voltar a afrontar a ordem pública. E quando, além de autoridades - ou por isso mesmo - são temidos, podem prejudicar a produção de provas. E ninguém, em sã consciência, tem dúvidas de que a Polícia, em face da ação dos maus policiais - poucos, registre-se - é mais temida do que respeitada.
E os acusados – policiais civis em liberdade - não tenho dúvida, criarão obstáculos intransponíveis para produção de provas. Devem, também por isso, arcar com as consequências de uma prisão ante tempus, necessária, in casu sub examine, à toda evidência.
Tenho dito e não é segredo para ninguém e vou repetir que é preciso por freio nas ações de agentes públicos despreparados e de má fé, pois que, pior que o batedor de carteira, pior que o assaltante, é o infrator fardado ou togado. E infelizmente, os infratores togados ou fardados, ou não, estão à solta. Mas precisam ser impedidos, quando possível, de prosseguir praticando ações daninhas à sociedade.
À luz das considerações supra, é cediço que a prisão preventiva dos acusados Dr. L – Delegado de Polícia, e de P. – agente de polícia, é uma necessidade. Necessidade de que se preserve a ordem pública. Necessidade de que se garanta a realização da instrução criminal sem atropelos. Necessidade de que se inculque nas pessoas que as instituições penais estão vigilantes. Necessidade de que se desestimule os infratores fardados ou não e/ou togados de continuarem agindo. Necessidade de impedi-los de continuarem constrangendo a respeitável instituição a que pertencem, indispensável à vida em sociedade. Necessidade de desestimulá-los a continuar agindo como se vivessem numa terra sem lei e sem ordem. Necessidade de que os que tenham propensão para o ilícito refluam em suas pretensões. Em análoga situação, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, mutatis mutantis: “HABEAS CORPUS. MORRO DA ROCINHA/RJ. TRÁFICO DE DROGAS, FALSA IDENTIDADE E CORRUPÇÃO PASSIVA. ENVOLVIMENTO DE POLICIAL MILITAR. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Por meio das investigações policiais, com o monitoramento de ligações telefônicas dos acusados e testemunhos, logrou-se identificar o envolvimento de várias pessoas, dentre essas, policiais militares, com o já nacional e internacionalmente conhecido tráfico de drogas em morro carioca, cuja violência vem desafiando as autoridades públicas há décadas. 2. Há, portanto, veementes indícios de autoria e materialidade de crimes que se traduzem em verdadeiro câncer social. O envolvimento de policiais militares, institucionalmente encarregados da segurança pública, provoca uma amarga sensação de impotência do Estado frente ao sério problema. A liberdade desses agentes públicos, como bem anotado no decreto prisional, no acórdão impugnado e no parecer ministerial nesta instância, permitiria a continuação da atividade ilícita, perpetuando a desordem pública. Assim, resta suficientemente justificada a manutenção do cárcere cautelar para o resguardo da ordem pública. 3. Ordem denegada (HC 45.061/RJ - Rel. Min. Laurita Vaz – Julgado em 13/12/2005 - DJ 01/02/2006).
Neste mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci leciona que: “Autoridades e agentes policiais como autores do crime: pode constituir causa determinante para a decretação da prisão preventiva, sob o fundamento da instrução criminal, tendo em vista que a pessoa, designada pelo Estado para a proteção da sociedade, termina por cometer crimes, causando natural temor às testemunhas, a serem ouvidas durante a instrução (Código de processo penal comentado. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 594).
Vitor Hugo, autor da magistral obra os Miseráveis, afirmou em 1874, equivocado, que a extorsão e a tortura haviam deixado de existir para sempre. Vê-se, ad argumentandum tantun, com quadro emblemático que se descortina nos autos sob retina, que elas ainda estão muito perto de nós e que se Vitor Hugo ainda vivo estivesse, estaria tão estarrecido quanto à sociedade em que vivemos - a considerarem-se verdadeiros os fatos armazenados neste início de inquérito policial sob retina, faço questão de repetir.
Mas ela - a extorsão - precisa ser combatida - e com tenacidade. A mantença dos acusados em liberdade, sempre a considerarem-se serem verdadeiros os dados amealhados em início de sede administrativa - seria um estímulo aos maus policiais e infratores em potencial.
A extorsão e/ou exigência de indevida vantagem implica uma negação total e totalitária da pessoa. A liberdade é o norte, o rumo de uma pessoa. A extorsão, a exigência de indevida vantagem e, acrescento, a tortura é, pura e simplesmente, a negação absoluta e radical da condição sujeito livre. Submetido à extorsão e/ou tortura, o indivíduo perde o prumo, perde o rumo, perde o norte - entra em conflito e perde a sua perspectiva de sujeito de direito e de fé e esperança nas instituições.
Nós - juízes, sobretudo - não podemos nos omitir diante dessa doutrina de segurança, que, lamentavelmente, elegeu como inimigo interno número um não mais os opositores do regime de antanho, mas os miseráveis, os negros, as prostitutas, os sem terra, os sem teto, os sem emprego, os sem escola, os quais, na visão dos agentes dessa doutrina, são criminosos em potencial e que, por isso, devem ser torturados, extorquidos e supliciados, como se, com isso, pretendessem advertir os miseráveis que todo aquele que ousar se calar, que ousar negar um crime, ainda que não tenha cometido, estará sujeito à mesma pena, infligida sumariamente - sem processo, sem defesa e sem Constituição.
É necessário que se diga, para não perder a oportunidade e ainda que esse não seja o momento para essas reflexões, que exigir vantagem indevida não é investigar. A extorsão desumaniza a vítima. A extorsão, como se deu em o caso sob retina - sempre levando em conta que ainda não há provas produzidas com a observância do contraditório e da ampla defesa - subverte a própria lógica do aparato estatal, que de guardião da lei e assegurador de direitos, transforma-se em violador da lei e aniquilador de direitos.
Sei - e não precisam que me digam - que vivemos num paralisante estado de letargia. Sei - e não preciso que me lembrem - que o Direito Penal é discriminador. Sei - e não preciso que me advirtam - que as nossas instituições estão quase falidas. Sei, tenho consciência, que os órgãos persecutórios só exercem controle sobre a criminalidade baixa. Sei que a criminalidade contra a economia, a ordem tributária e outras, não tem merecido de nós outras maiores atenções. Sei - e não precisaria reafirmar - que a Polícia, civil ou militar, em suas ações, só controla a periferia e não exerce o seu poder para prevenir a criminalidade da classe dominante. Sei que os delegados de polícia, sem a garantia da inamovibilidade, se atuam indiscriminadamente, estão sujeitos à pressões políticas. Sei que o Ministério Público, em muitas situações, embora não seja o nosso caso, felizmente, tem sido omisso. Sei que o Poder Judiciário serve apenas para mascarar esse quadro de injustiça que se posta sob nossos olhos. Conquanto reconheça as anomalias, as omissões, a letargia, a inoperância dos órgãos persecutórios, a minha consciência profissional não me permite me omitir em face da ação reprovável dos acusados - sempre a considerar os dados cotejados em sede administrativa.
Claro que a prisão preventiva é uma medida de força, da qual só se deve lançar mão como última ratio. Creio que, no caso presente, está-se diante de um quadro que não permite tergiversação. A prisão, agora, dos policiais, em face de suas ações censuráveis, é uma homenagem que se presta à ordem pública, à sociedade, às pessoas de bem, aos bons policiais e à instituição Polícia Civil, enfim.
A prisão preventiva, reafirmo, é medida de extrema excepcionalidade, sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal. In casu, há prova da existência do crime e existem indícios de autoria e a prisão se faz necessária, como dito acima, como garantia da ordem pública, uma das três finalidades da prisão preventiva.
É de relevo que se anote que a prisão provisória não maltrata o princípio da presunção de inocência inserido em nossa Carta Política, mesmo porque a própria Constituição a prevê, o que não impede, nada obstante, de que, aqui e acolá, se alegue que a medida em comento afronte a ordem constitucional.
A condição para que se legitime a prisão provisória é a presença dos seus pressupostos legais, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in libertatis, os quais estão presentes, à vista fácil, na hipótese em comento. Presentes tais pressupostos, pouco importa a presunção de não-culpabilidade, que deve ceder diante do interesse da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal.
A propósito, os Tribunais, enfrentando questões do mesmo matiz, têm sido pródigos em decisões que chancelam a medida antecipatória, como se colhe abaixo, litteris: “PRISÃO PREVENTIVA - Decretação - Requisitos: No vigente sistema constitucional, tratando-se de prisão cautelar, instituiu-se como regra a liberdade e como exceção a prisão, conforme se verifica no art. 5º, LXVI, da Constituição Federal. Assim, a custódia preventiva só pode ser decretada se presentes os requisitos ensejadores, quais sejam, o fumus boni iuris, o periculum in mora e estar o caso concreto enquadrado em uma das hipóteses arroladas no art. 313 do CPP.”
Sabemos, disse-o acima, que a privação cautelar da liberdade individual é qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a prisão preventiva pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal.
Não é por outra razão que neste juízo, forte na melhor doutrina, tenho decidido, iterativamente, que, provada a existência do crime e presentes os indícios de autoria e despontando, ademais, a necessidade da medida excepcional, edito a medida de força, sem que se possa inquinar de excessiva e/ou abusiva a medida.
É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva ou prisão decorrente da sentença de pronúncia) - não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade.
É de relevo que se anote que a prisão que ora decreto não se confunde com a antecipação de uma condenação - carcer ad poenam. Não traduz a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina qualquer idéia de sanção. O que se pretende, com esta decisão, é, tão-somente, atuar em benefício da ordem pública.
A finalidade da prisão preventiva que ora decreto é apenas e tão-somente, não permitir que os acusados permaneçam soltos, afrontando a ordem pública e, quiçá, destruindo ou criando óbice à produção de provas e ameaçando testemunhas, como o caso ora relatado pelo advogado Dr. Alberto Xavier. A medida sob retina não visa, portanto, promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse razoável entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento do princípio da liberdade.
Os Tribunais, é cediço, não têm tolerado a prisão provisória como antecipação da pena - à frente o Supremo Tribunal Federal -, os quais, por isso, têm impedido a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la.
A prisão cautelar em comento não está condicionada ao estrépito do crime, mas tão-somente na necessidade de que se preserve a ordem pública, mesmo porque condicionar-se a prisão preventiva como sói acontecer ao clamor emergente das ruas, é aniquilar o postulado fundamental da liberdade, a exemplo de casos rumorosos cujos autores encontram-se presos em razão do clamor público e da condenação antecipada pela mídia.
A prisão preventiva é medida de extrema excepcionalidade, devo repetir, ainda que fazendo-o à exaustão, sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal, o que se verifica in casu sub examine, à evidência.
Vivemos sob uma verdadeira guerra urbana. Os meliantes infernizam a vida das pessoas de bem. Assalta-se, mata-se, estupra-se, atenta-se contra o pudor, furta-se, lesiona-se, mata-se, sem controle, sem peias. Não se pode aceitar, pois, diante desse quadro, que agentes da lei usem de expedientes marginais, para extorquir vítimas, objetivando arrancar a fórceps a confissão de crime que nem sempre praticaram, ad exemplum.
Não se pode, pois, em face desse quadro, fazer concessões a quem sai por aí, homens da lei, fardados ou não, e mesmo togados, outras coisas que tais autorizam a mantença da liberdade de quem age como agiram os acusados. Tenho dito e vou repetir, hic et nunc, que do magistrado se pode e se deve exigir que seja imparcial. Do magistrado, no entanto, não se pode exigir parcimônia, insensibilidade, indiferença, pusilanimidade. O magistrado deve estar plugado nas aspirações da sociedade. A sociedade, as pessoas de bem, já não suportam tanta licenciosidade, tanta relaxação. Ninguém, em sã consciência, aceita que um policial seja mantido em liberdade, inculcando nas pessoas o sentimento nefasto da impunidade.
Todos que militam nesta Comarca sabem que não faço concessão a infratores. Não tergiverso. Não sou insensível. Uso, por isso mesmo, com responsabilidade e sofreguidão, os poderes que me foram outorgados, para, se for o caso, segregar provisoriamente quem tenha uma convivência perniciosa, malsã, em sociedade, ainda que primário e possuidor de bons antecedentes. O medo e a insegurança minam, acabam com o nosso bem estar, com a nossa qualidade de vida. Sabemos disso. As vítimas da violência jamais recuperam o seu estado anterior, diferente dos acusados, os quais, quase sempre insensíveis, não se martirizam em face de uma prisão.
A violência urbana nos desgasta fisicamente, pois que absorvemos, constantemente, os hormônios do stress. A violência, porque mexe com a nossa psique, também muda a forma como vemos o mundo. Todo mundo que se posta à nossa frente passa, por isso, a ser uma ameaça, um inimigo em potencial. Por tudo isso, não é justo, não é razoável que se deixe em liberdade quem deveria cuidar, no entanto agride a ordem pública, o fazendo de forma acerba, como o fizeram os acusados.
Vivemos e adotamos uma postura tensa nos ambientes públicos, por conta da ação desmensurada de infratores que nos afrontam em todas as camadas sociais. Temos, até, dificuldades em nossos relacionamentos, pois que, aos poucos, vamos nos isolando, nos limitando a viver em nosso ambiente familiar. A nossa capacidade produtiva já está prejudicada, pois que boa parte de nossa energia tem sido gasta nesse contínuo processo de preparação para nos defender dos marginais. Não se pode, diante desse quadro, fazer concessões a quem nos afronta a todos, abusando do naco de poder que nós lhes conferimos.
O medo, sabe-se, pode matar. Isso todos sabemos. A ansiedade, versão moderna do medo, também mata. A violência - coletiva ou individualizada - é uma espécie de câncer da alma. As vítimas de violência - diretas ou indiretas - correm o risco de desenvolverem algum transtorno emocional. Diante dessas e de outras evidências, só mesmo um juiz sem compromisso com a ordem pública em geral permitiria que os acusados se mantivessem em liberdade.
Ações violentas sobre o psiquismo humano, não se pode deixar de refletir, são aquelas que afetam profundamente a vida psíquica do ser humano, isto é, que prejudicam o conforto psíquico. Submetida a essas ações violentas sobre o psiquismo humano, a pessoa deixa de ser dona e senhora de seu eu, deixa de governar-se e determinar-se a si mesma, perdendo, consequentemente, o domínio de seu ser e de sua liberdade. Não se pode por tudo isso, deixar em liberdade quem faz ameaças, quem rouba, quem mata, que estupra, quem tortura, quem afronta a sociedade, surrupiando a liberdade e a tranquilidade das pessoas de bem, ainda mais quem deveria ser o guardião da segurança da população. O fato dos acusados serem Policiais Civis não lhes confere um voto de confiança, mas, pelo contrário, agrava sobremaneira a conduta ilícita e reforça a necessidade da segregação cautelar, eis que em evidente afronta aos princípios institucionais envolveram-se com atividades ilícitas, provocando repercussão negativa na instituição a que pertencem e perante a sociedade.
Decretar a prisão preventiva do Delgado de Polícia, Dr. L, em final de carreira, é como cortar da própria carne; decretar sua prisão da forma que ora decreto, me traz um desconforto e um desasossego sem precedente, além, por evidente, de entristecer a instituição Policia Civil, mas, como juiz, e diante dos fatos apontados pelo Promotor de Justiça, não posso furtar-me de prolatar tão desgastante decisão.
Pelas razões expostas, subsidiado nas provas existente nos autos, decreto a prisão preventiva do Delegado de Polícia, Dr. LS, e do agente de polícia PA o fazendo, fundamentalmente, em homenagem à ordem publica, porque presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in libertatis, tudo de conformidade com os artigos 311 e 312 do Digesto de Processo Penal.
Encaminhe-se cópia do mandado de prisão ao Exmo. Secretário de Segurança Pública; ao ilustre Delegado de Polícia Regional de Pouso Alegre, bem como ao ilustre Delegado de Polícia e Corregedor Geral de Polícia Civil do Estado, aos cuidados do Dr. Élber Gonçalo M. Dangelo, para que o cumpram, na forma da lei, prendendo e mantendo presos, à disposição deste juízo, os acusados. Dê-se ciência desta decisão ao representante do Ministério Público. Expeçam-se os mandados de prisão.
Posteriormente, com a chegada dos autos do inquérito policial, apense-se.
Intimem-se
Monte Sião, 29/09/09.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito