ação civil pública edital erros dolo culpa improcedência

Processo n 000884-8

Vistos, etc.

Cuida-se de ação civil pública interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por ato de improbidade administrativo em face do Prefeito Sebastião Gomes Silvério, qualificado, da comarca de São Pedro da União, falecido em 2007 e, também em direção a Simoni Russi, Giseli dos Santos Leal e Nelisete de Borba Carvalho de Lima - estes integrantes da Comissão de Licitação Permanente, em razão da licitação destinada a contratar prestação de serviços relacionados à realização de exames de ultrassonografia para pessoas carentes atendidas pela Secretaria da Saúde, assim como quanto à irregularidades verificadas na execução das contratações diretas de outros serviços de exames médicos.

Contestação ofertada pelo Ministério Público às fls.

Impugnação em óbvia imfirmações.

Neste estado os autos me vieram conclusos.

Por norma de organização e método, impõe-se a análise individual de cada uma das questiúnculas:

1.- Da alegada ausência de prova da realização dos exames clínicos e da falta de previsão contratual sobre a fiscalização pela tomada destes serviços: [...] 2.1 Consta da exordial: "Os contratos de prestação de serviços (FMS 11/2004 e FMS 12/2004) firmados com os prestadores de serviços vencedores do processo licitatório, são omissos quanto à prestação de contas sobre os serviços prestados para liquidação e autorização do pagamento [...] Além da liquidação nas Notas Fiscais emitidas pelos respectivos prestadores de serviço, também não localizamos nos Processos de Despesa nºs 1118 e 1119 de 2004, qualquer outro tipo de comprovação da realização dos serviços" [...] (fl. 1.008).

O excerto dimana a averiguação de duas vertentes: a primeira correspondente à incúria do Município de São Pedro da União em estabelecer exigência acerca do cumprimento do ajuste; a segunda condizente com a efetiva realização dos serviços contratados.

Do acervo probatório constante nos autos, infere-se que após deflagrar o Edital de Convite nº 13/2004 (fls. 18/58), em decorrência da "Solicitação de Abertura de Licitação" pela Secretaria de Saúde (fl. 19), o Município de São Pedro da União expediu Carta-Convite aos concorrentes cadastrados (fls. 30/32), o que culminou na adjudicação das propostas vencedoras e na elaboração dos Contratos Particulares de Prestação de Serviço para Realização de Exames de Ultrassonografia nº 11/2004 e nº 12/2004, respectivamente, que, na Cláusula 4ª (quarta) de ambos, previam que: [...] OBRIGAÇÕES DO CONTRATANTE: Constituem obrigações do CONTRATANTE, dentre outras insertas ou decorrentes deste Contrato: a. Liquidar os documentos de cobrança. b. Dar o devido recebimento dos serviços. [...] (fls. 08 e 10 - grifei).

Com efeito, o referido indicativo, ainda que singelo, torna tangível a predisposição da municipalidade em chancelar uma modalidade de exigência dos serviços ajustados, de modo que, muito embora não esclareça pormenorizadamente o modus operandi de tal averiguação, é suficiente para rechaçar a pretensão do Ministério Público de ser exigido o esgotamento de todos os meandros e particularidades do art. 54 da Lei nº 8.666/93, no sentido de que haveria de constar no instrumento "expressamente as condições de pagamento [...]" (fl. 04).

Não desconheço que a incúria dos administradores em registrar maior esclarecimento sobre tal dispêndio pavimenta ampla discussão sobre a necessidade de serem revistos seus procedimentos. Contudo, dizer que há, só por isso, conduta ímproba, constitui um axioma que inspira cautela.

É que, segundo Waldo Fazzio Júnior, o "ato de improbidade administrativa é a exteriorização da vontade do agente público, portanto ato humano e, assim, expressa um querer. Daí a necessidade de se perquirir sobre seu elemento subjetivo. [...]" (Atos de improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007, p. 79).

Ora, ressai pertinente cotejar se o ato reprovável - desacerto na elaboração do contrato -, ostenta efetivamente a pecha de reprovação necessária para aplicabilidade da Lei de Improbidade de Administrativa.

A respeito, trago à lume o raciocínio professado por Marçal Justen Filho, de que "o conteúdo essencial e fundamental do instrumento contratual já se encontra determinado em função do instrumento convocatório (ou outro ato que se funde o contrato). [...]" (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 708).

Sob esta perspectiva, o exame da validade dos Contratos Particulares de Prestação de Serviço para Realização de Exames de Ultrassonografia nº 11/2004 e nº 12/2004 não se encerra nele mesmo, e que sua compreensão pode ser dilatada ao conjunto de todo o processo licitatório, donde a obtenção e a inspeção de elementos pragmáticos de sua validade podem reluzir materializados em outras peças.

É o caso da Solicitação de Abertura de Licitação (fl. 19), que em seu quadro "Quantidade e Especificação" delineia a demanda da municipalidade, com valores unitários para cada exame, bem como a indicação anatômica de cada consulta, desvelando que não houve propósito doloso dos réus em turvejar o processo licitatório.

Aliás, nesta toada, interessante pontuar que, ainda que assim não fosse, é importante destacar que, consoante o que dispõe a Lei nº 8.666/93, a elaboração do "contrato administrativo" em casos de licitação na modalidade Carta-Convite é dispensável, podendo-se fazê-lo substituir por outros instrumentos hábeis.

Neste caso, optaram os administradores por elaborar o referido contrato, ainda que de forma mais simplificada, característica esta marcante das licitações na modalidade convite.

Assim sendo, verifico que os contratos firmados estabeleceram, satisfatoriamente, o objeto da licitação, a contraprestação, o preço unitário, o modo de pagamento (em parcelas), o prazo (60 dias da entrega), a dotação orçamentária, o regime de execução e a forma de fornecimento, não havendo que se falar em insuficiência de clareza.

Portanto, "da mera prática do ato não exsurge, presumidamente, o intuito malsã do Agente Público, competindo ao membro do Parquet, parte autora da ação, trazer aos autos provas que atestem haver o dolo do Agente (STJ, REsp 1253368/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/08/2014).

De outra banda, quanto à efetiva prestação dos serviços contratados, entendo que o embate recai nas diretrizes estabelecidas pela distribuição do ônus da prova entre as partes.

Alegada ausência de requisições de Exame ou Conhecimento de cada paciente

O Ministério Público ainda sustentou: "em análise às Notas Fiscais relacionadas a contratações diretas, não localizamos menção às requisições de Exame ou conhecimento de cada paciente pelo Fundo Municipal de Saúde, e também, verificamos que a descrição dos serviços não é precisa, pois é de conhecimento que a realização de exames de ultrassonografia em diferentes partes do corpo humano possui preços diferenciados. [...] (fl. 1.010).

Como visto, a presente capitulação reclama a mesma interpretação afeiçoada ao campo de provas.

Dito isto, trago à baila o ensinamento de Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, de que: “Como já dito, nosso CPC acolheu a teoria estática do ônus da prova (teoria clássica), distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório, nos seguintes termos: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos (art. 333, CPC). [...]

Sucede que nem sempre autor e réu têm condições de atender a esse ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído - em muitos casos, por exemplo, vêem-se diante de prova diabólica (prova impossível). E, não havendo provas suficientes nos autos para evidenciar os fatos, o juiz terminará por proferir decisão desfavorável àquele que não se desincumbiu do seu encargo de provar (regra de julgamento).

É por isso que se diz que essa distribuição rígida do ônus de prova atrofia nosso sistema, e sua aplicação pode conduzir a julgamentos injustos. [...] (Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. V. 2. 6ª ed. Bahia: Juspodvim, 2011, p. 95).

Voltando ao conteúdo lançado nos autos, constato uma escassa prova no sentido de que o Município de São Pedro da União tenha efetivamente despendido verbas públicas para os tais serviços objetados, o que leva a fundamentar, que além disso, não é possível esclarecer se houve qualquer dano ao erário decorrente da conduta dos requeridos, porquanto não foram juntadas aos autos as Notas de Empenho ou as Ordens de Pagamentos que comprovem a liquidação da despesa sem a prestação do serviço por parte dos contratados, como quer fazer crer o Ministério Público.

No tocante à questão relativa à ausência de precisão na descrição dos serviços, entendo que não é possível (pelo menos não a partir do escasso conteúdo probatório trazido aos autos) esclarecer as condições em que se dera a contratação direta de serviços de exames de ultrassonografia.

Ora, foram acostadas aos autos tão somente cópias de autorização de fornecimento, desacompanhadas dos pedidos que lhes deram origem, NÃO ASSINADAS pelo responsável pelo setor de compras (fls. 12/16).

Assim, não há como concluir sequer que referidos serviços tenham sido autorizados e custeados pelo município de São Pedro da União.

Superada esta questão, no tocante à verificação da execução dos mencionados serviços (se é que eles foram realmente autorizados), insta registrar que os atos referentes à execução ou aceitação do contrato em muito se afastam das competências atribuídas à Comissão de Licitação Permanente do município de São Pedro da União para o exercício de 2004, da qual faziam parte as requeridas Nelisete, Simoni e Giseli.

Quanto ao réu Wilson, na condição do Ordenador Primário das despesas da administração pública do município de São Pedro da União, poderia este ser responsabilizado por eventual pagamento irregular, porém não é o caso dos autos.

Isto porque, não há qualquer evidência nos autos de que este tivesse concorrido para eventual pagamento por serviço prestado à municipalidade sem a regular verificação de sua execução. Como visto, além de não existir provas de que o pagamento a que se refere a inicial tenha sido irregular, não há sequer elementos a apontar que, de fato, HOUVE algum pagamento.

Desta feita, tenho que os elementos acostados aos autos (ou a ausência destes) implica na conclusão de inexistência de qualquer irregularidade na condução dos referidos procedimentos.

Superado pois este ponto de insurgência, já que ausente a efetiva comprovação dos fatos articulados pelo parquet.

Da apontada falta de publicidade dos Contratos vencedores da modalidade Carta-Convite:

Por fim, descreveu o Ministério Público na exordial que os contratos administrativos firmados entre a Administração Pública e as empresas vencedoras do certame na modalidade convite não foram devidamente publicados. [...] (fls. 1.011/1.012)

Rendendo ensejo à discussão, afigura-se plausível citar excertodoutrinário de Marçal Justen Filho, no sentido de que: [...] O procedimento licitatório "convite" pressupõe a ausência de necessidade de especificações detalhadas ou de complexidade no objeto a ser contratado. O convite é adequado quando o objeto a ser contratado é simples o suficiente para ser realizado por qualquer profissional de uma determinada área. Por isso, o convite pode ser dirigido também a pessoas que não estejam cadastradas, como exposto acima. [...] (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 269).

É certo que este abrandamento da rigidez pertinente à Carta-Convitenão isenta o agente público de observar os princípios basilares inerentes à res publica, notadamente o da publicidade, que, nas palavras de Volnei Ivo Carlin, "exterioriza a democracia de um país que tem a transparência como regra básica e o segredo como exceção. Esse princípio torna obrigatória a divulgação oficial dos atos praticados pela Administração Pública, para conhecimento, controle e início de seusefeitos [...]" (Manual de direito administrativo: doutrina e jurisprudência. 4ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 71).

Tal altercação é meritória, mas convém dividi-la em duas etapas: a primeira diz respeito à veiculação de notícias acerca do início do certame, ato que tem por escopo garantir a amplitude desta informação, ainda que na modalidade Convite esta seja direcionada basicamente aos concorrentes cadastrados na municipalidade; já a segunda providência, o contrato e sua publicação - termo pelo qual o particular e a administração selam o ajuste -, é volvido mais ao aspecto da fiscalização, já que tem o condão de conferir elementos para que a coletividade inspecione a faina de que fazeres da municipalidade.

Nesta solfa, o ápice da publicidade é alcançado pela anunciação de que o processo editalício encontra-se em aberto, conclamando os interessados a participarem da chamada pública.

Portanto, este protagonismo relega para um segundo plano - mas não menos dispensável -, a averiguação da adequada publicidade dos Contratos Particulares de Prestação de Serviço para Realização de Exames de Ultrassonografia nº 11/2004 e nº 12/2004.

No caso em rusga, as partes não dissentem que houve publicidade quanto ao chamamento dos concorrentes ao Processo Licitatório nº 13/2004. Até porque consta a expressa menção de que este, "para os fins da lei nº 8.666/93, foi publicado e afixado no mural oficial desta instituição, a partir das 14:00 horas do dia 24/09/2004, até as 17:00 horas do dia 04/10/2004. São Pedro da União, 24 de setembro de 2004 [...]" (fl. 33).

A controvérsia sobrepaira quanto à publicidade dos Contratos Particulares de Prestação de Serviço para Realização de Exames de Ultrassonografia nº 11/2004 e nº 12/2004 em si, ou seja, se o produto final do certame veio à tona para a coletividade.

A respeito, os réus aduziram que "era prática reiterada da administração, posteriormente definida por Lei Municipal, a publicação dos atos oficiais no Mural da Prefeitura, inclusive o resumo de todas as licitações, os contratos e compras diretas. [...]" (fls. 279/280 e 356).

Em contraponto, não desconheço da subsunção do caso ao disposto no§ único do art. 61 da Lei nº 8.666/93, de que, [...] A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.

Ocorre que entre a negligência de um comando normativo, e a efetiva constatação da proposital vontade do agente em partilhar este caminho, subsiste – em estado latente -, a necessidade de se averiguar o seu dolo, nexo causal próprio da Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, José Armando da Costa adverte que é preciso cotejar o viés subjetivo dos réus para que o constante no art. 11, inc. IV da Lei nº 8.429/92 ("negar publicidade aos atos oficiais") ganhe repressivo contorno, senão vejamos:[...] O tipo disciplinar de improbidade administrativa sub lite - em litígio - somente poderá ocorrer quando a ação de negativa de publicidade aos atos oficiais sejam perpetrados dolosamente, ou pelo menos voluntariamente, em que pretenda o agente público, ainda que por mero capricho, embotar a cristalinidade que deve prevalecer na pública administração. [...] (Contorno jurídico da improbidade administrativa. 3ª ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2005, p. 151).

Dito isto, apesar da falta de prova concreta acerca da afixação dos Contratos Particulares de Prestação de Serviço para Realização de Exames de Ultrassonografia nº 11/2004 e nº 12/2004 no mural do paço municipal de São Pedro da União - mas, em razão da infrutífera demonstração do dolo dos agentes perante esta incúria, aliado ao fato de que estes instrumentalizaram uma mínima publicidade para os atos de convocação do certame (satisfazendo o teor de publicidade de um dos momentos mais importantes do iter licitatório da modalidade Convite) -, entendo como equânime o apontamento vertido pela defesa, qual seja, do abrandamento da conduta atribuída aos réus, o que culmina na consequente absolvição destes, visto que, na hipótese, quanto à ausência de publicidade do contrato não se cogita sequer de ausência de provas quanto ao dolo, ao contrário está demonstrado que os agentes não agiram com a intenção manifesta de atentar contra os princípios da administração até porque a afixação do contrato no mural da Prefeitura era praxe da Administração.

Logo, houve publicidade parcial do contrato, o que afasta, inclusive, o dolo dos agentes públicos.

Importante frisar que se tratava de praxe na administração antecedente e à época dos fatos.

Pois bem, além das meras irregularidades apontadas, os autos demonstram que todas as fases do procedimento licitatório foram estritamente observadas, com o envio de convite aos interessados, publicação do aviso, averiguação da habilitação e propostas.

Em síntese, há, portanto, tão somente pequenas e irrelevantes irregularidades que não geraram consequências de grave monta, até porque não implicaram em qualquer alteração na disputa entre as empresas licitantes. (fl. 1.013).

Dessarte, manifesto-me no sentido de julgar pela improcedência desta ação.

Assim sendo, como consequência advinda do descumprimento do encargo probatório atribuído ao Ministério Público, que não provou parte dos fatos narrados na inicial, bem assim por entender que a outra parte da conduta dos réus não se amolda a quaisquer das hipóteses previstas na Lei de Improbidade Administrativa, a absolvição dos mesmos se impõe.

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito da questão e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na exordial.

Sentença não sujeita à reexame necessário, já que, nas ações de improbidade administrativa, "não há que se falar em aplicação subsidiária do art. 19 da Lei 4.717/65, mormente por ser o reexame necessário instrumento de exceção no sistema processual, devendo, portanto, ser interpretado restritivamente; [...] (Resp 1220667/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 04-09-2014) [...]" (Reexame Necessário n. 2015.015311-8, de Criciúma, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 12/05/2015).

Intimem-se.

Guaxupé, 15.05.21

Milton B. Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 15/05/2021
Código do texto: T7256154
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