ACP IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA IMPLANTAÇÃO GUARDA MUNICIPAL

1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE GUAXUPÉ/MG

Autos 0039176-73

Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Réu: Jarbas Corrêa Filho

Vistos, etc.

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no uso de suas atribuições, ajuizou Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa em face de Jarbas Corrêa Filho, Prefeito do Município de Guaxupé, em razão da seguinte ocorrência: através de matéria jornalística, reforçada por uma denúncia, o autor tomou conhecimento de que o réu teria efetuado a contratação de dois Inspetores da Guarda Municipal e de um Subcomandante da Guarda Municipal de forma ilegal, o que o levou, em data de 18.03.14, a instaurar um procedimento visando apurar os fatos, tendo o Procurador Municipal, Dr. Abel Celestino, esclarecido que a contratação se deu dentro da lei, que não houve proveito pessoal e que a população se beneficiou. Posteriormente, em 07.05.14, o autor propôs celebrar um TAC, no qual os três seriam exonerados e os valores gastos com eles, ressarcidos ao Erário, o que não foi aceito. Ressalta que a Lei 1.937/09, que criou a Guarda Municipal, dispõe, em seu art. 16, que a mesma deveria ser regulamentada no prazo de 90 dias, o que ainda não ocorreu, e sequer foi elaborado o indispensável Estatuto da Guarda, o que impede a contratação via concurso.

Diz mais. Que nas informações prestadas no IC a Municipalidade esclareceu que o orçamento era insuficiente e que os gastos com pessoal estava no limite estipulado na LRF, e assim, não obstante o cenário adverso, o réu os contratou através da edição de três Portarias. Lembra que, não obstante verdadeiros os motivos, já que os nomeados podem estar prestando relevantes serviços, não há amparo na legislação utilizada, de tal sorte que restaram violados os Princípios da Legalidade, Impessoalidade e Finalidade, que, juntamente com outros, devem nortear os atos públicos; que, apesar dos parágrafos 6º e 8º, da lei criadora da Guarda, mencionarem cargo em comissão, a ilegalidade permanece, pois as funções de confiança só podem ser exercidas por servidores concursados.

Afirma, assim, que a conduta do réu se amolda ao previsto no art. 11, I e V, devendo, pois, sofrer as sanções arroladas no art. 12, III, ambos da LIA. Pede, desse modo, seja decretada, em sede liminar, a indisponibilidade dos bens do réu, suficientes para garantir o ressarcimento da quantia de R$94.496,09, o imediato afastamento dos servidores, a declaração de nulidade dos atos de nomeação bem como a condenação do réu nas sanções previstas no art. 12, III, da Lei 8.429/92. Atribuiu à causa o valor acima referido. Acompanham a inicial os documentos de f. 41/214.

Tendo em vista ser o Prefeito réu nessa demanda, foi nomeado curador especial ao Município de Guaxupé, e, também por esse motivo, o ente público não pôde integrar a lide na qualidade de litisconsorte, conforme prevê o art. 17, § 3º, da Lei 8.429/92. Para essa função, nomeou-se o Dr. Abel Celestino (f. 216/219), que se manifestou acerca do pedido liminar (f. 222/226). Disse, em breves linhas, ser desnecessário o bloqueio, uma vez que os servidores foram exonerados em 27.06.14. Afirmou não ter havido enriquecimento ilícito e juntou julgados acerca do tema. Ofertou um bem para esse fim. Trouxe documentos de f. 227/334v. Sobre o bem ofertado foi decretada a indisponibilidade, bem como foi declarada a higidez formal do processo (f. 236/239).

Manifestando-se (f. 242/256), o réu disse o seguinte: para que o ato seja tipificado como improbidade administrativa, necessário que cause lesão ao erário, decorrente de ação ou omissão dolosa, conforme entendimento dominante no STJ e no TJMG. Mostra doutrina e jurisprudência a respeito. Ressalta que o próprio autor reconhece a relevância dos serviços prestados pelos três contratados e que, findo o prazo de 90 dias para a regulamentação, a lei se torna exequível. Destacou a importância da segurança urbana e disse que as contratações não foram ilegais, vez que se trata de cargo em comissão. Pugna, assim, pela rejeição da inicial. Acompanham documentos de f. 257/270.

Ouvido, o Ministério Público requereu o recebimento da inicial (f. 272/279). O réu apresentou petição denominada “manifestação saneadora” (f. 282/289), na qual afirma que seus argumentos anteriormente expostos podem ser constatados de plano, de tal modo que requereu a extinção do processo sem conhecimento do mérito.

A inicial foi recebida (f. 300/302), e em seguida o réu apresentou defesa (f. 304/314), onde, basicamente, repete os argumentos postos na manifestação preliminar, e, em parecer final, o MP reitera suas pretensões (f. 317/337).

Sentença julgando procedente a ação civil pública por improbidade administrativa, cf. fls. 338/355.

Recurso de apelação às fls. 359/368. Manifestação pelo apelante às fls. 371. Razões de apelação às fls. 376/393. Fls. 396 foi determinado dar vistas ao apelado. Contra razões de fls. 397/421.

Manifestação do Procurador de Justiça, cf. fls. 431/434. Às fls. 445/448 cópia do r. Ac anulando a sentença por cerceamento de defesa devolvendo os autos para que seja possibilitado ao réu a produção de prova testemunhal.

Rol de testemunhas pelo requerido às fls. 452/453. Manifestação do requerido às fls. 455/456, bem como do Ministério Público fls. 459. Audiência de conciliação prejudicada e face a manifestação das partes, cf. fls. Designada audiência de instrução e julgamento, cf. fls. 466. Comprovação pelo requerido da intimação das testemunhas que foram arroladas, cf. fls.

Audiência de instrução e julgamento realizada às fls. 487/495, com oitivas das testemunhas arroladas pelo requerido.

Alegações finais em forma de memoriais apresentada pelo r. do Ministério Público às fls. 497518, opinando pela procedência dos pedidos, no caso a) a nulidade dos atos de nomeação; b) que seja determinado ao requerido providencie o ressarcimento aos cofre municipais no total de R$94.496,09 em razão das indevidas nomeações, acrescidos de juros moratórios e correção monetária a partir do ajuizamento desta ação; c)determinar-lhe a perda do respectivo mandato, a suspensão dos direitos políticos de 03 a 05 anos, pagamento de multa civil no importe de 03 vezes o valor da remuneração percebida e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditício, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio .majoritário, pelo prazo de 03 anos e, por fim condenado nas custas e despesas processuais.

Em sequência o requerido apresentou sua defesa final em forma de memorial, cf. fls. 519/531, pleiteando, por fim, a improcedência da ação civil pública. De início afirma que não houve violação dos princípios da administração pública, nem violação ao princípio do concurso público, já que nomeação de cargos de confiança dispensa a realização de concurso. Discorre sobre a aplicabilidade da Lei nº 1.937/2009, já que a contratação e nomeação foram para cargos em comissão pra subsidiar a Administração na estruturação, regulamentação e a implantação da Guarda Municipal, de modo que por se tratar de cargo em comissão e de livre nomeação e exoneração o rito a ser seguido é do Regime Estatutário. Aduz que o ato não causou prejuízo ao erário público e se dano não houve não há que se falar em ressarcimento. Por fim requereu pela improcedência dos pedidos.

Neste estado os autos me vieram conclusos. É a síntese do necessário. Fundamento e Decido.

É bem de ver que o feito foi sentenciado, cf. fls. 338/355 e, posteriormente, em face de recurso de apelação pelo requerido houve por bem a Turma da 2ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça acolher preliminar, e anular a sentença, no caso ao fundamento de cerceamento defesa de modo que os autos retornam à origem para oportunizar ao apelado produzir provas testemunhais.

Com o retorno dos autos foram ouvidas as testemunhas arroladas pelo apelado, cf. fls. e, em seguida apresentaram seus memoriais em forma de alegações finais, cf. fls.

É bem de ver que as oitivas das testemunhas em nada alteraram os fatos, ao contrário, apenas solidificaram o entendimento já manifestado anteriormente na sentença quanto ao mérito. Naquela oportunidade o feito foi sentenciado ao argumento de que a questão não demandava provas outras, tendo em vista que a matéria era tão somente de direito. Então, com a oportunidade de produzir provas orais, cf. dito, não houve alteração fática de modo que a sentença anterior será reproduzida, pois desnecessário outra ser prolatada, apenas com o adminículo referente às oitivas das testemunhas.

Pois bem!

A questão posta em lide, a bem da verdade, tenho que é por demais singela, não demandando maiores divagações sobre as teses postas em discussão, em que pese a cultura jurídica do autor que, neste caso orgulha sobremaneira a Instituição a que pertence, no caso o combativo e aguerrido representante do Ministério Público, Dr. Cláudio Gonçalves Marins; bem como a vasta cultura de uma das maiores juristas das Gerais, a Dra. Marina Pimenta, já cantada em verso e prosa por estes grotões do saudoso Tancredo Neves a quem, também, rendo minhas homenagens.

À época consigneis que “a matéria debatida denota claramente, que in casu, para seu julgamento, não depende da produção de provas, em audiência ou fora dela. Tal se dá em decorrência do próprio fato tipificado como ímprobo, dos pontos que restaram controvertidos nos autos, e das provas documentais já existentes”.

No entanto, em razão da nulidade da sentença pela Superior Instância ao fundamento de cerceamento de defesa por não produzir prova oral, a decisão de agora se faz com subsídios nas provas juntadas aos autos e nas oitivas das testemunhas.

Ao contrário do expendido anteriormente na sentença anulada, qual seja “Assim, a menos que não se dê valor às alegações do requerido na manifestação por ele apresentada nos autos, a prova existente é suficiente para seu julgamento antecipado, tornando despicienda a produção de prova testemunhal”. No caso, o feito terá seu deslinde não mais nos argumentos exarados anteriormente, que concluiu pelo julgamento antecipado, mas sim diante da completa instrução processual com as oitivas das testemunhas de fls.

Ao cravar na sentença de antanho: “Nesse passo a jurisprudência tem reconhecido ser cabível perfeitamente o julgamento antecipado, assinalando: “Julgamento antecipado da lide. Suficiência dos elementos constantes dos autos. Produção de provas desnecessária. Cerceamento de defesa inexistente. Recurso extraordinário não conhecido. Decisão mantida. “STF. RT 624/239”. Diante disso e do festejado princípio da razoável duração e da efetividade do processo, o julgamento antecipado é medida que se impõe, a teor do art. 355, I, do NCPC. Enfim, o Juiz não está obrigado a dilação probatória, quando já tenha encontrado motivo suficiente para julgar antecipadamente a lide, ademais, repito, sendo a matéria discutida exclusivamente de direito, fortalecendo assim o enquadramento do dispositivo acima descrito”, tenho que tal entendimento deixou de ter valia nestes autos em razão da anulação da sentença por entender que houve cerceamento de defesa, quando não se permitiu a produção de prova testemunhal.

Como veremos logo a frente, a prova testemunhal, sua produção, apenas e tão somente contribuiu para postergar o desfecho do processo, pois em nada contribuiu para uma defesa mais eficiente a justificar sua produção, data vênia.

De outro lado, inexistindo preliminares a serem enfrentadas, bem como ausente aquelas que devam ser reconhecidas de ofício, e estando presentes as condições da ação, bem como o seu regular desenvolvimento válido, e, ainda, não havendo irregularidade que reclame correção, ingresso diretamente no mérito.

No entanto, creio necessário discorrer sobre o direito que regulamenta o ato de improbidade administrativa.

Pois bem. Impende ressaltar, neste primeiro momento, que a Improbidade Administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa de nosso país e um dos aspectos negativos da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle social. A expressão designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana.

De seu turno, o conceito de ‘improbidade’ é bem mais amplo do que o de ‘ato lesivo ou ilegal’ em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, falta de probidade. Com efeito, a Lei Federal nº. 8.429/92 é o diploma legal que regula a matéria em questão, estabelecendo como ato de improbidade administrativa todo aquele, praticado por agente público, que importe: (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e/ou (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92).

É de bom tom, aliás, que se diga que, e sem que se apegue às divergências doutrinárias quanto ao conceito dado ao instituto, o referido diploma abrange todas as pessoas tidas como agentes públicos, quer integrantes da administração direta, indireta e fundacional, ainda que no exercício da função em caráter transitório ou sem remuneração.

Na precisa lição de José Afonso da Silva, verbis: “14. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e corresponde vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). O grave desvio de conduta do agente público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade.Como se vê, destaca-se a importância do princípio constitucional previsto no art. 37 da Carta Magna na determinação do que seja imoralidade administrativa, lembrando que não basta apenas a ilegalidade para que reste configurada”.

Maria Sylvia Zanela Di Pietro, de seu turno, aduz que um ato administrativo somente implicará a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa ao seu autor quando presentes os seguintes elementos: a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429; b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º); c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contrato os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três; d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.

Discorrendo sobre o elemento volitivo, anota, ainda, a referida autora: "O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins.”

Interessante a questão posta nos ensinamentos da escola penalista de Frankfurt, capitaneada por WinfriedHassemer, que estuda o relacionamento do Direito Penal com o Direito Administrativo, propaga a idéia de que existe um terceiro ramo autônomo entre estes últimos, para subsidiar o aparato do Estado em relação aos novos bens jurídicos que se qualificam como bens de interesses difusos. De acordo com a escola alemã, este novo ramo do Direito, denominado como Direito de Intervenção, não deveria buscar a repressão e a proteção dos bens jurídicos individuais fundamentais, já que estes devem ser perseguidos por meio do Direito Penal. Já os direitos difusos deveriam ficar a cargo do Direito Administrativo, exceto os de maior relevância, que ficariam sob sua responsabilidade, já que nem interferiria de forma tão drástica como no Direito Penal, nem deixariam bens tão importantes sob a tutela das reprimendas do Direito Administrativo.

Desta forma, enquadrando-se neste novo ramo do Direito, as reprimendas da Lei de Improbidade nem são brandas como as reprimendas ordinárias das leis administrativas, nem são tão drásticas quanto às tipificadas nas leis penais, entretanto, as penalizações da Lei 8.429/92 são bem mais onerosas do que a grande parte dos crimes enquadrados como de menor potencial ofensivo e médio potencial ofensivo. Por isso, entende-se que as condutas tipificadas pela Lei de Improbidade Administrativa enquadram-se perfeitamente no conceito de Direito de Intervenção, desta forma, merecem ser discorridas algumas linhas sob o assunto.

O disseminador das idéias do Direito de Intervenção, Hassemer, assim manifesta quanto ao papel do Direito Penal e a relação com os bens difusos de importância para a sociedade: “Acho que o Direito Penal tem que abrir mão dessas partes modernas. O Direito Penal deve voltar ao aspecto central, ao Direito Penal formal, a um campo no qual pode funcionar, que são os bens e direitos individuais, vida, liberdade, propriedade, integridade física, enfim, direitos que podem ser descritos com precisão, cuja lesão pode ser objeto de um processo penal normal (...) Acredito que é necessário pensarmos em um novo campo do direito que não aplique as pesadas sanções do Direito Penal, sobretudo sanções de privação de liberdade e que, ao mesmo tempo possa ter garantias menores. Eu vou chamá-lo de Direito de Intervenção."

Destarte, é imperioso ao Judiciário ter cautela nas tipificações das condutas enquadradas como ímprobas, já que as sanções às referidas condutas são pesadas, tendo o magistrado o dever de deferir aos demandados não todas as garantias do processo penal, mas um núcleo de direitos e garantias que lhe defiram as condições de se defender das duras penas da Lei de Improbidade Administrativa.

Na doutrina brasileira, o penalista Fernando Capez discorre a respeito do tema, asseverando que os atos de improbidade situam-se em zona cinzenta, sendo que só se tem certeza de que foram retirados do âmbito penal. O autor, citando autores como Francisco Bilac Pinto Ferreira, defende que se trata de um quarto gênero de ato ilícito, o qual o STF na Rcl 2138 / DF considerou serem delitos de natureza político-administrativa, explicando que os atos de improbidade administrativa fazem parte do "regime de responsabilidade político-administrativa". Capez (2010), na sua obra "Limites Constitucionais à Lei de Improbidade" indaga a respeito do tema: "Não atentaria contra os pilares do Estado Democrático de Direito punir um agente público que, por mera desídia, erro de avaliação, praticasse alguma conduta que violasse de modo genérico o princípio da legalidade ou moralidade administrativa?" A resposta a esta pergunta foi substrato para que o autor construísse a tese de que nas condenações da Lei nº 8.429/92, os magistrados devem, primeiramente, deferir as garantias mínimas encartadas constitucionalmente para os demandados por ato ímprobo e, consequentemente, um julgamento levando em consideração a materialidade e a repercussão das ações praticadas pelos agentes públicos, somente sendo possível a condenação por improbidade se os atos forem materialmente danosos a sociedade e à Administração Pública, pois caso contrário estaria igualmente violando o devido processo legal material, reconhecido pela doutrina pelo nome de ‘proporcionalidade’.

Para retirar qualquer dúvida a respeito do tema, Fernando Capez assim exemplifica o seu posicionamento: “materialmente danosos a sociedade e à Administração Pública, pois caso contrário estaria igualmente violando o devido processo legal material, reconhecido pela doutrina pelo nome de ‘proporcionalidade’. Para retirar qualquer dúvida a respeito do tema, Fernando Capez assim exemplifica o seu posicionamento: ‘A lei de improbidade administrativa, não sendo considerada de natureza penal, mas cominando verdadeiras penas tão ou mais graves que as de caráter criminal, cria um regime jurídico de incertezas quanto à sua aplicação, com a consequente restrição de direitos do acusado, cuja punição normalmente dispensa a verificação de aspectos subjetivos imprescindíveis à existência da infração penal. (...) Em outras palavras, no Estado Democrático de Direito, a imposição de sanções restritivas, como as de natureza penal, pressupõe conteúdo ontológico para a infração, e não apenas a simples comparação mecânica entre os aspectos externos do fato material e a definição abstrata da infração feita pela lei.’

O STJ, malgrado a discussão ainda pela, já possui alguns precedentes apontando à necessidade de o julgador balizar-se, no manejo da Lei de Improbidade, a partir de parâmetros utilizados na aplicação da legislação penal, litteris: “RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DO § 8º, DO ART. 17, DA LEI 8.429/92. AÇÃO DE CUNHO CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVO. TIPICIDADE ESTRITA. IMPROBIDADE E ILEGALIDADE. DIFERENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL SUPERVENIENTE, MÁXIME PORQUANTO OS TIPOS DE IMPROBIDADE CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO RECLAMAM RESULTADO. INOCORRÊNCIA DE IMPROBIDADE PRIMA FACIE. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL À SEMELHANÇA DO QUE OCORRE COM A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE TIPICIDADE (ART. 17, § 8º DA LEI 8.429/92) AFERIDA PELA INSTÂNCIA LOCAL COM RATIFICAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SÚMULA 7/STJ. (...) 4. É uníssona a doutrina no sentido de que, quanto aos aspectos sancionatórios da Lei de Improbidade, impõe-se exegese idêntica a que se empreende com relação às figuras típicas penais, quanto à necessidade de a improbidade colorir-se de atuar imoral com feição de corrupção de natureza econômica." (STJ, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 13/12/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA)

Desta forma, para configuração do ato de improbidade administrativa é necessária concomitância de tipificação formal, subsunção do fato ao tipo legal, e tipificação material ou substancial, ocorrência de danos graves ao interesse primário da Administração Pública, além da inexistência de outra causa que exclua a tipificação, antijuricidade ou culpabilidade.

Analisando os fatos, percebe-se que não houve enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário, no entanto houve ofensa grave aos princípios da Administração Pública, ainda que não tenha comprovada a má-fé do agente público ou alguma evidencia de que se locupletou com dinheiro do ente público, o que sugere que os atos aqui narrados preencheram o primeiro requisito do substrato do ato de improbidade administrativa, aqui analisado pela perspectiva dos elementos do crime, ante a necessária garantia de direitos fundamentais deferidos aos processados criminalmente, coadunando com as lições do penalista Fernando Capez.

No entanto, tenho que a questão posta em discussão foge ao que a escola penalista de Frankfurt prega, aqui capitaneada por Fernando Capez, como veremos ao longo deste decisum, já se faz presente a concomitância da tipificação formal, a subsunção do fato ao tipo legal, e tipificação material ou substancial, a ocorrência de danos graves ao interesse primário (princípios) da Administração Pública.

Pois bem! A intrincada e erudita dialética, recheada com argumentos doutrinários e jurisprudenciais, típica de demandas dessa natureza, sobretudo quando profissionais do Direito da estirpe do representante do Ministério Público, o jovem Dr. Cláudio, e a da defesa, Dra. Marina, que de pimenta não tem nada, sendo uma doçura de criatura, nos dá a impressão de um processo complexo; não obstante, o considero simples, e para demonstrar sua singeleza impõe-se que a fundamentação dessa sentença seja simples, clara e objetiva, em que pese sê-la extensa como veremos adiante, mas que trilhe o raciocínio lógico.

A Lei que trata dos casos rotulados de improbidade administrativa – assim como qualquer outra lei, seja ela federal, estadual ou municipal – reclama interpretação, e esse trabalho revelar-se-á simples ou complexo a depender do texto da norma, quer dizer, pode ser claro, dúbio, obscuro ou omisso. Contrariamente, o grau de dificuldade no momento de enquadrar os fatos à lei também poderá ser maior ou menor, conforme os próprios fatos se mostrem claros, dúbios, obscuros ou omissos.

Vertida essa premissa inconteste, prossigamos.

Segundo o Dicionário virtual Wikipédia, teleologia “é o estudo filosófico dos fins, isto é, do propósito, objetivo ou finalidade. Embora o estudo dos objetivos possa ser entendido como se referindo aos objetivos que os homens colocam em suas ações, em seu sentido filosófico, teleologia refere-se ao estudo das finalidades do universo”. Abrindo parênteses, pessoalmente vejo a interpretação teleológica como sendo o “gênero”, e as demais, “espécies”, algo como uma relação de continência e conteúdo. Fecho parênteses.

Para entendermos como se estabelece o alcance e a finalidade da norma, temos que, antes, explicar o que vem a ser ‘exposição de motivos’: é o texto que antecede a lei – o prefácio, diria – no qual o legislador, no amplo processo de criar, revogar ou alterar uma norma, justifica, declina suas razões, o motivo de ter criado, revogado ou alterado uma lei. Dependendo da envergadura do diploma, muitas vezes a exposição de motivos relata os debates que antecederam a aprovação do texto; noutras vezes, ela vem na forma dos “considerando”. Também presta grande auxílio nesse aspecto a doutrina, a cargo dos escritores e articulistas de renome, bem como a jurisprudência, definida como sendo a decisão reiterada dos tribunais, num mesmo sentido, acerca de determinado assunto. Em superficialíssimas linhas, é isso.

A assertiva de que toda lei requer seja interpretada, embora óbvia para os profissionais do Direito, não o é para o leigo, o qual entende que basta uma leitura do texto, ou seja, para ele só existe a interpretação literal. É o que vemos todos os dias nas manifestações dos cidadãos nas redes sociais e quejandos, exigindo que ao requerido nesta ação, sejam aplicadas as mesmas sanções aplicadas aos vereadores em ações civis outras. Ora, se assim fosse, um avançado programa, com os algoritmos adequados, poderia, com tranquilidade (e espetacular economia para os cofres públicos), substituir todos os agentes públicos que detenham competência para aplicar a lei. Bastaria inserir os fatos e a máquina se incumbiria de subsumi-los à norma, dando a imediata solução. Fantástico, diriam alguns. Será? Não acredito, por óbvio.

O colunista Hélio Schwartsman, do Jornal Folha de São Paulo (pelo menos quando a Filha era crível), com muita propriedade certa vez afirmou que a melhor maneira de se criar o pior dos mundos é aplicar todas as leis com o máximo rigor. Assim, e a título de exemplo, imaginemos mães processadas, condenadas e encarceradas por furarem o lóbulo das orelhas de suas meninas para colocar um brinco. Que mundo sombrio! Tecnicamente, é uma conduta tipificada no Código Penal (lesão corporal), mas sem nenhuma relevância penal porque é um fato socialmente aceito.

Portanto, além da óbvia necessidade de interpretarmos a norma, considere-se que o legislador, como todo ser humano, é falível, quer dizer, muitas vezes ele “dá na trave”, não raro exigindo um contorcionismo por parte dos aplicadores da lei. Mesmo quando ausentes esses deslizes, também não há como normatizar (prever) todos os fatos possíveis e imaginários que possam vir a ocorrer após a edição da regra, pois basta confrontarmos a realidade cotidiana com a abstração e a generalidade da lei para concluirmos que isso é impossível, motivo pelo qual muitas vezes a solução de um caso fica condicionada à utilização da técnica da interpretação extensiva e/ou analógica – que, particularmente, as vejo como um dos meios de realizarmos a interpretação teleológica, pois a extensiva e a analogia necessariamente pedem o exame do alcance e da finalidade.

Essa inevitabilidade, imposta pela vida real, justificou a edição do art. 8º do NCPC: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”. Ainda o art. 140, caput: “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico”.

Por fim – e não menos importante – temos que levar em conta o seguinte: não bastasse o fato de o Brasil possuir dimensões continentais, as disparidades regionais são imensas e profundas, abissais, nos dando a impressão de se tratar de uma Confederação, quer dizer, uma união de Estados soberanos. Em palavras mais simples, parece que há vários países que, aglutinados, formaram um único, tamanha as diferenças econômicas, culturais e políticas de região para região, o que dá para termos uma pálida ideia do que acontece por este Brasil afora. Por isso, penso não ser exagero afirmar que o desejável seria adotarmos o modelo norte-americano de Federação, no qual os respectivos Estados são “quase soberanos”.

Esse intróito, embora não determinante para o deslinde da causa, aqui se justifica plenamente, haja vista o grau de tensão instalada na comunidade de Guaxupé, por conta da efervescência política, sobretudo em razão das anteriores ações civis públicas sentenciadas em desfavor dos vereadores que, é bem dever, tiveram seus mandados cassados e direitos políticos suspensos, aliado aos resultados das eleições municipal. A energia que paira no ar é tão densa que mais um pouco será visível e palpável, quer dizer, transformar-se-á em matéria. É visível e perceptível o embate ainda existente entre os grupos políticos, onde um lado espera e conta com a procedência da ação em face do Prefeito, com todas as sanções que foram aplicadas aos edis condenados e, por outro, a esperança de que a ação seja tida por improcedente. Enfim, há uma loteria para saber quem ganha e quem perde. Dá-se a impressão de que estão digradiando-se no segundo turno, embora no ‘tapetão’.

Espero que essas palavras não padeçam dos vícios da dubiedade e/ou da obscuridade, pois o que pretendi demonstrar, em última análise, é que cada caso é singular, e para que o casuísmo se torne efetivo, real, é pressuposto básico que o juiz se revista da incondicional imparcialidade, o que só se verificará se estiver imune das paixões idiossincráticas. Essa imunidade é o que lhe garantirá a equidistância, e assim, serenamente, definirá o alcance e a finalidade da norma a ser aplicada e, por certo, subsidiar uma decisão (sentença) que traduza a verdadeira justiça.

Em suma, repito, tudo isso para mostrar que os processos que tratam do evento conhecido como “farra das diárias”, e os referentes aos subsídios dos vereadores, não possuem relação/conexão alguma com o fato que ora se julga. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, como reza o ditado popular. Comentam-se de forma recorrente, até pelas redes sociais, de que o Juiz deverá aplicar neste processo o princípio da isonomia, pois se os vereadores foram condenados nas sanções ‘tais’, o mesmo deverá ocorrer com o Prefeito nesta ação e nas mesmas sanções. Enfim, pelo visto já têm o requerido nesta ação civil pública por improbidade administrativa, como condenado, isto é, parcela da sociedade já proferiu seu veredicto.

Claro que ao sentenciante, qualquer que seja a vontade deste ou daquele grupo, ‘condenar’ ou ‘absolver’, segundo suas convicções empíricas, não deverá e nem poderá surtir qualquer efeito e/ou ser induzido a decidir deste ou daquele modo. Jamais o Juiz deve decidir com o objetivo de dar satisfação e agradar a sociedade. Tem, ele, que ter a cautela e a serenidade/tranqüilidade para poder dar o desate ao caso fazendo justiça, nem que para isso tenha que desagradar a sociedade, aos poderosos, etc. Mas se é para fazer justiça, então desagrade.

Essas explicações não visam blindar-me das críticas. Naturalmente, a decisão irá desagradar um dos lados – e, dada a peculiaridade do tema, também uma fatia da sociedade fará ‘cara feia’ –, já que o vencido nunca é convencido. Busco, sim, aclarar os motivos pelos quais é impossível (além de não recomendável) padronizar as decisões judiciais. Existe previsão legal para cuidar das chamadas ‘demandas repetitivas’ (arts. 976 a 987, do CPC), onde é possível decidir-se “em bloco”, mas esse é outro assunto, aqui sem pertinência.

Pois bem! Minhas escusas, mais uma vez, pela digressão, mas senti-me no dever de deixar registrada a pressão psicológica que estou a enfrentar como forma de influenciar-me na decisão deste feito. No entanto, por certo, desagradarei um ou outro, como veremos logo mais adiante.

A questão posta nos autos resume-se em saber se o réu efetuou a nomeação de dois Inspetores Municipais e de um Subcomandante da Guarda Municipal sem que a Lei criadora do cargo estivesse sido regulamentada, e, com isto gerando uma despesa ao erário no valor de R$ 94.496,09, de tal sorte que restariam violados os Princípios da Legalidade, Impessoalidade e Finalidade, que, juntamente com outros, devem nortear os atos públicos.

O cerne da presente lide reside em saber se a conduta do réu Jarbas Corrêa Filho – Prefeito Municipal, ao contratar e designar os Guardas Municipais, no caso sem que a Lei instituidora estivesse devidamente regulamentada, configura ou não ato de improbidade administrativa a merecer as reprimendas contidas na Lei nº 8.429/92. Vejamos.

Pratica improbidade administrativa o agente público que, por ação ou omissão, descumpre um dos comportamentos pretendidos pelos diversos princípios constitucionais da Administração Pública, os quais estão esparsos em todo o texto da Constituição, concentrados em seu art. 37, e reproduzidos na Lei nº 8.429/92. A improbidade ocorre por desídia, ócio, omissão, desprezo à exação ou mesmo por infração à norma legal. A Administração Pública exige do agente que seja honesto, leal e eficiente. Mas a improbidade pressupõe culpa grave ou dolo, consciência da ilicitude.

A doutrina de Direito Administrativo é no sentido de que os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 1993). O doutrinador cita, ao pé da página, a doutrina do Ministro do STF, Rodrigues Alckmin, constante da RT 205/213, segundo a qual o ato praticado por um prefeito se não se macula de má-fé, de corrupção, de culpa de maior monta, não deve acarretar a responsabilidade pessoal da autoridade.

A Lei nº 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa tem gerado muitas discussões na Justiça. Sabe-se que é enorme a quantidade de processos que contestam questões básicas, como classificação de um ato como improbidade administrativa e quem responde por esse tipo de conduta.

A Carta da República, no art. 37, caput, dispõe que a Administração Pública direta e indireta deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, rezando, outrossim, no § 4.º do mesmo dispositivo, que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, da forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Sabe-se que o conceito de improbidade, assim denominado pela Carta Magna o ato lesivo à moralidade administrativa, está intimamente ligado à necessidade de o agente público agir sempre, impreterivelmente, com honestidade e em atendimento aos interesses públicos, sem aproveitar-se indevidamente dos poderes e facilidades que lhes são conferidos no exercício de mandato, função, emprego ou cargo público. Para que o ato de improbidade administrativa possa acarretar a aplicação das medidas sancionatórias presentes no art. 37, § 4.º, da CR/88, devem estar presentes determinados elementos, quais sejam: o sujeito passivo ser uma das entidades mencionadas no art. 1.º da Lei n.º 8.429/92; o sujeito ativo ser um agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática de ato de improbidade ou dele se beneficie; a ocorrência de ato danoso causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública e a presença de elemento subjetivo: dolo ou culpa.

O art. 1º da Lei n.º 8.429/92 explicita quais os entes administrativos passíveis de sofrer a prática de um ato de improbidade: “Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. Observe-se que aí estão relacionados os órgãos da administração direta, à qual pertence à municipalidade pretensamente atingida pela irregularidade proveniente da, em tese, alegada contratação dos serviços dos guardas municipais ante a não regulamentação da lei instituidora.

A mesma Lei dispõe nos arts. 2º e 3º aqueles que podem ser sujeito ativo e passivo do ato de improbidade administrativa: “Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”. Aperfeiçoado igualmente esse requisito, tem-se que o réu Jarbas Corrêa Filho é o Prefeito do Município de Guaxupé.

Já a Lei nº 8.429/92, editada para fazer valer o estatuído no artigo 37, § 40 da CF/88, que dispôs a respeito das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, no seu artigo 11, I, fez constar: “Art. 11 — Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade legalidade e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência”. Assim sendo, para que se atente contra a moralidade e legalidade administrativa não exigiu a Lei, necessariamente, que o ato de improbidade cause lesão ao erário público, bastando o descumprimento do que dispôs a Lei. É o que diz o artigo 21, I, da Lei nº 8.429/92.

Marino Pazzaglini Filho, em palestra proferida em 28/08/1997, no 5º Encontro do Ministério Público do Centro Oeste, realizado em Campo Grande-MS, ao comentar a Lei nº 8249/92, asseverou: “Esta Lei divide e define, exemplificativamente, os atos de improbidade administrativa em três categorias: 1. Os atos que tipificam enriquecimento ilícito do agente público. 2. Os atos lesivos ao erário que acarretam o enriquecimento ilícito de terceiros. 3. Os atos que, sem produzir enriquecimento ilícito, atentam contra os princípios da boa administração.”

No julgamento do STF em RE de nº 160.381-0-SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.3.94, extrai o seguinte excerto: “a ilegalidade do comportamento do agente, por si só, causa o dano. Dispensável a existência de lesão... a lesividade alcança o patrimônio moral das entidades públicas...”

Finalmente, no artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, disciplinou o Legislador as penalidades aplicáveis àqueles que praticam o ato de improbidade administrativa. Resta, assim, apurar a ocorrência dos demais elementos, quais sejam: a ocorrência do ato ímprobo e a prática deste com dolo ou culpa, conforme o tipo de improbidade.

In casu, pretende-se a imputação ao demandado de ato de improbidade causador de dano ao erário, previsto no art. 11, da Lei de Improbidade Administrativa.

Pois bem. No caso dos autos, a acusação do Ministério Público acerca das contratações dos guardas municipais sem que a Lei instituidora estivesse devidamente regulamentada, fazendo-o por Portaria, trata-se de ponto incontroverso, uma vez que o próprio demandado reconhece as contratações, embora traga como justificativa para as ditas contratações a alegação de que o Município não sofreu prejuízo de nenhuma espécie, pelo contrário, pois além dos cargos serem previstos em lei, houve a efetiva prestação dos serviços e, portanto, a população deles se beneficiou, desta feita não obrando com dolo e/ou culpa.

No mesmo sentido disseram as testemunhas arroladas pelo apelante, desta feita corroborando as afirmativas do ex-Prefeito, portanto recheando o feito de provas quanto ao afirmado pelo autor da ação.

Excluindo o que já se apresenta como incontroverso, adianto que não há que se falar em conduta desonesta por parte do réu. Em termos pessoais, até onde se sabe ele não auferiu qualquer espécie de vantagem com os atos de contratação. Incontroverso, também, que, ainda que de efêmera duração, o trio executou a tarefa para a qual foi admitido, e, inclusive, sua relevância foi reconhecida pelo próprio autor quando entrevistado – percebe-se, portanto, que são profissionais de alto nível, o que é de se lamentar a impossibilidade da permanência deles nos quadros do Município, bem como a perda do emprego em dias tão difíceis. Faz mais de dois anos que foram exonerados (época da anterior sentença anulada). Espero que esse curriculum diferenciado já tenha aberto outras (e melhores) oportunidades. Ainda pende em prol do Alcaide o fato de ser reconhecidamente sério, honesto, trabalhador, etc. No entanto, o cometimento de irregularidades e/ou ilegalidades, no exercício da função, é sempre possível. O que não é possível é a prática de atos administrativos em desobediência à legislação. Por demais elementar.

Esse reconhecimento é de suma importância na medida em que, em caso de condenação, as penas da multa civil, do ressarcimento aos cofres públicos e de proibição de contratar com o Poder Público ficam afastadas. Sim, pois se não houve proveito pessoal de espécie alguma, se os serviços foram efetivamente prestados, e se o Município não sofreu prejuízo, essas sanções não encontram fundamentos para incidir.

Diante disso, sustentar que o Erário deve ser ressarcido é inverter os polos, ou seja, é promover o enriquecimento sem causa do Município. Quanto às demais (multa e proibição de contratar), comungo do entendimento de que só devem ser aplicadas se houver prejuízo ao ente público ou provado o benefício próprio; do contrário, não há razão.

Note-se que a questão pecuniária é comum nessas três espécies de penas. Então, se a “pecúnia”, seja em proveito pessoal, seja em prejuízo da Fazenda, está afastada no caso em tela, nenhuma delas deve incidir. É o que o bom senso diria a qualquer pessoa de bom senso.

Sendo assim, à primeira vista pode parecer que se encaixam as doutrinas e os julgados apresentados pelo réu em suas manifestações (f. 224, 248/250, 287/288 e 312/131). Resumidamente, dizem que a finalidade da LIA é a de punir o administrador ímprobo e não o inábil. Mas aqui a questão não guarda similitude com os casos constantes das doutrinas e ementas colacionadas,

No entanto, como ressaltado pelo próprio requerido à f. 245, os benefícios dos citados entendimentos doutrinário/jurisprudencial só são passíveis de serem invocados – e eventualmente aplicados – quando ausente o dolo ou a culpa grave (que no Direito Penal equivale à culpa consciente, modalidade na qual o resultado é previsível, mas o agente espera que não aconteça). Conclui-se, dessa maneira, que os rigores dessa Lei serão afastados quando a culpa apurada for leve ou média.

O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César, cf. já disseram em julgados. Assim, como esperar que os cidadãos acreditem ter uma administração proba se ela contrata servidores para a Guarda Municipal sem observância à legislação? Em matéria de dinheiros públicos, ‘quem gastar, tem que gastar de acordo com a lei’ - é o que corretamente anotou Batista Ramos (Considerações sobre: parecer prévio, princípio da legalidade, competência para julgamento, Revista Tribunal de Contas da União 5(8): 41-54). Assim, aduzem Sérgio Ferraz e Lúcia Vale Figueiredo: ‘quem gastar em desacordo com a lei, há de fazê-lo por sua conta, risco e perigos’. Aliás, o renomado autor Celso Antônio Bandeira de Mello, in, Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, Malheiros, 1999, São Paulo, p. 75. leciona: “(...) O princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize.”

A questão posta nos autos deve ser tratada, também, tomando por base o princípio da moralidade, que vincula toda atuação da Administração Pública à sua observância, manifestamente inscrito no artigo 37, caput, da Carta Magna. Com efeito, em decorrência do texto constitucional, e da LOM, por certo não se pode contratar quem quer que seja sem submeter-se ao concurso público, com exceção dos casos excepcionados que, por certo não se enquadra a contratação dos guardas, data vênia da combativa defesa.

É certo que a Constituição Federal, no seu art. 37, inciso IX, prevê a possibilidade de contratação por tempo determinado para atender necessidades excepcionais, todavia, a contração sob este regime especial que dispensa em tese concurso deve atender a quatro pressupostos indispensáveis.

O primeiro deles infere-se do inciso IX do artigo 37 da Constituição Federal que "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público". Conclui-se que, as contratações por prazo determinado devem ser precedidas de lei municipal que estabeleça os casos em que poderá ocorrer a contratação, no âmbito do Município, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, prevista no artigo 37, inc. IX, da Constituição Federal, hipóteses em que as circunstâncias exigem satisfação imediata e temporária, justificando as contratações provisórias, afastando a regra geral prevista quanto ao acesso aos cargos e empregos públicos mediante concurso público. Vale, a propósito, o comentário de Carmen Lúcia Antunes Rocha: “As hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público têm de ser expressas em lei, pelo menos no que se refere ao fator ou ao critério claros de identificação do que seja validamente considerado como tal, caso contrário o que pode ocorrer é que se tenha uma indeterminação dos casos que poderão ensejar a aplicação da regra contida naquele dispositivo, podendo-se então tomá-lo como um escape para contratações que não configuram necessidade temporária nem excepcional interesse público" (Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 241).

No caso dos autos, verifica-se que a contratação temporária dos guardas municipais é feita sem prévia lei autorizativa (não regulamentada), transformando a medida excepcional em regra no Município em afronta aos princípios constitucionais da impessoalidade e moralidade, de observância obrigatória pela Administração Pública direta ou indireta, ex vi do disposto no art. 37, caput, da CF. Incontestável o fato de ter o réu contratado e designado os guardas municipais ilegalmente à luz do que dispõe a legislação de regência. Assim, feriu também o princípio da moralidade administrativa, porque “(...) antiga é a distinção entre Moral e Direito, ambos representados por círculos concêntricos, sendo o maior correspondente à moral e, o menor ao direito. ... numa aceitação ampla do brocardo segundo o qual non omne quod licethonestum est (nem tudo o que é legal é honesto)” — PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di, in, Direito Administrativo — 8ª edição, Ed. Atlas S.A., 1 997, São Paulo).

Ora, se as contratações são ilegais, portanto, sem sombra de dúvidas, também, imorais.

O segundo pressuposto é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados devem ter prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutários e trabalhistas. Entretanto, no caso dos autos, tem-se que o caráter excepcional, de necessidade temporária, o qual, realmente, dispensa o concurso público, cai por terra ao se verificar que foram contratados por prazo indeterminado. Diante desta constatação, não há que se falar em caráter sazonal dos serviços prestados à coletividade, porquanto restou evidenciada a prestação contínua, em regra muito além do que seria tido por razoável, fato que, por si só, descaracteriza a prestação a termo.

O terceiro pressuposto é a temporariedade da função, ou seja, a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, a Administração Pública deve processar o recrutamento através de concurso. Deste modo, se a necessidade de contratar da Administração não é excepcional, nem resulta de circunstâncias especiais, mas é permanente e resulta da necessidade rotineira do serviço, tal como, professora, então é inaplicável o art. 37, IX. Assim, não pode ser objeto de contratação temporária cargo típico de carreira, como no caso em apreciação. Em hipóteses de necessidade permanente do serviço, como a existente no caso, as contratações devem ocorrer por concurso público, como exige o art. 37, II, da Constituição. Desrespeitada a exigência, deve ser cominada a nulidade prevista no art. 37, § 2º, da Constituição.

O quarto pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga o recrutamento, portanto, situações administrativas comuns não podem ensejar o recrutamento desses servidores.

Deste modo, em nenhum momento restou evidenciada a necessidade da contratação excepcional, sendo inexistente a fundamentação (motivação).

Assim, a Administração burlando as normas constitucionais que regulam o ingresso no serviço público, procura enquadrar na exceção constitucional, sem a correspondente legislação autorizativa (regulamentada) as irregulares contratações efetuadas, e diante de tal quadro, impõe-se a solução de nulificação dos contratos.

Contrariamente ao que afirma o requerido, data vênia, para a configuração do ato de improbidade inserto no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 e aqui constatado, tido como, não há a necessidade de que tenha restado patente lesão ao erário, como se exige para os previstos, respectivamente, nos artigos 9º e 10 dessa mesma lei, vez que a hipótese em análise resta consubstanciada com a simples contrariedade aos princípios basilares que devem ser respeitados ao atuar na Administração Pública, o que ocorreu, vez que o ato perpetrado pelo Alcaide, além de constituir-se ilegal, afigura-se imoral e completamente maculado de parcialidade.

Nesse sentido é a lição de Waldo Fazzio Júnior, em sua obra "Atos de Improbidade Administrativa - doutrina, legislação e jurisprudência", in verbis: “Os atos de improbidade administrativa contemplados no art. 11, da Lei nº 8.429/92, independem de efeitos subjetivos (agente público que se avantaja) e objetivos (lesão ao erário), para sua caracterização. São atos de improbidade administrativa em sentido estrito. (...) O objeto de proteção do art. 11 não é o patrimônio público econômico, mas a própria probidade administrativa, sendo irrelevante, para a tipificação do ato de improbidade a esse título, quaisquer coadjuvantes materiais.” (pág. 159 e 161).

Atente-se que mesmo nas contratações de servidores públicos sem concurso público, onde reste descaracterizado o prejuízo ao Erário, pelo simples fato da prestação de serviços, e, afastada a figura do enriquecimento ilícito, o ato administrativo irregular macula ainda assim os princípios norteadores da Administração Pública. Por essas razões, não merece prosperar as alegações defensivas, ainda que judiciosas, na medida em que restou evidente o desrespeito aos princípios norteadores da Administração, e isso basta para a configuração do ato de improbidade inserto no transcrito artigo 11, inciso III da LIA, uai.

Em razão disso, resta, pois, analisarmos o grau da culpa e/ou o dolo, e assim, o resultado dessa análise dirá se a doutrina e a jurisprudência incidem ou não aqui. Vejamos.

Após a CF facultar aos Municípios a criação da respectiva guarda (art. 144, § 8º), isso se tornou o objeto do desejo de muitos administradores/legisladores (o tema “segurança” toca fundo nas pessoas); dessa maneira, em Guaxupé não foi diferente, tanto é que temos a Lei nº 1.937/09, instituidora da Guarda.

Instituiu-a e parou por aí, o que torna perceptível, para as mentes um pouco mais sensíveis, a existência de uma distância cósmica entre o ato de criar e o ato de concretizar, pois “querer criar” é uma coisa; implantar, completamente outra, haja vista que um projeto dessa envergadura reclama não só um aporte financeiro (sempre o principal) à altura, mas igualmente deve ser precedido de um amplo e profundo estudo técnico/operacional, a cargo de especialistas, sem contar a necessidade de aparato logístico. Muitas vezes, os obstáculos são tantos e tão variados a ponto do projeto nem sempre ser factível, pois não condizente com a realidade de um determinado Município, já que geralmente o problema costuma ser um só: dinheiro, ou melhor, a falta dele.

Prosseguindo nessa linha de raciocínio, peço licença para exagerar no seguinte exemplo: nada impede que, num ato delirante, se resolva instituir a “Agência Espacial Mário Guilherme de Guaxupé” (chique!), o que seria simples, já que, grosso modo, “papel aceita tudo”, mas é evidente a impossibilidade de tirá-la desse mesmo papel. Pense na certeza de que o orçamento do Município seria inteiramente drenado (e ainda assim insuficiente) para construir um centro de pesquisa e custear alguns cérebros da Nasa e/ou da Agência Espacial Europeia para nos dar suporte...deixando de lado o exagero, o que se quer é mostrar o enorme fosso que costuma existir entre a “intenção” da norma e a crueza da realidade, e é justamente por essa realidade que a Lei nº 1.937/09 até hoje permanece hibernando, quer dizer, não foi regulamentada (quando da sentença anterior anulada).

De outro lado, não se sustenta o argumento de que a expiração do prazo de noventa dias para que essa lei fosse regulamentada a torna automaticamente exequível (como quer o réu), pois do mesmo modo que uma lei não se revoga por deixar de ser aplicada – aconteceu com o crime de adultério até ser revogado – uma lei que reclame regulamentação não se considera exequível porque o Legislativo quedou-se inerte. O Mandado de Injunção é o instrumento adequado para corrigir a inércia, data vênia.

Portanto, outro ponto sobre o qual não se discute: a Lei nº 1.937/09 não está regulamentada, e desse fato decorre outro, qual seja, a Guarda Municipal não está implantada (à época).

Colhe-se dos ensinamentos de Hely Lopes Meireles, in Direito Administrativo Brasileiro, que “(...) As leis que trazem a recomendação de serem regulamentadas não são exeqüíveis antes da expedição do decreto regulamentar, porque esse ato é conditio juris da atuação normativa da lei. Em tal caso, o regulamento opera como condição suspensiva da execução da norma legal, deixando seus efeitos pendentes até a expedição do ato do Executivo. (...)”

De modo que sem a devida regulamentação da Lei, por certo, a conduta do Alcaide, aliado ao fato de inexistir um parecer jurídico pela possibilidade, obrou de acordo com sua vontade e, então, sem o devido amparo legal, promoveu a nomeação dos Guardas ao arrepio da legislação. O ato de nomeação, por conseqüência, é nulo.

De outra feita o reconhecimento da não possibilidade de implantação definitiva da guarda municipal em 2013, considerando as restrições orçamentárias na época, sobretudo pela impossibilidade da realização de concurso público, traduz no reconhecimento da sua não implantação.

Entretanto, considero irrelevante a restrição orçamentária, admitida pelo próprio Município, quando prestou esclarecimentos durante o trâmite do Inquérito Civil (f. 54/59), como também assim considero a inexistência do respectivo Estatuto, pois entendo que esses dois pontos pressupõem a prévia regulamentação, e o respectivo decreto, a cargo do Legislativo, não existe.

Como consequência disso, inútil discutir que se trata de cargo de confiança ou em comissão, prevista da Lei nº 1.937/09. Esses dispositivos poderiam ser invocados se acaso esse diploma estivesse regulamentado. Sem regulamentação, a Guarda Municipal não está formalmente implantada, e sem a real implantação ela não gera efeitos; assim, qualquer ato de contratação é nulo, ainda que a lei preveja o cargo comissionado, e essa nulidade subsistiria mesmo que por acaso os comissionados fossem servidores efetivos.

Em suma, nada pode ser feito sem que a lei esteja previamente regulamentada, ainda que a norma tenha feito previsão para as funções de confiança e para os cargos em comissão – concessa venia por repetir. Além do mais, fica difícil imaginar, no plano dos fatos, como se daria essa automática exequibilidade ante a omissão do legislador. O decreto autônomo seria incabível, uma vez não ser ele previsto no nosso ordenamento jurídico (embora haja quem diga que essa hipótese esteja contemplada no art. 84, VI, da Carta). O réu pretendeu tornar exequível a lei, efetuando as contratações por meio de Portarias, o que me parece ser um tremendo equívoco.

Ora, pois! Não se concebe a nomeação do Comando da Guarda Municipal sem que ela esteja devidamente regulamentada, e, ainda, com seu corpo de 40 guardas, conforme informação, a ser, sabe-se lá quando, admitido por intermédio de concurso. De modo que impensável ter um Comandante e dois Inspetores, para comandar quem? E mais, essa situação permaneceu por longo tempo sem a sua devida regulamentação.

Do mesmo modo, a mera arguição do requerido de que atuou sem dolo não é suficiente a eximi-lo da responsabilização devida pelos atos praticados em dissonância com os supracitados princípios da Administração Pública, sobretudo quando o conjunto probatório demonstra a prática voluntária e consciente do ato de improbidade aqui questionado, caracterizado pela manifestação indesejável da pessoalidade no trato de questões de gestão pública, expressamente vedada no nosso ordenamento jurídico pelos citados artigos 11 e 37.

Outro erro primário e inescusável do Alcaide, foi não requerer de sua assessoria jurídica um parecer jurídico sobre a possibilidade ou não, naquelas situações, contratar e designar os guardas. Isso denota de que resolveu, spont sua, a contratação irregular dos guardas. Oras, é para isto que existem os assessores jurídicos. E o dolo, ainda que genérico como quer crer a culta defesa, aflora exatamente na vontade deliberada de extrapolar os limites objetivos da lei, diga-se, ainda não regulamentada, e proceder a nomeação do Comando da Guarda Municipal, não podendo, em situações que tais, o agente político atropelar a legislação de regência a qualquer pretexto, sendo, portanto, dever básico de administração e gestão obrar de acordo, e somente de acordo, com o que diz e permite a norma.

Como se vê, as considerações feitas pela aguerrida defesa não afastam a prática do ato de improbidade administrativa por violação de princípios da administração pública – princípios da legalidade e da moralidade, uma vez que foi constatado o elemento subjetivo dolo, pois que seja genérico ‘uai’, na conduta do agente, o que permite o reconhecimento de ato de improbidade administrativa. Nesse sentido: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que os atos de improbidade descritos no art. 11 da Lei 8.429/92 dependem da presença de dolo, ainda que genérico, mas dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a administração pública ou enriquecimento ilícito do agente. (...) 4. Agravo regimental não provido." (AgRg no AREsp 186.734/MG, Rel. Ministra MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/3/2015, DJe 17/3/2015.)”

Apenas a título de informação, creio que importante, tenho adotado o entendimento (minoritário) de que ao assessor jurídico, quando emitir um parecer pela prática de algum ato administrativo que a bem da verdade não traduz o entendimento doutrinário jurisprudencial, a ele é que deve ser direcionada a punição, e não ao Prefeito, já que ao ordenador das despesas (Prefeito), por desconhecimento das técnicas jurídicas, estaria respaldado pelo parecer de profissional do Direito para praticar o ato. Assim, tive oportunidades outras de aplicar as sanções ao Procurador do Município (Monte Sião) por emitir parecer pela contratação do Escritório do finado José Nilo de Castro, para atuar em causas corriqueiras que não demandavam a contratação de escritório especializado. O Prefeito, com o parecer positivo, por certo, foi induzido a erro.

Seguindo. Na hipótese, foi empreendida conduta dissociada da legalidade, imparcialidade, moralidade e dos deveres da boa administração. Sendo assim, o resultado dessa análise faz-me concluir que a culpa do réu é grave, e sendo grave equipara-se ao dolo, e o dolo, se não específico, então que seja genérico como quer a defesa. Lamentavelmente, a doutrina e o entendimento jurisprudencial mencionados pela defesa não poderão socorrê-lo. Sua conduta, como muito bem sintetizou o autor, colocou “o carro na frente dos bois”. Disse ‘lamentavelmente’ considerando, até prova em contrário, tratar-se o Prefeito, na pessoa do Jarbas Corrêa Filho, de um homem reto, honesto em suas relações pessoais, sociais, detentor de considerações e respeito da população de Guaxupé, etc., abstraindo, por evidente a questão sub litte.

Não se quer, por meio de mágica, “descriminalizar” os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública; o que se busca, sim, é analisá-los sob a ótica do caso concreto, em especial quando inexistentes o prejuízo aos cofres públicos. Daí é que entra em cena a interpretação teleológica, cf. explanado algures, e assim, pergunta-se: deve ser punido o agente que, comprovadamente, não agiu com dolo, seja específico, seja genérico, nem má-fé, não causou prejuízo econômico ao Município, não obteve proveito pessoal com a conduta, e que ainda por cima essa mesma conduta foi benéfica à população?

Ainda que ex abundantia, ao contrário do que alega o réu, tal contratação ao arrepio da legislação, não bastando simples alegação de não ter obrado com dolo e nem causado prejuízo ao erário, nada de raro, inédito, incomum ou complexo havia na busca de informação jurídica através de seu corpo jurídico, cf. dito algures, a indicar, por certo, da forma que fora feita, tal não poderia se dar. Creio que qualquer acadêmico de Direito não teria dificuldade de saber que ante a não regulamentação de uma lei que não é auto-exequível, e, portanto, dependente de regulamentação, enquanto tal não ocorresse, por certo obstado estaria a contratação/designação de servidores públicos, da forma que feita, para compor a Guarda Municipal.

Em outra via, importa mencionar, ainda, que a Administração Pública é regida por vários princípios de natureza constitucional, dentre os quais se destaca o da legalidade administrativa, nos termos do qual, diversamente do que se ordena ao cidadão “comum” – tudo que não é proibido é, em regra, permitido (liberdade negativa) – toda ação do agente público deve estar prevista em lei.

Também, data vênia, não me convence, por mais convincente tenha sido em sua defesa, quando afirmou que não agiu com dolo, embora repetitivo, motivo pelo qual deva ser julgada improcedente a ação. Creio, sim, que se não agiu, no caso, com dolo específico, no entanto, na pior das hipóteses, ou agiu com dolo genérico e/ou cometeu erro grave e, sabe-se que o erro grave equipara-se, por conta da LIA, ao dolo, ao menos para a caracterização da prática de ato de improbidade administrativa, sendo o bastante para sujeitar-se à aplicação das sanções, em termos, previstas no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92. Vejamos a ementa: “DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11 da Lei d Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico. Consequentemente, afasta-se a responsabilidade objetiva dos administradores, não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública. Precedentes. 2. Embargos de divergência não providos. ( STJ – Primeira Seção. EREsp 917437/MG – Embargos de Divergência em Recurso Especial 2008/0236837-6. Relator: Min. Castro Meira. DJe 22/10/2010).

Registre-se, por oportuno, que nos casos do artigo 11, a Primeira Seção do STJ unificou a tese de que o elemento subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo genérico, ou seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da administração pública.

A lei de improbidade administrativa prescreve no capítulo das penas que na sua fixação o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. (Parágrafo único do art. 12 da lei nº 8.429/92).

O processo existe por causa da atitude de improbidade de contratar Guardas Municipais sem que a lei instituidora estivesse devidamente regulamentada e, não estando regulamentada por óbvio ainda inexistente no plano jurídico, então neste ponto, como negar a não ocorrência de improbidade administrativa? Porém, relativamente aos atos que não geram, pelo menos aparentemente, vantagens ao agente e/ou desvantagens ao erário, mas nem por isso deixam de ser típicos, não se pode concluir pelo puro e simples não-sancionamento, nem tampouco fazer compensação com aqueles, sob pena de consagrar-se, na prática, a impunidade.

O que deve inspirar o administrador público é a vontade de fazer justiça para os cidadãos, sendo eficiente para com a própria administração O cumprimento dos princípios administrativos, além de se constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada cidadão. Não satisfaz mais às aspirações da Nação a atuação do Estado de modo compatível apenas com a mera ordem legal, exige-se muito mais: necessário se torna que a gestão da coisa pública obedeça a determinados princípios que conduzam à valorização da dignidade humana, ao respeito à cidadania e à construção de uma sociedade justa e solidária. E, aproveitando o ‘gancho’, a população de Guaxupé, pela sua maioria, respondeu nas urnas, bem como reconheceu a eficiência do Prefeito à frente da administração do Município.

Continuando. Consigno que as penas por improbidade administrativa estão definidas no art. 12 da LIA, no caso, ressarcimento aos cofres públicos, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

Com relação a essas penas, a mais recente jurisprudência e a doutrina vêm aplicando o princípio da proporcionalidade quanto à acumulação das sanções previstas na Lei de nº 8429/92, tanto no sentido de punir o ímprobo com apenas algumas das penas impostas, como no de minorar na sua quantificação, a depender do caso concreto, utilizando-se como paradigma o previsto no parágrafo único, do artigo 12 da supracitada lei.

Nesse sentido está o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENALIDADES PREVISTAS NO ART. 12 DA LEI 8.429/92. PROPORCIONALIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR NA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. RESSARCIMENTO INTEGRAL. LOCUPLETAMENTO DA MUNICIPALIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. CONFIGURADO. 1. As sanções do art. 12, I, II e II, da Lei n.º 8.429/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria; aliás, como deixa entrever o parágrafo único do mesmo dispositivo. 2. O espectro sancionatório da lei induz interpretação que deve conduzir à dosimetria relacionada à exemplariedade e à correlação da sanção, critérios que compõem a razoabilidade da punição, sempre prestigiada pela jurisprudência do E. STJ. Precedentes: (REsp 895.530/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJ de 04/02/2009; REsp 758.558/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJ de 11/02/2009; RESP 507574/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006; RESP 291.747. (...) 8. Embargos de Declaração acolhidos, apenas, para sanar o erro material, sem, contudo, emprestar-lhes efeitos infringentes, mantendo incólume o acórdão proferido às fls. 3035/3046, no que pertine ao desprovimento do Recurso Especial, pelos fundamentos ora expendidos. STJ. (EDcl nos EDcl no REsp 769.811/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 06/05/2009). (Grifos acrescidos).

Diante das argumentações acima postas, assiste razão ao autor, devendo o requerido ser condenado nas penas impostas no art. 12 da Lei nº. 8.429/92, por ter praticado ato de improbidade administrativa, por violação aos princípios da Administração Pública.

De acordo com o STJ, ainda que repetitivo, essas penas não são necessariamente aplicadas de forma cumulativa. Cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo com a natureza, gravidade e consequências do ato ímprobo. Está sedimentado o entendimento de que, uma vez caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento é obrigatório e não pode ser considerado, propriamente, uma sanção, mas consequência imediata e necessária do ato combatido. Dessa forma, o agente condenado por improbidade administrativa com base no artigo 11, deve sujeitar-se às seguintes sanções previstas no art. 12: “III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.

Ainda, na hipótese em apreço, embora não seja o caso de aplicação neste feito, em que pese a conduta do requerido ter sido grave, nos autos não revelou o quantum do prejuízo causado à coletividade (se prejuízo houver), podendo ser objeto de discussão em ação apartada, razão pela qual afasto a condenação ao ressarcimento integral do dano (por inexistente, em tese), posto que não demonstrado aritmeticamente nos autos.

Desta feita, em outro sentido não se poderia concluir senão naquele que converge para a procedência da presente demanda, notadamente porque se encontram nos autos elementos de convicção aptos a ensejar a condenação do promovido.

Ao cabo de todo o exposto, julgo procedente os pedidos formulados pelo Ministério Púbico do Estado de Minas Gerais nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, ajuizada em face de Jarbas Corrêa Filho, Prefeito Municipal de Guaxupé.

Assim, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo em conta a extensão do dano, bem como o princípio da proporcionalidade, mormente considerando que as condutas estão abrangidas pelas disposições do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, passo à aplicação das penas, considerando os atos ímprobos constatados nos autos.

Quanto ao elemento subjetivo, vislumbro que restou demonstrada o dolo e/ou culpa grave do requerido, Prefeito Municipal, ao promover a designação dos Guardas Municipais em desacordo com as exigências legais, violando dever funcional que lhe competia, já que exercia a titularidade do Poder Executivo Municipal à época dos fatos, violando obrigação legal e constitucional de observância compulsória.

Assim, diante das circunstâncias do caso concreto, tendo em conta a não extensão do dano e a ação do réu, bem como o princípio da proporcionalidade, mormente considerando que as condutas estão abrangidas pelas disposições do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, passo à aplicação das penas, considerando os atos ímprobos constatados nos autos.

Diante de todos esses fatores, deverá o promovido receber censura deste juízo, ficando condenado apenas nas sanções da perda da função pública e na suspensão dos direitos políticos e, ainda, no pagamento de multa civil nos patamares a seguir fixados.

1 - Perda da função pública/cassação do mandado. É certo que a perda da função pública e a consequente cassação de mandato é uma pena que guarda, além de um caráter sancionador, um cunho eminentemente moralizador para o exercício da função pública, abarcando, aí, qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação. À luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, tenho como justificado aplicar esta sanção ao requerido Jarbas Corrêa Filho. Com efeito, reportando­me aos fundamentos lançados alhures, entendo que a conduta do referido réu representa grave afronta aos princípios da administração pública.

2 - Quanto a suspensão dos direitos políticos, tenho que a análise, neste aspecto, deve ser feita também considerando o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, como acima referido.

Com efeito, a suspensão do exercício de um dos direitos fundamentais previstos constitucionalmente configura penalidade severa, havendo que se levar em conta, para sua aplicação, a extensão do dano e a repercussão deste no âmbito da instituição lesada. É entendimento sedimentado no STJ que a perda dos direitos políticos é “a mais drástica das penalidades estabelecidas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, devendo ser considerada a gravidade do caso, e não a das funções do acusado” (REsp 1228749 / PR).

Tendo isso em conta, tenho que a sanção, in casu, justifica­se plenamente, porquanto a gravidade da conduta autoriza a punição em relação ao réu que apresenta conduta flagrantemente dolosa e/ou erro grave, pois concorreu direta e ativamente para a violação dos referidos princípios.

Assim sendo, fixo o prazo de suspensão dos direitos políticos do indigitado réu em 03 (três) anos, cf. art. 12 da Lei nº 8.429/92. Vale lembrar que a medida também está condicionada ao trânsito em julgado desta decisão (Lei nº 8.429/92, art. 20). Ressalte­se que, com o trânsito, e mantida a sentença, deverá ser comunicada a Casa Legislativa, bem como a Justiça Eleitoral.

3 - Com referência à multa civil, tenho que a sanção possui efeito pedagógico e sua aplicabilidade deve ser específica à atuação do réu. Considerando a natureza da conduta ímproba praticada pelo demandado responsável, entendo que é razoável, no caso, a imposição da pena de multa civil. Tendo isso em conta, ainda que prejuízo não tenha causado ao erário, arbitro em desfavor do aludido réu, multa civil no montante correspondente a 03 (três) vezes o seu vencimento enquanto exercia o cargo de Prefeito Municipal, e à época dos fatos. Caberá à época, se caso, determinar o destino da multa que ora se aplica.

4 - Ao réu deixo de aplicar a proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pois creio que não é adequada e até mesmo razoável a não aplicação dessa sanção no caso em apreço, pois as penas que serão suportadas pelo réu (perda de função pública, suspensão de direitos políticos e multa civil) são suficientes, in casu, para repreender, punir e impedir a reiteração de atos.

5 – Declaro nula as nomeações dos Inspetores da Guarda Municipal, bem como do seu Subcomandante

6 - Na atualização do valor do prejuízo ao erário deverá incidir a taxa SELIC (devedor não enquadrado como Fazenda Pública), abrangendo correção monetária e juros. A atualização deverá correr do evento danoso. Nessa linha: “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO ANTES DO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. EXTEMPORANEIDADE. SÚMULA 418/STJ. PENA DE RESSARCIMENTO DE DANO AO ERÁRIO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 398 DO CC. SÚMULAS 43 E 54/STJ. 1. O recurso especial interposto antes da publicação da decisão proferida nos embargos declaratórios, ainda que tenham sido opostos pela parte contrária, deve ser oportunamente ratificado pela parte recorrente, sob pena de ser considerado extemporâneo, conforme o teor da Súmula 418/STJ. 2. Resultando o dever de ressarcir ao Erário de uma obrigação extracontratual, a fluência dos juros moratórios se principiará no momento da ocorrência do dano resultante do ato de improbidade, de acordo com a regra do art. 398 do Código Civil ("Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera­se o devedor em mora, desde que o praticou") e da Súmula 54/STJ ("Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual").

7 – Revogo a decisão de fls. quanto à indisponibilidade de bens, eis que desnecessário, considerando que não houve prejuízo ao erário de modo a ressarci-lo. No caso de multa, se caso e necessário, o interessado poderá executá-lo a tempo e modo.

8 - Condeno o réu no pagamento das custas e demais despesas processuais, se houver.

Ao Cartório Eleitoral, especialmente, para as anotações, nos registros respectivos, das sanções acima aplicadas, como ao Tribunal Regional Eleitoral – TRE/MG, acerca da suspensão dos direitos políticos pelo prazo epigrafado, nos termos do art. 15, V, e art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 71, inciso II, do Código Eleitoral.

Oficie-se o TRE e TSE, após o trânsito em julgado, dando-lhes ciência da presente sentença, anexando-se cópia.

Publique-se a presente sentença no Diário de Justiça Eletrônico. Registre-se. Intimem-se as partes, via DJe.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.

Guaxupé, 22/03/2021, às 14h14min.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 13/05/2021
Código do texto: T7254495
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