Hipocrisia? Que nada uai. São hipócritas mesmo.

Hipocrisia? Que nada uai. São hipócritas mesmo.

Não sei a razão pela qual, talvez por conta do ócio a que me submeti nestes dias de férias – creio que merecidas, mas me veio na memória um fato ocorrido há alguns anos, quando, pela internet, fotografias de uma estudante, mantendo relações sexuais com dois outros estudantes de Direito em um motel, foram divulgadas. A estudante, defendendo-se, dizia tratar-se de montagens. Os rapazes, por sua vez, diziam o contrário. Tomando conhecimento das fotos divulgadas na rede mundial de computadores, por óbvio, na época, os alunos – colegas da estudante, da sua faculdade, não esquecendo que seriam futuros advogados, quiçá, juízes, promotores, delegados, etc. –, pasmem, partiram para a agressão física em relação à moça. Na faculdade, como sempre existe um ou outro mestre ‘aloprado’, este, para evitar uma tragédia, houve por bem dar-lhe abrigo em uma sala de aula, tendo, inclusive, que acionar a gloriosa polícia que, para liberar a garota, teve até de usar de métodos violentos.

Revolvendo a minha memória já um tanto desgastada, lembro-me que em relação ao episódio, nenhuma pessoa compromissada com o Direito ousou em levantar a voz para emitir qualquer manifestação em relação ao fato. Ninguém, absolutamente ninguém, aproveitando do ensejo, valeu-se do momento e oportunidade para levantar a bandeira em defesa dos direitos invioláveis à intimidade, à vida privada e ao livre exercício da sexualidade, como previstos constitucionalmente.

Ora, pois. Sabemos, nós operadores do Direito, inclusive os colegas de então da estudante, ao menos deveriam saber, que as relações sexuais, de outra feita, a própria sexualidade dos cidadãos, são juridicamente invioláveis, quando não atentarem contra a moral e a lei, isto é, se não são praticados em local público; se não dizem respeito a menores de idade; se não se praticam contra a vontade de um dos pares (como no estupro).

O direito à vida sexual livre é, sim, aliás, sempre foi, direito e garantia fundamental, direito personalíssimo e norma de Direitos Humanos, assim como o direito a uma vida digna.

A atitude daquela turba estudantil, na época, objetivando agredir a estudante, além de criminosa, simplesmente foi hipócrita. Eles, colegas, estudantes de Direito, não tinham nada a ver com o que a estudante teria feito ou não no motel, seja com um ou mais parceiros, eis que tratava-se e trata-se de um local privado, como ninguém tem nada a ver com o que eles, pseudos moralistas de público, fazem ou deixam de fazer.

Quisera, oxalá, na época, juristas de nomeadas, levantassem a voz em defesa do direito da estudante, de manter a relação sexual com quem, quando e como lhe aprouvesse, pois assim está escrito na Constituição. Sabe, no Direito, conheço às baciadas, e quem não conhece?, professores, advogados, promotores e juízes que mantém uma vida sexual intensa. Homens e mulheres, felizmente. Há inúmeros casos de relações de professores e professoras com alunos e alunas, advogados e estagiários, juízes, promotores e funcionários. E daí? Será que são melhores ou piores no exercício do Direito por serem mais livres ou mais reprimidos sexualmente, por serem homossexuais ou heterossexuais, assexuais ou pansexuais? E o que dizer de médicos?, dentistas?, jornalistas?, engenheiros? e, mesmo, homens públicos? Bah! Prefiro, como um mortal, que minha demanda seja julgada por uma juíza competente e honesta, ainda que tenha participado na noite anterior de uma orgia envolvendo 112 homens e mulheres, do que por um juiz fiel à esposa, mas que não tenha conhecimento jurídico suficiente para resolver o caso ou que tenha o hábito de se vender a uma das partes. Prefiro ser operado por um habilidoso cirurgião ou cirurgiã de vida sexual devassa, do que por um moralista incompetente. Prefiro Clinton e suas estagiárias a Bush e seus açougueiros. Tô errado?

Se eu tivesse juízo, ficaria calado sobre o tal do episódio ocorrido. Afinal faz tanto tempo que tal fato se dera.

Tratar-se de uma mulher é o pior em toda essa história. Se fosse, como no caso ora lembrado, um estudante de Direito, fotografado com duas mulheres, não haveria tumulto, nem seria necessário acionar a polícia. “Eita macho porreta”. Seria um herói, talvez. Um garanhão para alegria e felicidade do papai. Não é esta a nossa sociedade, na qual se diz ‘mantenha presa (no curral) sua égua que meu garanhão está solto’? Não é esta a sociedade na qual as mães criam, simultaneamente, filhos para serem machistas (e nem sempre machos) e filhas para serem feministas? Não vejo escândalos nas faculdades de Direito quando professores e alunos, desde que homens – é claro, terminem as aulas de sexta ou sábado e, dali, vão para prostíbulos, onde, não raro, são conhecidos de nome completo, CPF e preferências.

Curiosamente, também não vi um manifesto de mulheres influentes ou não sobre o episódio da infeliz estudante. Houve manifestos no episódio envolvendo Bill Clinton – lembram-se?; não sei se haveria se fosse Hillary Clinton. A sociedade desdobra-se nos esforços para conter a sexualidade feminina, cerceá-la, amputá-la. Por vezes, fisicamente, castrando-as, como no norte da África. Por vezes, sociologicamente, julgando-as e ameaçando-as, como no caso da estudante.

Definitivamente, uma mulher não é pior ou melhor, como cidadã e profissional, por ter uma vida sexual satisfatória ou amplamente satisfatória; é apenas melhor sexualmente.

Chega de hipocrisia. Será?

Monte Sião (Reino Encantado), 10/02/09.

Milton Biagioni Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 27/01/2021
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