Para juiz, uso de maconha não causa dano à sociedade. Ele aceitou argumento do Ministério Público que considerou inconstitucional trecho da Lei de Drogas

Para juiz, uso de maconha não causa dano à sociedade. Ele aceitou argumento do Ministério Público que considerou inconstitucional trecho da Lei de Drogas

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo arquivou um processo contra um usuário de maconha, preso em Jundiaí, no interior do estado, por considerar parte da Lei de Drogas inconstitucional.

O argumento partiu do Ministério Público, órgão responsável pela acusação em processos. Segundo o promotor de justiça Fabiano Pavan Severiano, os direitos constitucionais falam mais alto do que a Lei de Drogas (lei nº 11.343, de 2006). No pedido de arquivamento, Fabiano defendeu a tese de que o artigo 5º da Constituição, sobre direitos e garantias fundamentais, define como inviolável a intimidade e vida privada da pessoa. Nela, insere o uso recreativo de drogas.

Com base neste artigo, Severiano classifica um trecho da Lei de Drogas como inconstitucional por ferir justamente a vida privada das pessoas, “escolhas que não sejam lesivas a direitos alheios”, pontua.

A crítica é ao artigo 28 da lei, que define como crime comprar, guardar ou trazer consigo drogas, mesmo que para uso próprio.

“É forçoso reconhecer que o consumo de entorpecentes, o seu uso privado, é uma conduta que coloca em risco apenas o consumidor. E, como se sabe, a autolesão é irrelevante para o direito penal”, sustentou Fabiano sobre o suposto crime cometido pelo homem.

O juiz Maurício Garibe, da Comarca de Jundiaí, considerou como válida a tese do promotor Fabiano Savan Severiano e determinou o arquivamento do inquérito.

O da Plataforma Nacional de Política de Drogas e integrante do Ibccrim (instituto Brasileiro de Ciências Criminais) Cristiano Maronna classifica como “belíssima” a manifestação do MP e “correta” a decisão judicial pelo arquivamento da investigação.

“De fato a autolesão é impunível, de fato não se pode usar a lei penal para querer realizar a educação moral de pessoas adultas”, afirma, ao acrescentar que há uma “cegueira” na forma com que estas esferas encaram a questão das drogas.

Maronna preside a Plataforma Nacional de Política de Drogas: “As pessoas têm que provar que não são traficantes, uma inversão do ônus da prova”, exemplifica. “É uma decisão muito boa, uma exceção que foge à regra quando se trata da aplicação prática da Lei de Drogas. Sem dúvida, decisão para se aplaudida.”

Maronna lamenta o fato do STF (Superior Tribunal Federal) adiar há anos a análise que vai definir se o artigo 28 da Lei de Drogas é ou não inconstitucional. O processo está desde 2015 no Supremo.

A decisão segundo o juiz Luís Carlos Valois, do Amazonas, não é necessariamente uma novidade legal, ainda que enfrente certa resistência nos tribunais. Lista casos em Santa Catarina e no Amazonas como exemplos.

Valois explica existir uma normalidade em encarar o artigo 28 como insuficiente para prisão em caso de usuários. No entanto, a decisão “deixa à flor da pele a hipocrisia que a gente está vivendo”.

“Agrava a hipocrisia, realça o viés preconceituoso da proibição. O caminho certo é o da descriminalização”, pontua. Para ele, há uma naturalização do usuário, mas com clara seletividade.

“Com uma decisão dessas acabamos descriminalizando o uso do Leblon, Jardins. É isso que ocorre”, afirma. “Vejo a decisão como um reconhecimento muito atrasado do que já está acontecendo na sociedade, o que não causa nenhum perigo”.

Juiz Valois considera uma decisão atrasada, ainda que veja como a sociedade encara as drogas.

“Como não é crime usar e é crime vender?”, questiona. Para ele, a principal decisão se dá nas ruas, quando policiais definem se a pessoa pega com drogas é considerada usuária ou traficante.

“O que é um usuário: um branco, em área com luz, água encanara, saneamento básico fumando um cigarro. Se é um negro pobre, na periferia e tem dinheiro trocado, é traficante”, discorre sobre o tratamento policial a essas pessoas.O juiz cita que basta ler processos sobre tráfico para identificar tais questões. “Uma juíza do Paraná considerou uma pessoa como integrante do crime por ser negro”, cita, em referência a Inês Marchalek Zarpelon, que condenou em 19 de junho Natan Vieira da Paz, 42 anos, a 14 anos por integrar grupo criminoso “em razão de sua cor”

Pois bem. A questão se presta a muitas discussões e sabemos que cada qual tem lá sua razão de ser.

Temos aqueles que acham que cada dia que passa fica nítido o aparthaid que vivemos nesse país de tantos hipócritas. Assim como existem aqueles que acham que uma coisa é apologia ou repassar ainda que gratuitamente, mas no caso em tela primam pelo fato de que não houve lesão a terceiros e nem ofensa ao Estado. Há os que acham que no caso a sentença é um avanço contra o controle da vida do cidadão que não controla seus vícios. Temos, ainda os que defendem a tese de que se plantamos no nosso quintal para o nosso próprio consumo, não é crime nenhum, até porque não está contribuindo com o traficante.

O certo é que a política de drogas nunca foi formulada com base em evidências científicas. Ninguém sabe qual a sua finalidade, somente seus impactos. Há quem prefira ignorar tais fatos e mantê-la do jeito que está (por quê?)

Interessante o questionamento de "O direito penal não pode ser usado para educar pessoas adultas."

Como se vê, longe de encontrar um denominador comum. De minha parte entendo que estamos diante de um problema de saúde pública, de modo que realmente a questão do usuário não pode ser transferida ao Judiciário para dar solução, no caso aplicação de penalidades que não leva a lugar algum e muito menos serve para conscientizá-lo de seus malefícios.

Ora, se é dependente, então é doente, e se é doente o juiz não tem dentre suas atividades a atribuição de curá-lo. É um problema que toma tempo do Judiciário e não trás nenhum resultado positivo.

Veja que interessante questão. Sou viciado e dependente de cigarro comum. Se amanhã o Estado disser que agora passa a ser crime, a exemplo da maconha, com certeza serei um juiz marginal, tendo em vista que não é um dispositivo de lei que vai fazer com que eu deixe de ser viciado. Sinto-me constrangido ao aplicar uma das medidas aos dependentes de drogas considerando que sou também um dependente, portanto, viciado, do cigarro comum.

Extrema, 02/01/2021

1000ton

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 03/01/2021
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