SEPARAÇÃO/DIVÓRCIO, COMO FICA A SITUAÇÃO DO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO?

SEPARAÇÃO/DIVÓRCIO, COMO FICA A SITUAÇÃO DO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO?

Hoje em dia os animais de estimação fazem parte do núcleo familiar, mas ainda não há uma lei que regule questões relativas a eles em caso de divórcio. É inegável que quase todos os lares brasileiros possuem algum bicho de estimação, o famoso pet. Os domesticáveis mais comuns são cachorros e gatos. Nesse sentido, uma vez que os animais de estimação ocupam um lugar muito especial no núcleo familiar, sendo considerados até mesmo como um membro da família, muitas discussões têm surgido para decidir quem ficará com o animal quando uma relação chega ao fim.

A Constituição Federal veda práticas que submetam os animais à crueldade, mas para o Código Civil, os animais ainda são apenas "coisas" e não estão sujeitos a direitos e obrigações. Ou seja, a lei vigente encontra-se desatualizada frente aos fatos, já que não considera a afetividade entre animal guardião, e por ela seria incabível um pedido de guarda de um animal.

Com o objetivo de frear os maus-tratos contra animais, o Presidente Jair Bolsonaro sancionou a a Lei 1.095/2019, que aumenta a punição para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais. A legislação abrange animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, incluindo, aí, cães e gatos, que acabam sendo os animais domésticos mais comuns e as principais vítimas desse tipo de crime. A nova lei cria um item específico para esses animais.

Agora, como define o texto, a prática de abuso e maus tratos a animais será punida com pena de reclusão de dois a cinco anos, além de multa e a proibição de guarda. Atualmente, o crime de maus-tratos a animais consta no artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais 9.605/98 e a pena previa de três meses a um ano de reclusão, além de multa. A lei sancionada também prevê punição a estabelecimentos comerciais e rurais que facilitarem o crime contra animais.

Bem, desta relação afetiva com o animal está surgindo um novo debate que, inclusive, foi parar no STJ, relacionado à convivência com o bicho após o divórcio. Importante destacar que o Código Civil definiu a natureza jurídica dos animais, tratando-os na categoria de coisas, podendo ser objeto de relações jurídicas. Vale lembrar que o pet é considerado semovente – suscetível de movimento próprio e passível de propriedade – assim como gado bovino, suíno, etc.

No entanto, há de se ressaltar que a relação estabelecida entre o ser humano e os animais de estimação é bem diferente da mantida entre aquele e os outros animais domesticáveis, os quais são utilizados na alimentação, produção, negócios, etc. Desta forma, os animais domésticos não podem ser considerados como meras “coisas inanimadas”, pois mantém relações afetivas com os seres humanos, e também em função da preservação da dignidade da pessoa humana.

Ademais, novas questões vão surgindo com a evolução da sociedade e a forma com a qual esta se relaciona com o meio em que vive, o que encontra guarida na Constituição Federal, que garante a proteção a fauna. O grande problema ocorre quando o animal é adquirido na constância do casamento ou união estável, o que, pelo regime de comunhão parcial de bens (maioria no Brasil), pode ser considerado como bem comum, portanto, sujeito à divisão.

Conforme a legislação vigente, os animais são vistos como bens materiais, são considerados semoventes, ou seja, aquele que anda ou se move por si, e estão sujeitos às regras que regulam a partilha das coisas.

Para a advogada do escritório René Dotti especialista em Direito de Família e secretária geral do Instituto Brasileiro de Direito de Família do Paraná (Ibdfam- PR), Thaís Guimarães, o direito precisou se adaptar à nova realidade familiar, entendendo que um animal de estimação não deve ser tratado como objeto, seja pelo bem dele ou das pessoas que desenvolveram laços afetivos com ele. “Se o casal tem filhos, muitas vezes as crianças se apegam ao bicho. Isso tem que ser levado em conta na hora da partilha. É preciso pensar nos laços de afeto entre o animal e essas pessoas, tanto para optar para o que seja melhor para elas quanto para ele, animal. ”.

O professor de Direito Civil e coordenador do curso da Unibrasil, Marco Antonio Lima Berberi, explica que desde 2014 existem nos tribunais decisões que entendem os pets como detentores de um certo direito, mas nunca igual ao que uma pessoa teria. “O interesse do animal não é igual ao que chamamos de melhor interesse da criança no Direito de Família. A ideia é apenas que também se leve em conta nas decisões as condições materiais que são melhores para ele, sem ignorá-lo por completo”.

A questão é que esse “bem” tem valor sentimental para ambos, repousando aí a controvérsia: quem deve ficar com o bicho após o divórcio? Geralmente, a guarda do animal de estimação tem sido concedida de forma compartilhada ou ao membro do casal que melhor apresente condições para cuidar do animal (condição financeira, espaço físico, disponibilidade de tempo para ficar com o pet, etc.).

Brigas por conta da guarda do animal de estimação têm se tornado cada vez mais comuns entre casais em processo de divórcio. Embora para alguns o assunto pareça desnecessário, para outros os conflitos ganham proporções enormes. Faz-se necessário, a princípio, considerar que atualmente os animais são inseridos em núcleos familiares, criam laços afetivos e convivem com seus donos como se realmente fossem membros das famílias. Há, ainda, aqueles que protegem a casa e a família dos perigos do dia a dia. Para se ter uma noção, de acordo com os dados de uma pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Animais de Estimação, o Brasil tem a 4ª maior população de pets no mundo. Assim, muitos casais vêm brigando judicialmente pela guarda do animal de estimação. Mas, afinal, com quem fica o pet quando o casal se separa? Existe realmente guarda do animal de estimação?

Infelizmente, ainda não existe uma norma concreta dentro do Direito Civil que solucione questões de guarda do animal de estimação entre casais em processo de separação ou divórcio, o que dificulta muito na hora de decidir quem deve ficar com pet. No entanto, tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) um projeto de lei que regulamenta a guarda compartilhada de animais de estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável de casais (PLS 542/2018).

A maioria das pessoas considera seu animal de estimação como um membro da família e assim é possível efetuar o registro dos animais em um Cartório de Registro de Títulos e Documentos, através de uma declaração com informações sobre o animal e apresentar em cartório, gerando segurança para o proprietário e o animal, tornando a situação pública, garantindo a propriedade e prevenindo conflitos em casos como divórcio e disputa pelo pet.

Para a advogada Marianna Chaves, diretora nacional do IBDFAM, este caso começa a destacar uma realidade no Brasil que já foi revelada em alguns outros países, como os Estados Unidos. “Os animais de companhia passaram a ser enxergados pelas pessoas, nos últimos tempos, de maneira diferente. São considerados, muitas vezes, genuínos membros da entidade familiar e, por alguns casais, os seus filhos. Obviamente, em caso de ruptura, seria questão de tempo até o Judiciário ser procurado para decidir o destino desses filhos de quatro patas e, como bem colocou o Fernando Henrique Pinto nessa decisão sensível e vanguardista, os animais não devem ser considerados meras “coisas”. Assim, faz mais sentido socorrer-se do direito das famílias através do recurso ao instituto da guarda do que qualquer outro instrumento de direito das coisas”, comenta.

Marianna Chaves explica que a proteção a fauna está aplicada constitucionalmente na Lei Maior, em um capítulo dedicado à proteção do meio ambiente, estando assinalado que os animais não devem ser submetidos a crueldade. “De igual maneira, a legislação infraconstitucional coíbe os maus tratos a animais. Além dessa proteção outorgada aos “pets”, não podemos esquecer que existe comprovação científica de que, entre animais e seres humanos, podem existir relações de profunda afeição mútua. Diante disso, há que se harmonizar o melhor interesse do animal com os interesses dos humanos com quem tinha uma relação de afetividade. Neste caso, atendeu-se ao princípio da igualdade para que os ex-consortes ficassem com a companhia do cão de maneira alternada”, esclarece.

Segundo a advogada, existe um consenso doutrinário e social de que um sistema legal em qualquer sociedade - ao menos no mundo ocidental - deve refletir e trabalhar no sentido de proteger o bem-estar dos animais não humanos. “Muitos países no mundo editaram legislações onde indicou-se expressamente que os animais são seres sencientes, ou seja, possuem capacidade de sentir emoções como amor, tristeza, felicidade, prazer, dor, etc. Agregando-se essa ideia à modificação do papel que os ‘pets’ passaram a desempenhar nas famílias pós-modernas, me parece perfeitamente natural esse cenário que assistimos se desenhar nos últimos tempos. A família é a base da sociedade, e se o animal passou a ter uma nova - e importante - função dentro do seio familiar, faz todo sentido que se busque uma tutela mais adequada a essa nova realidade e dinâmica de vida”, conclui.

A necessidade de uma legislação faz-se urgente em relação aos animais de estimação em casos de divórcio, uma vez que muitos tem convicção de que eles devam ter o status de "sujeito de direito" e que sempre o bem estar animal prevaleça sobre o egoísmo de alguns tutores e da irresponsabilidade de outros. O direito nada mais é do que um reflexo da sociedade em que vivemos e, por isso, deve estar sempre acompanhando as mudanças que acontecem constantemente, oferecendo as respostas necessárias aos anseios à vida em conjunto, restabelecendo a harmonia desejada nas relações cotidianas.

Na Câmara dos Deputados tramita um Projeto de Lei (PL1365/2015), do deputado Ricardo Tripoli, que ainda aguarda designação do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) sobre os animais de estimação em casos de separação, que tem como pontos: o melhor ambiente para a moradia do animal, os laços afetivos dele em relação as partes, disponibilidade para cuidar e condições financeiras para a manutenção do animal.

Enquanto a lei não está regulamentada e não há consenso entre as partes, cabe ao magistrado encontrar a solução mais adequada ao caso concreto da guarda do animal, observando as regras do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente, incorrendo nas imposições do art. 33 deste em relação a prestar toda a assistência necessária ao animal por parte do titular da guarda.

Sendo ainda a guarda que é direito natural dos tutores, em casos que ocorram disputa na justiça, a guarda estabelecida pode ser a unilateral ou compartilhada de acordo com o art. 1583 do Código Civil.

Sabendo que os animais são seres sencientes, a convivência com os seus tutores é um direito pertinente a eles, por isso em disputas judiciais, o cônjuge sem a guarda, mas que estime o seu bichinho pode solicitar ao magistrado a concessão de visitas, tudo em nome do bem estar animal. Ainda cabe salientar da responsabilidade que os tutores de animais tem com estes, independente de deterem ou não a guarda. Os animais de estimação tem todo o direito de receber pensão alimentícia em caso de divórcio, de tutor que não tenha a guarda e é uma obrigação indeclinável, um direito fundamental e essencial para que o mesmo viva dignamente.

Neste ponto é forçoso reconhecer que as normas legais vigentes sobre o tema não mais atendem aos fatos, visto que desconsideram por completo a relação de “afetividade” que se desenvolveu entre o homem e o animal de companhia, fato que lhe garante contornos especiais que vão muito além da simples “propriedade”. Ignorar tal realidade não ofende apenas ao animal de estimação, mas ao próprio homem que o incorporou à sua família. Nesta linha, o Ministro Luis Felipe Salomão do Superior Tribunal de Justiça observou em recente julgamento de um recurso especial que “os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado” (STJ, REsp 1713167/SP, Quarta Tuma, DJe 09.10.2018). Dentro destes parâmetros, o Ministro Relator reconheceu a legalidade da disciplina da guarda e do direito de visitas a uma cadela.

A afetividade que liga os animais de companhia a seus guardiões justifica o tratamento que lhe vem sendo dado, legitimando os pedidos de guarda, de regulamentação de visitas e até mesmo de obrigação alimentícia. Em muitos casos, os animais de estimação são criados como filhos pelos casais. Tramita na Câmara o Projeto de Lei 7196/10, do deputado Márcio França (PSB-SP), que regulamenta a guarda de animais de estimação em caso de separação judicial ou divórcio sem acordo entre as partes.

De acordo com a proposta, a guarda fica assegurada a quem comprovar ser o legítimo proprietário do animal, por meio de documento considerado válido por um juiz. Na falta desse registro, a guarda é concedida a quem demonstrar maior capacidade para cuidar do animal. Esse é o tipo de guarda chamada unilateral. No entanto, caso ambas as partes comprovem que podem oferecer um ambiente adequado para o animal, a guarda pode ser compartilhada entre o antigo casal. Nessa hipótese, o juiz deverá estabelecer, em cada caso, as atribuições de cada pessoa no cuidado com o bicho e os períodos de convivência com o animal.

Em uma decisão de um julgamento sobre o tema, no início de 2015, no Rio de Janeiro, o juiz explicou que não se tratava de conferir direitos subjetivos aos animais, mas de levar em conta o vínculo afetivo que se constrói entre eles e as pessoas que não podem ser ignorados na hora da partilha.

No início do ano passado uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu a guarda alternada de um cachorro para um casal que se divorciou. O juiz que julgou o caso determinou, por conta do afeto que os cônjuges desenvolveram com o cão, que cada um do casal ficasse uma semana com ele.

A Segunda Vara de Família e Sucessões de Jacareí (SP) estabeleceu a guarda alternada de um cão entre ex-cônjuges. O juiz Fernando Henrique Pinto, membro do IBDFAM, reconheceu que os animais são sujeitos de direito nas ações referentes às desagregações familiares. Conforme o juiz, o cão não pode ser vendido, para que a renda seja dividida entre o antigo casal. Além disso, o juiz afirmou que por se tratar de um ser vivo, a sentença deve levar em conta critérios éticos e cabe analogia com a guarda de humano incapaz. O magistrado citou alguns estudos científicos sobre o comportamento de animais e leis relacionadas ao tema e afirmou que diante da realidade científica, normativa e jurisprudencial, não se pode resolver a partilha de um animal (não humano) doméstico, por exemplo, por alienação judicial e posterior divisão do produto da venda, porque ele não é uma “coisa”.

A solução de guarda e convívio com o bicho de estimação, quando os donos se divorciam, não é tão novidade, mas vem crescendo a demanda na Justiça. Apesar da ausência de lei específica o Poder Judiciário tem dado soluções de forma inteligente e ao mesmo tempo humana para esta corriqueira situação, em que pese os casos já citados.

Mais um exemplo disso foi a acertada decisão do juiz da 7ª Vara Cível da Comarca de Joinville (Santa Catarina), que decidiu que a competência para julgar casos envolvendo animal de estimação é da Vara da Família e não da Vara Cível. No caso, um homem e uma mulher recém divorciados entraram numa disputa pela posse e propriedade de uma cadelinha chamada “Linda”. A decisão pautou-se sobre dois aspectos principais, uma porque trata-se de nítida disputa por posse e propriedade em derradeira sobrepartilha, ou seja, divisão de propriedade comum aos cônjuges e, segundo, porque os animais de estimação merecem tratamento distinto daquele conferido a um simples objeto.

Penso que as duas fundamentações foram bem pensadas, mas simpatizo-me mais com a segunda. Realmente não se pode ter singela posse e propriedade de um animal de estimação, seres vivos, dotados de consciência, com necessidades inclusive afetivas, protegidos por lei, não podendo ser reduzidos a simples objetos passíveis de divisão. Por outro lado, notadamente que nós, seres humanos, criamos expressivos vínculos afetivos com nossos companheiros animais, então, no caso do divórcio, como monetizar o pet para torná-lo passível de partilha? Evidente que não há como fazer.

A solução é a mesma dada aos filhos menores. Pelo viés consensual, é possível o entabulamento de acordo de guarda compartilhada de animais de estimação, inclusive como regulamentação de regime de convivência, previsão de férias e feriados alternados, e até provisão financeira para os cuidados diários, como se o animal fosse mesmo um filho do casal, e tais acordos são comumente homologados pelo judiciário.

O mesmo acontece nos casos de divórcio litigioso em que o casal divorcia-se consensualmente mas restando o litígio quanto a guarda e convívio com o animal. No caso disputado, certamente um juiz da Vara da Família dará a guarda àquele que demonstrar a melhor condição de exercê-la, bem como, decidirá pelo direito de visita e convívio que cada um terá.

No Brasil, a Constituição Federal, no artigo 225, parágrafo º, proíbe que os animais sejam submetidos à crueldade. A Lei 9.605/98 – que estabelece crimes ambientais – define como crime a prática de abuso, maus tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Ainda, o Decreto nº 24.645/1934, impõe medidas de proteção aos animais, assim, mesmo juridicamente, não se pode tratá-los como mero objetos.

Os animais de estimação ganharam importante espaço afetivo na vida de seus donos, algo absolutamente comum em nossa sociedade. Assim, inviável a partilha de sorte a deixar um dos consortes privado do convívio com o animal pelo qual nutre sentimentos e estima. Por outro lado, em respeito às normas de proteção aos animais acima citadas, tais bichos de estimação não podem simplesmente serem tratados como bens e, eventualmente, submetidos à maus tratos por algum consorte que não tenha vocação para cuidar do animal. Assim, deve o juiz ter o cuidado de estabelecer a guarda e convívio com aquele que reunir melhores condições de criar o animal.

Interessante decisão do STJ quanto ao pedido de tutela de urgência, consistente na fixação de visitas,: “A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade”.

Confira-se: “EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII - “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita - inerente ao poder familiar - instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente - dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido” (RECURSO ESPECIAL Nº 1.713.167 - SP (2017/0239804-9) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO)

Concluindo, de rigor permitir que a parte que não ficar na posse dos animais de estimação tenha possibilidade de visitá-los, nos termos em que o juiz decidir

A doutrina conservadora traçou a natureza jurídica dos animais, principalmente de raça, como de semoventes - objetos animados que possuem certo valor monetário, cuja partilha se faz tal como qualquer outro bem, levando-se em consideração apenas sua característica econômica.

Ocorre que, com o desenvolvimento da sociedade e com o aumento das relações entre seres humanos e animais domésticos, o tratamento destes como semovente se viu superado, uma vez que o sentimento de afeto, por vezes, se demonstra inestimável.

Paralelamente a isso, o ordenamento jurídico brasileiro vem cada dia que passa traçando normas que garantem e defende o direito dos animais, tanto com vistas ao meio ambiente como um todo (Direito Ambiental), como com vistas à própria individualidade do animal, sempre levando em consideração sua senciência (capacidade de ter sensações e sentimentos sobre algo que lhe acontece ou lhe rodeia, de maneira consciente).

Como resultado, temos criações legislativas como crime de abandono ou maus-tratos aos animais. Nas relações familiares, o tratamento com animal de estimação também sofreu evolução. O tratamento emotivo está cada vez mais assemelhado àquele sentimento que se tem por um ente, seja irmão, seja filho. E, conforme regramento da Constituição Federal, é dever do Poder Judiciário aplicar o direito ao caso concreto, ainda que não haja legislação pertinente ao assunto.

Daí a relevância das interpretações com base em usos, costumes e no ordenamento analógico já existente. Neste contexto, deverá o Direito seguir os avanços da sociedade, e não impedi-los. Desta forma, não havendo regulamentação legal para o caso concreto, analogicamente cabe ao Juízo a aplicação de normas jurídicas que resguardem os direitos e deveres das partes com relação aos seus animais de estimação, constituídos na constância da união estável.

E, nos casos postos à apreciação, a guarda é o instituto que melhor se adequa à situação de modo de modo que há de ser concedida a guarda, seja unilateral, seja alternada alternada do animal de estimação às partes, em razão da dificuldade concreta na convenção do direito de visita, a fim de preservar o melhor interesse do animal de conviver com ambos os donos, e da absoluta ausência de prova que a sua permanência com quaisquer uma das partes, seja prejudicial ao cão.

Obs. Este teto é em homenagem aos meus goldens retriever – Ulisses, Teotônio e Tancredo.

Extrema/30/12/2020.

1000ton

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 30/12/2020
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