Estupro. Provas. Dificuldades. Palavra Mulher Vulnerável. Mídia. Opinião Pública. Consequências. Efeito Manada. Escola Base (ex). Para Leigos. Parte 4
Estupro. Provas. Dificuldades. Palavra Mulher Vulnerável. Mídia. Opinião Pública. Consequências. Efeito Manada. Escola Base (ex). Para Leigos. Parte 4
Os crimes sexuais detêm como característica processual, a complexidade e dificuldade de julgamento. Tratam-se de crimes que normalmente ocorrem na clandestinidade, sem a possibilidade de haver testemunhas. Em muitos casos, o magistrado depara-se com a inexistência de provas incisivas capazes de demonstrar a efetiva ocorrência de um Estupro, hipótese em que desenvolverá seu convencimento tão somente baseado na palavra do (a) ofendido (a), o que significa um risco à justiça. E isto é o que invariavelmente ocorre.
O caso Escola Base escandalizou no Brasil no ano 1994, através de suposições de abuso sexual, estupro e prática de ato libidinoso dentro da escola contra as crianças que a frequentavam alegações estas, que nunca foram comprovadas e levaram a absolvição dos denunciados anos depois. Inicialmente foram condenados por antecipação pela mídia ávida de ‘sangue’ e com o apoio da sociedade desinformada, enfim com o efeito ‘manada’. Entretanto, os transtornos morais, psicológicos, familiares e profissionais trazidos aos envolvidos que carregaram as acusações e a condenação social e midiática, são danos irreparáveis e insanáveis.
A sociedade alvoroçada pela denúncia daquelas mães, depredaram o estabelecimento físico da escola, massacraram a vida dos denunciados. Os indiciados precisaram se esconder ou se disfarçar para fugir de um possível linchamento popular, e ao longo do tempo desenvolveram transtornos depressivos, síndrome do pânico e demais problemas de saúde física e psicológica, e ainda, jamais puderam retornar à profissão de educador ou recuperar a dignidade pessoal, social, profissional e psicológica. Sem elementos suficientes para embasar uma ação penal, o inquérito policial foi arquivado meses depois do escândalo social.
Não houve condenação judicial, mas a vida dos acusados fora destroçada pela sociedade brasileira e pela mídia que consideraram as acusações como verdade comprovada. Sequer um pedido de desculpas e ao final uma indenização simbólica. Revoltante, frustrante. Como estamos tão vulneráveis à vontade de uma mídia sem um mínimo de pudor. Esse é um dos exemplos, talvez o mais conhecido no Brasil, de casos de falsas acusações de crimes sexuais. Analisando brevemente o caso é possível notar os reflexos trazidos a um acusado por abuso sexual. Casos como esses, são comuns na esfera familiar ou conjugal, em situações que envolvem divórcio, disputa de guarda, vingança, e normalmente as acusações partem de mulheres contra homens.
E podemos afirmar sem medo de errar que os homens se tornaram reféns das mulheres. Veja a Lei Maria da Penha e tente provar o contrário do que diz uma mulher revoltada, mal amada, vingativa que, por várias situações, com o espírito de vingança leva o homem às barras da justiça com afirmações de violência sem qualquer fundamento. E tente provar o contrário.
No crime contra a dignidade sexual tal se dá com muita freqüência quando mulheres atribuem falsas acusações de abuso sexual, quando já se chegou a conclusão com pesquisas de que 30% (trinta por cento) das denúncias de Estupro oriundas de divórcios, são falsas. Ainda, na maioria dos casos o pai é o incriminado e a mãe é a acusadora, sendo a criança a vítima que carrega consigo a implantação de memórias falsas.
Embora repetitivo, merece destacar que falsas acusações de crimes sexuais ocorrem não somente com crianças. Mulheres motivadas pelo sentimento de vingança, que precisam justificar uma gravidez indesejada ou até mesmo esconder um relacionamento extraconjugal, imputam ao homem falsa acusação pelo crime de Estupro, já que para tanto, sua palavra pode ser elemento suficiente para convencer o juiz. Para esses casos, a criminologia desenvolveu uma síndrome denominada de Síndrome da Mulher de Potifar. Essa hipótese ocorre quando, a mulher imputa ao homem, falsamente, o crime de Estupro, a fim de vingar-se, proteger-se e/ou prejudicá-lo.
O crime de Estupro (art. 213, CP) e Estupro de Vulnerável (art. 217-A, CP) estão enquadrados na Lei de Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/1990), logo, possuem todas as limitações processuais trazidas pela referida norma. São crimes cuja repugnância social é muito superior à dos crimes contra a vida, como o homicídio. Uma acusação por Estupro atrai uma condenação antecipada diante do repúdio social e familiar, sendo extremamente difícil o retorno ao status quo ante da saúde psicológica, moral e até mesmo profissional do indiciado, mesmo que comprovadamente seja absolvido ou a sua condenação seja revertida posteriormente para uma absolvição. Nunca mais se verá livre deste estigma imundo, ainda que tenha sido considerado inocente.
Atualmente, não é necessário que exista a conjunção carnal, ou seja, a penetração entre autor do crime e a vítima, para ter existido o crime de estupro. O simples ato libidinoso, entenda-se aqui como ato libidinoso carícias, toques, etc, já pode acarretar na tipificação do crime de estupro sendo punível.
Diante da fácil manipulação da prova no tocante aos crimes de Estupro, que em muitos casos pode ser simplesmente a acusação da vítima, o sistema policial e judiciário fica vulnerável às possíveis imputações falsas. Caberá ao magistrado utilizar-se de sua sensibilidade e imparcialidade para se convencer absolutamente, de que as alegações trazidas não possuem vícios e são capazes de submeter o acusado a uma sentença condenatória que se mostre justa
Com tudo isto ainda é possível se extrair que existem sim, inúmeras imputações falsas de crimes, principalmente no tocante aos crimes sexuais, os quais, conforme já explanado, dificilmente deixam vestígios e a prova de eventual condenação, poderá ser tão somente a palavra do ofendido. Ademais, o ódio e o repúdio social existente diante dos crimes sexuais, é algo surpreendente. Os acusados por crimes relacionados à violação sexual possuem desprezo popular incomparável a outros crimes hediondos.
Essa repulsa social é patente também entre a população carcerária. Os acusados por crime de Estupro, ainda que não haja condenação, detém uma proteção especial quando ingressam num presídio: possuem sela em apartado e o contato com os demais presos por “crimes comuns” é evitado. Isso tudo, porque não raros são os casos de violência sexual, tortura e linchamento dentro dos presídios brasileiros, contra aqueles acusados/condenados por Estupro. Diversos são os casos que já foram expostos na mídia, em que inocentes, condenados ou indiciados por crimes sexuais, são presos, torturados e até mesmo assassinados pela população carcerária ou pela sociedade enfurecida.
Há de se destacar também, as profundas consequências psicológicas, profissionais e morais que se prendem ao acusado pelo cometimento do crime de Estupro, que passam a sentir-se impotente, inseguro e exasperado, podendo ainda apresentar doenças impulsivas e agressivas decorrente da desordem emocional. Socialmente, o indivíduo perde a confiança social, passa a ser visto como aberração. Perde amizades, passa por constrangimentos em todos os ambientes; perde a privacidade e fica exposto a insultos, injúrias, o que leva a fechar-se e retrair-se socialmente.
Dessa forma, sendo os crimes sexuais inundados de uma complexidade de instrumentalização de provas contra o acusado, e diante das inúmeras possibilidades que podem ensejar uma falsa acusação de Estupro, que mesmo antes de um julgamento condenatório ou não já impõem ao acusado uma série de constrangimentos sociais, familiares e psicológicos, é de extrema importância alavancar a necessidade de retirar a supremacia e a idolatria existente nas declarações do ofendido (vítima) de forma isolada.
Mais uma vez, ressalta-se! Crime ocorrido deve acarretar em prisão e balizamento devido da pena! Acusação de crime não ocorrido deve acarretar em absolvição do acusado e análise da existência do crime de denunciação caluniosa por parte da suposta vítima, se maior e capaz.
O crime de estupro tem em ambas as faces (acusação e defesa) um verdadeiro desafio quanto às comprovações! Quando realizado de forma evidente e violenta é de fácil percepção e comprovação, mas quando realizado através de outras condutas como atos libidinosos, podem colocar a vítima em situação de difícil defesa contra seu agressor ou o acusado em situação de difícil defesa perante as punições do judiciário.
O magistrado deve convencer-se absolutamente da culpabilidade do acusado somente com base nas informações colhidas através da palavra da vítima, quando este for o caso, e mesmo assim estará sujeito a aplicar uma condenação errônea, já que existem diversos casos em que ocorrem uma reversão da sentença. A legislação é máster quando diz: na dúvida, absolve-se o réu.
Em sua crítica à Síndrome da Mulher de Potifar, Rogério Greco (2009, p. 483) afirma que “em muitas situações, a suposta vítima é quem deveria estar ocupando o banco dos réus, e não o agente acusado de Estupro”. Em continuidade, Greco ressalta que cabe ao julgador possuir a sensibilidade necessária para apurar a veracidade dos fatos alegados pela suposta vítima.
Tratando-se os crimes sexuais, sendo os delitos mais difíceis de se constituir provas robustas, é bem comum o magistrado deparar-se com situações extremas em que, de um lado, figuram as alegações da vítima (declarações do ofendido), e de outro lado estão as razões de defesas do acusado negando a prática do delito.
A palavra da vítima possui especial destaque como elemento probatório, sendo que, não é incomum os casos em que esse é o único meio de prova da ocorrência do delito. Ademais, inúmeras decisões jurisprudenciais reiteram essa prática, e não coíbem a condenação fundamentada exclusivamente na palavra da ofendida:
Há casos em que a materialidade delitiva do crime de Estupro inexiste perante o exame pericial. Ainda, algumas condutas menos gravosas no tocante a dignidade sexual da vítima, como por exemplo, o beijo lascivo, o toque, etc., não exteriorizam marcas capazes de comprovar o delito, mas se enquadram ao tipo penal e possuem a pena mínima de 6 (seis) anos. É nesse sentido que a justiça penal oferece margem para a propagação de falsas acusações pelo crime de Estupro. São diversas condutas que se enquadram no delito. Ademais, com o advento da Lei n. 12.015/2009 que uniu as condutas de Estupro e Atentado Violento ao Pudor, situações em que figuram a Síndrome da Mulher de Potifar ganharam ainda mais força.
Vale ressaltar que, somente a constatação da conjunção carnal não é o suficiente para a condenação do acusado, sendo necessário também analisar as outras provas e depoimentos de testemunhas. A conjunção carnal prova tão somente que entre elas houve uma relação sexual, e não a ocorrência do estupro. Na mesma vertente do exposto acima, afirma Capez (2018, p. 89): “Não basta, para a constatação de que houve o crime de estupro, a mera prova da conjunção carnal, pois ela não é capaz de demonstrar a resistência da vítima à pratica do ato sexual. Importa notar que é comum mulheres, para se vingarem de seus parceiros, por inúmeros motivos, denunciarem-nos por crime de estupro. Daí por que a tão só prova da conjunção carnal não é apta para a comprovação do crime. Imprescindível a demonstração de que o ato sexual se deu mediante constrangimento físico ou moral.”
O simples fato de encontrar sêmen na vagina não se configura de imediato o delito do crime, pois, todavia, pode ter ocorrido a conjunção carnal, mas com o consentimento da suposta vítima e, posteriormente por motivos outros a mulher poderá aproveitar o ato cometido e atribuir ao parceiro sexual que a cópula se dera mediante constrangimento, etc. É o que disse algures, o homem refém da mulher.
Quanto a comprovação dos crimes sexuais por meio da palavra da vítima, precisa ter em mente que os crimes sexuais não podem ser analisados como os outros crimes, desde o tocante de discutir sobre o crime até a parte processual, por meio da prova. Esse crime merece uma atenção especial e toda cautela possível, por se tratar de um delito cometido às obscuras, por não ter testemunhas e em quase todos não haver a materialidade do delito.
Desta forma, observa-se a importância e cuidado que deve haver no momento da apuração das provas do crime de estupro, por se tratar de um delito praticado às escondidas, onde não há testemunhas, e em vários deles não existem a prova da materialidade, tornando-se difícil a sua comprovação. Mesmo havendo a consumação com a penetração, a materialidade do ato pode-se degenerar com o decorrer do tempo.
Diante do exposto, o magistrado no momento de manifestar o seu convencimento motivado e justificá-lo, deve estar convicto da sua decisão uma vez que, em vários casos como já mencionado acima, a vítima pode ter como intuito a vingança contra a pessoa que está sendo condenada, ou simplesmente, para comprovar o abuso sexual realmente acontecido.
De modo que a ausência de punição para quem promove uma denunciação caluniosa, propaga a prática dessa atitude. Casos em que a mulher de auto intitula vítima de Estupro; alegam situações de Estupro de Vulnerável contra os filhos; criam histórias fantasiosas na cabeça da criança de que o homem/pai cometeu o delito. Quando a criança é muito pequena, tem dificuldade para diferenciar a fantasia da realidade. Se repetem que ela sofreu o abuso, aquilo acaba virando uma verdade para ela.
Dessa forma, estando-se diante do dever sensitivo e imparcial do julgador, é indiscutível a insegurança trazida para o contraditório e a ampla defesa do acusado, o qual mesmo tendo em seu favor exame pericial negativo e a ausência de demais elementos probatórios, ainda sim poderá ser condenado com base tão somente às acusações levantadas pela vítima ou seus representantes.
Assim, conforme o que se pode extrair deste projeto, a palavra da vítima em crimes sexuais, especialmente nos crimes de Estupro e Estupro de Vulnerável, não pode ser enaltecida à rainha das provas, tão pouco ser levada à análise e fundamentar uma condenação de forma isolada, devendo sempre estar adstrita à uma outra prova contundente colhida no processo. Sendo estreito o conjunto probatório ou existente a mínima controvérsia, há de prevalecer o in dubio pro reo.
No entanto, resta evidente que a sociedade evolui constantemente em várias áreas, e que as mudanças sofridas também trazem reflexos que poderão atingir a esfera judicial, devendo cada mudança ser acompanhada e analisada criteriosamente, dando a devida importância e interpretação do que se percebe nas normas e textos jurídicos juntamente com a realidade dos fatos. Sendo assim, será necessário adequar os fatos e as normas sempre da maneira mais cautelosa e respeitosa possível, visando que as expressões do direito tenham o seu devido alcance em cada situação deparada, evitando-se controvérsias relativas aos mais variados tipos penais, em especial, ao tipo penal em estudo, para que tais controvérsias não incorram em impunidade ou em excesso de punibilidade.
Superando o tema das heranças liberais no estado democrático de direito e relações processuais e constitucionais, é de suma relevância refletir sobre imparcialidade, elemento estrutural do processo. A imparcialidade é tratada na doutrina como uma nota indispensável da jurisdição. Entende-se por imparcialidade um valor que se manifesta no âmbito interno do processo, em especial, em suas decisões. Para ser imparcial, é necessário que o juiz se coloque em uma condição de terceiro desinteressado, acima, portanto, dos interesses em conflito.
No próximo texto algumas considerações sobre o julgamento da Mariana Ferrer e toda polêmica verificada por conta do ‘efeito manada’.
Guaxupé, 10/11/2020.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito