Estupro. Consumação. Tentativa. Provas. Sujeito Passivo. Vulnerável. Palavra da Mulher. (para leigos). (Parte 3)

Estupro. Consumação. Tentativa. Provas. Sujeito Passivo. Vulnerável. Palavra da Mulher. (para leigos). (Parte 3)

Estupro de vítimas com enfermidade ou deficiência mental, com impossibilidade oferecer resistência. Nestas hipóteses a vítima não é capaz de ter discernimento sobre o caráter sexual. Não basta a enfermidade ou a deficiência mental, é necessário que a pessoa não tenha essa capacidade de autodeterminação no campo sexual. Ainda, quando a vítima encontra-se em uma situação que lhe retira, no momento da ação, a possibilidade de resistir. A impossibilidade de resistência pode ser permanente, como no exemplo em que a vítima é tetraplégica, ou momentânea, no caso de embriaguez total ou sedação decorrente de consumo de droga. Ressalte-se que a condição da vítima, que a impossibilita de resistir, não precisa ter sido provocado pelo agente.

Busca-se no presente artigo, uma breve análise dos aspectos polêmicos do estupro de vulnerável (art. 217, CP), segundo os ensinamentos da melhor doutrina penalista pátria. E, partindo-se das abordagens doutrinárias, classificações e decisões dos tribunais (jurisprudências), serão delineadas as principais polêmicas que envolvem a sistemática jurídica do relacionamento sexual ilícito com vulneráveis.

Importante observar que, o art. 217-A, § 1º, CP consagrou o sistema biopsicológico. Ou seja, para aferição da vulnerabilidade não basta somente causa biológica (enfermidade ou deficiência mental), mas também, a regra exige a afetação psicológica da vítima (ou ofendido) que é a ausência de discernimento para o ato sexual. Ressalta-se que a enfermidade ou deficiência mental pode ser permanente ou temporária, congênita ou adquirida, porque nesse tipo penal, o fundamento principal está na eliminação do discernimento para a prática do ato. E, assim sendo, quando houver dúvidas sobre o discernimento da vítima, recomenda-se a perícia médica para comprovação das enfermidades e das deficiências mentais. Da leitura da parte final do art. 217-A, § 1º, do Código Penal se desprende que são vulneráveis as pessoas que, embora maiores de 14 anos de idade e sem qualquer tipo de enfermidade ou deficiência mental, por qualquer outra causa não podem oferecer resistência ao ato sexual. Ou seja, quando a vítima (ou o ofendido) não reúne condições mínimas para se opor à conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso.

A expressão “qualquer outra causa” precisa ser interpretada em sentido amplo, para o fim de alcançar todos os motivos que retirem de alguém, a capacidade de resistir ao ato sexual. Com efeito, são exemplos de vulneráveis com fundamento no art. 217-A, § 1º, in fine, do CP, as pessoas em coma, em sono profundo, anestesiadas ou sedadas, bem como, as pessoas com deficiência física que, embora conscientes, não têm como se defender da agressão sexual.

A incapacidade de oferecer resistência, igualmente merece avaliação ponderada do juiz. Afinal, há aquele que se coloca em posição de risco, sabendo das possíveis consequências, de modo que, advindo uma ato libidinoso qualquer, não depois, alegar estupro. Essa incapacidade de resistência, em nosso entendimento, deve ser vista com reserva e considerada relativa.

Incapaz de oferecer resistência é quem não pode fazer oposição eficiente à conduta do sujeito ativo. Essa incapacidade pode ser permanente ou temporária, duradoura ou ligeira, motivada por causas naturais ou provocada. Se a pessoa esta nesta condição é considera vulnerável. Existe causa temporária, duradora ou até mesmo acidental, para se oferecer ou não a resistência, como por exemplo, a embriaguez completa podendo ser forçada pelo sujeito ativo para tirar proveito da fragilidade da vítima e a sedação completa onde o sujeito ativo intencionalmente causa para praticar o crime, um grande exemplo de sedação é o conhecido “boa noite cinderela”. Nesses casos, a vítima por um determinado tempo não tem como oferecer resistência se tornando imediatamente vulnerável e tendo proteção legal no artigo 217-A, por isso é necessária a análise do magistrado, no caso em concreto, em decorrência da abrangência feita pelo legislador.

Além disso, o estupro de vulnerável é crime mais grave, justificando-se a maior reprovabilidade na covardia do agente, na fragilidade da vítima idosa e na amplitude dos efeitos negativos causados à pessoa de pouca idade, com enfermidade ou deficiência mental ou sem possibilidade mínima de resistir ao ato sexual. Relatos comprovam que, no crime de estupro de vulnerável, a violência sofrida pelas vítimas que não detêm a capacidade para opor resistência ao agressor, deixam sequelas físicas e psíquicas que podem ensejar uma desestabilização emocional por toda a vida.

A relativização da vulnerabilidade;

A presunção absoluta de vulnerabilidade, não admite que a condição de fragilidade seja afastada em nenhuma hipótese, sendo irrelevante as especificidades do caso concreto. A jurisprudência oferece exemplos que convergem neste sentido: “A configuração do tipo estupro de vulnerável prescinde da elementar violência de fato ou presumida, bastando que o agente mantenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com menor de catorze anos, como se vê da redação do art. 217-A, nos termos da Lei n.º 12.015/2009. (BRASIL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2010) 706012 GO 2005/0149051-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 23/02/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2010). (BRASIL, 2010, online, p.01)”

A presunção de violência traz dúvidas acerca da sua natureza e isso acaba resultando na criação de diferentes teorias explicativas sobre o tema, tais como a absoluta, a relativa, a mista e a constitucionalista. Para os que defendem a teoria absoluta, a presunção não poderá jamais ser afastada, ou seja, aquele que praticar ato libidinoso ou relação sexual com menor já será considerado responsável pelo crime.

Os afiliados à teoria relativa, admitem certa abertura, por exemplo reconhecendo a inocorrência de presunção direta sempre que a menor de 14 anos já fosse experiente em assunto sexual e demonstrasse ser promíscua. A teoria mista, em seu fundamento, mantinha a ideia de que com relação aos menores de 12 anos era realmente absoluta, mas caso se voltasse a adolescentes, poderia admitir a produção de provas.

Por fim, a teoria constitucionalista reflete a ideia de que o Direito Penal se baseia na ideia de culpabilidade, considerando como inconstitucional qualquer lei penal que não aceite a responsabilidade subjetiva, e que não admitisse provas capazes de afastar a culpabilidade do agente. Esta última teoria aproxima-se da ideia de presunção relativa, vez que admite a produção de provas que afastem a responsabilidade do agente.

Através das considerações feitas neste trabalho, os casos de abuso sexual de crianças, enfermos ou pessoas com deficiência, mostram-se escritas no Código Penal Brasileiro que tratam dos crimes de violência sexual. Desde o inicio da sua vida, a criança depende do meio social, não somente para sobreviver, mas também para desenvolver suas varias capacidades. Exposto isso, a presença de tais circunstâncias é considerada satisfatória para suscitar o caráter de “vulnerabilidade” a que elas estão suscetíveis. A vulnerabilidade é uma questão muito relevante na esfera sexual, pois não se deve descartar a realidade de que as redes de pedofilias tem se espalhado pela sociedade como uma doença grave que se propaga. Deste modo, foi de suma importância à intenção do legislador de penalizar, com máximo rigor, os delitos sexuais atentados contra vulneráveis, até mesmo considerando-os como um crime hediondo. Porém, mesmo com a modificação advinda pela Lei nº 12.015/09, o crime de estupro de vulnerável permanece despertando debate no que concerne à presunção de violência.

Quanto a questão do menor vulnerável, é mister mencionar, ainda, que, nos dias atuais, vários menores de 14 anos mantêm relações sexuais de maneira frequente e com o consentimento entre os dois, chegando até às raias do absurdo de complacência dos pais. Por essa difusão de ideias, a relativização da vulnerabilidade iria ser visualizada como forma de analisar de maneira mais isolada as condutas, e não acarretar a impossibilidade de defesa do acusado. Diante do exposto, as alterações realizadas pela Lei nº 12.015/09, ainda é visto como tema de bastantes discussões seja por parte da jurisprudência ou dos doutrinadores.

Através dessas considerações, deixo claro que não é de hoje a polêmica sobre esse assunto, mas foi com a passagem dos anos que foi tomando proporções enormes ultrapassando a esfera penal. O espírito deste texto é tentar a conciliação ainda que de uma maneira remota entre o desenvolvimento das crianças e adolescentes em relação as suas porções físicas e psicológicas e a vulnerabilidade desses frente a conduta do sujeito ativo, passando a se considerar a hediondez desses crimes.

Em primeiro plano ainda, deve-se ter em mente ainda que não se pode inclinar o pensamento apenas na presunção absoluta para todos os casos que a sociedade impõe, pois está consagrado o princípio da igualdade na Constituição Federal, atribuindo tratamento uniforme aos que se encontram em nível de igualdade, e tratamento desigual àqueles tidos como desiguais na medida que eles se desigualem, os quais se enquadram aqueles que por determinado motivo não podem exercer seus direitos e garantias de forma igualitária aos demais cidadãos da sociedade.

O que se pretende expor é a revelação de incongruência com o pensamento social atual aos que consideram todos os adolescentes no patamar de vulneráveis, uma vez que muitos já ultrapassaram o estado de inocência, perfazendo muitos atos de quem tem uma vida sexual, inclusive desregrada. Os tempos mudam e mudaram. Adolescentes praticam sexo indiscriminadamente. Não podemos querer ser mais realista do que o rei.

Em toda a sua formação o direito nunca foi considerado exato e perfeito e por isso tem a finalidade de atuar de forma dinâmica, em conjunto com os diversos ramos. No que toca o que está positivado seja no Código Penal ou na Constituição, não se objetiva apontar uma teoria correta, mas a correção dos indivíduos com a teoria adotada, reservando um caráter de personalidade á cada caso concreto, com seus caminhos distintos, de acordo com “a voz da própria sociedade”.

A ideia de que o avanço da sociedade é progressivo e que a moral construída entre nós está ganhando novos contornos, é visível quando se menciona em defender a questão jurídica da aplicação da presunção de vulnerabilidade para todos os casos, estar-se-ia vinculando, em nosso ordenamento, à ideia da responsabilidade objetiva fato este que fere os preceitos previstos na Constituição Federal.

Por todo o exposto, resume-se a ideia de inclinação em acompanhar a nuvem doutrinária, assim como alguns enunciados do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, valendo-se da vulnerabilidade relativa – teoria que advogo em minhas decisões, ainda que não expressa na lei, ou seja, aquela que admite que o sujeito ativo possa se defender com a produção de provas, podendo a solução ser diferente em cada caso concreto, alcançado uma tentativa de melhor julgamento e satisfação do ideal de justiça.

Digo isto porque posso afiançar como juiz que não há nenhuma espécie de processo mais difícil de sentenciar fazendo justiça, quando se trata de estupro de vulnerável, até porque a palavra da vítima tem um peso absurdamente superior ao do acusado, já que quase sempre existem apenas a palavra da vítima contra a do acusado.

De outra feita nestes crimes, em especial quando a mídia resolve dar seu ‘pitacu’ o acusado já está condenado por antecipação.

E aqui afianço de que a repercussão negativa e estrondosa em relação a sentença do caso Mariana Ferrer se deu por conta única e exclusivamente da mídia tendenciosa e pelo fato de que em nosso Direito Penal o poder de prova, quase que exclusivamente é da mulher.

O estupro é um crime difícil de provar, de julgar e de fazer justiça quando da sentença. Mas nem por isso podemos sair prendendo homens e condenando-os sem critérios. Sem qualquer viés de machismo. Mas a opinião pública não acha isso. A imprensa conhece o Direito mais que seus técnicos e estudiosos que levaram anos para poder sentenciar um processo.

Mas apenas por isso devemos sair prendendo homens sem nenhum critério. É preciso repensar tudo isto. Não dá mais para ficar refém de Direitos Humanos, de Comissão da mulher não sei das quantas, etc.

No próximo texto este será o tema a ser focado.

Intimem-se.

Milton B. Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 09/11/2020
Código do texto: T7107422
Classificação de conteúdo: seguro