Estupro. Consumação. Tentativa. Provas. Sujeito Passívo. Etc. (para leigos). (Parte 1)

Estupro. Consumação. Tentativa. Provas. Sujeito Passívo. Etc. (para leigos). (Parte 1)

Recentemente as redes sociais foram tomadas por manifestações contrárias à uma sentença proferida por um juiz da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, o qual, acatando manifestação do promotor de justiça absolveu o réu do crime de estupro de vulnerável que teria sido praticado contra a vítima Mariana Ferrer, em 16 de dezembro de 2018, no Beach Club Café de La Musique, conforme a descrição inicial do fato na denúncia.

Não pretendo aqui desenvolver nenhum comentário ao que levou a absolvição do réu, as ocorrências da audiência. Minha proposição é apenas para mostrar ao público o quão difícil é julgar (sentenciar) um acusado de estupro em razão das provas quase sempre inexistentes, a não ser a palavra da vítima, tão só a palavra dela contra a palavra do acusado.

O delito de estupro é um crime contra a dignidade sexual. O Direito Penal protege a moral social principalmente no aspecto sexual sem, contudo interferir nas relações sexuais normais das pessoas. Porém, caso a atividade sexual seja exercida de forma anormal, atingindo a moral média da sociedade, a lei penal poderá reprimi-la. Todas as pessoas, homem ou mulher, possuem liberdade sexual, que é a possibilidade de dispor livremente de seu próprio corpo à prática sexual.

Inicio mostrando que hoje pela legislação o homem também pode ser vítima de estupro o que não acontecia até a legislação anterior. O crime de estupro sofreu algumas alterações consideráveis em relação ao sujeito passivo do crime. Antes da entrada em vigor da lei nº 12.015/09, somente as mulheres eram consideradas vítimas desse crime. A antiga redação do art. 213 do Código Penal estabelecia: Art. 213. Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.

Com a entrada em vigor da nova lei, a qual introduziu profundas inovações em se tratando de Crimes Sexuais, o sujeito passivo agora não se restringe mais somente a mulher e sim qualquer pessoa poderá ser vítima de estupro. Conforme nova redação dada ao art. 213 do Código Penal, o qual dispõe: Art. 213. Constranger alguém , mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. Sendo assim, o homem também pode ser vítima do crime de estupro, desde que constrangido à prática de conjunção carnal, mediante a violência ou grave ameaça.

Pois bem. De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213 (na redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009), estupro é: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. O estupro é considerado um dos crimes mais violentos, sendo considerado um crime hediondo. O crime pode ser praticado mediante violência real (agressão) ou presumida (quando praticado contra menores de 14 anos, alienados mentais ou contra pessoas que não puderem oferecer resistência). Logo, drogar uma pessoa para manter com ela conjunção carnal configura crime de estupro praticado mediante violência presumida, pois a vítima não pode oferecer resistência. Atualmente, a pena no Brasil é de 6 a 10 anos de reclusão para o criminoso, aumentando-se de 8 a 12 anos, se há lesão corporal da vítima, ou se a vítima possui entre 14 a 18 anos de idade, e de 12 a 30 anos se da conduta resulta em morte.

O elemento subjetivo do crime de estupro é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.

O objeto jurídico: é a liberdade sexual da mulher e do homem; o direito de escolher com quem deseja ter contatos íntimos, sexuais. Em nenhuma hipótese alguém poderá ser submetido a ter relação sexual contra a sua vontade. Se a prostituta, mesmo após o pagamento do “programa”, decide não fazer sexo com o cliente, a sua vontade deverá ser respeitada, se não for pode cometer estupro contra ela. Por exemplo, o cliente que combina com a prostituta que farão sexo oral, mas a força a fazer sexo anal estará cometendo um estupro em relação à segunda prática. Não importa que o cliente tenha pago por sexo. Da mesma forma, o fato de o cliente ter pago para fazer sexo não dá a ele o direito de cometer um crime. Enfim, também não importa que a vítima tenha inicialmente aceito fazer sexo. Se ela mudar de ideia durante a relação e pedir para parar, e a outra pessoa não parar, seus atos a partir daquele momento constituirão estupro.

Outro exemplo é o dos casados. Ainda que casada, a pessoa não poderá ser obrigada a ter relações sexuais com seu cônjuge. Portanto, o marido que obriga a esposa, mediante violência ou grave ameaça, a fazer sexo, pratica o crime de estupro. Pode parecer estranho a olhos mais acostumados a uma sociedade machista, mas esposas (e esposos) podem, sim, ser vítimas de estupro. O cônjuge que força uma relação depois de ouvir o famoso ‘hoje não, estou com dor de cabeça’ estará estuprando seu cônjuge. Cônjuges não têm direito sobre o corpo alheio. Sexo, só consentido. Seja dentro ou fora do casamento. Nas relações sexuais, o consentimento dos envolvidos deve ser tido como condição absoluta, não existindo qualquer possibilidade de que o ato ocorra, licitamente, sem a sua existência.

Sujeito ativo: qualquer pessoa, homem ou mulher. Se o autor da conduta for menor de idade, a prática será considerada ato infracional, regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mulher como sujeito ativo do crime de estupro por conjunção carnal: a mulher que, mediante violência ou grave ameaça, obriga um homem a, com ela, ter conjunção carnal, pratica o crime de estupro? Sim, embora seja, na prática, difícil imaginar que um homem, nessa situação, consiga ter uma ereção. Dessa forma, não é necessária a introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal, para consumar o crime de estupro. Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1567801/MG.

Por fim, vale lembrar que estupro pode ocorrer entre pessoas do mesmo sexo. Um homem pode ser vítima de estupro, e o culpado pode ser outro homem ou uma mulher. E vice versa.

Além da cópula vaginal (pênis na vagina), são considerados atos libidinosos os seguintes atos: todos os atos que implicam contato da boca com o pênis, com a vagina, com os seios ou com o ânus, os que implicam manipulação erótica (por mãos ou dedos) destes mesmos órgãos pelo respectivo parceiro, os que implicam introdução do pênis no ânus ou no contato do pênis com os seios, e os que implicam masturbação mútua.

Observação: Deve-se levar em conta que qualquer ato cometido com violência ou grave ameaça, com relação aos crimes que protegem a dignidade sexual, são considerados atos libidinosos. O que vai dizer o que é libidinoso ou não é a intenção erótica daquele ato. Por exemplo, um homem que aperta os seios de uma mulher de forma violenta numa briga. Isso não é ato libidinoso (Nesse caso, se caracterizaria apenas como uma agressão física). Por exemplo, dar um beijo com violência, pode caracterizar o ato libidinoso para a nova tipicidade do crime de estupro. Deve-se analisar o caso concreto.

Nunca esquecer que a conjunção carnal é o ato libidinoso caracterizado pela introdução do pênis na vagina, ainda que de forma parcial, teremos então a consumação do crime de estupro; com a cópula carnal, mesmo sem ejaculação ou perfuração do hímen quando virgem. A tentativa de estupro é possível quando, por exemplo, o agente inicia a execução do delito, com o intuito de conjunção carnal, mas é interrompido.

É um crime essencialmente doloso – não havendo previsão da modalidade culposa. O crime de estupro admite algumas qualificadoras, causa de aumento da pena, tais como : se resulta lesão corporal de natureza grave ou morte; se á praticado contra vítima entre 14 e 18 anos.

Os crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça. O estupro como dito é considerado Crime Hediondo - Lei 8.072/90 – O estupro, consumado ou tentado, está previsto na lei de crimes hediondos - art. 1º, V – “estupro (art. 213, caput e§§ 1° e 2°). A lei 12.015/09 também incluiu, no inciso IV, o estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§1°, 2°, 3° e 4° do CP.

As conseqüências do crime de estupro que além de ser um ato violento, depravado, sórdido, repugnante, horrendo, pavoroso, produzem seqüelas irreparáveis para as vítimas, principalmente para as do sexo feminino que vão além da possibilidade de perder o relacionamento com os seus companheiros devido ao pensamento machista ainda existente, ainda fixa-lhes permanentes traumas psicológicos, inseguranças, medos, fobias, aumentando substancialmente tal problemática quando do estupro resulta gravidez.

A vivência e a experiência profissional ao longo dos tempos, 20 e tantos anos na magistratura mineira nos contempla pelo lado psicológico adquirido em casos práticos julgados, a asseverar sem medo de errar, que autor do crime de estupro do sexo masculino parece não ter sentimento de culpa e, geralmente quando chega a confessar o crime ou crimes inerentes, faz normalmente e até orgulhosamente, como se estivesse contando um filme, um fato fora da realidade, desprovido de sensibilidade. Por vezes se sente poderoso, superior, nega suas carências, suas dificuldades, demonstra ser completamente desconectado com sentimentos próprios e muito menos com os sentimentos alheios, com os sentimentos das vítimas, dos seus familiares, do que pensa a sociedade a seu respeito.

O praticante usual do crime estupro é um maníaco sexual cuja raia da insanidade se aproxima até do criminoso psicopata, pois de quando em vez assistimos que não se contenta ele somente com tal crime e ainda mata a sua vítima com as suas próprias mãos através da esganadura, sufocamento, asfixia ou outros meios cruéis, por isso é quase sempre irrecuperável e pouco liga para as conseqüências nefastas que advêm até para si próprio, vez que, além da sua pesada pena de reclusão ainda, via de regra, ao se ver preso e colocado junto a outros criminosos, pela praxe antiga e tradicional do sistema prisional é molestado sexualmente pelos seus colegas de cela que assim também praticam crime idêntico.

No próximo texto vamos abordar outros aspectos processuais polêmicos.

Guaxupé, 05/11.2020.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 05/11/2020
Código do texto: T7104462
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