Decisão. Alvará. Autorização. Trabalho. Menor. O que decidir entre a Lei e a Justiça.

PJe 5003251-18.2020.8.13.0287

Vistos, etc.

Trata-se de pedido de autorização judicial para trabalho remunerado de menor púbere por Matheus Almeida de Souza, estudante, com 17 anos de idade, assistido pelos seus genitores Júnior José de Souza e Graziane Heloisa Almeida de Souza com os seguinte argumentos: que está com 17 anos de idade e trabalha na empresa Cesinha Motos, atuando no ramo de mecânica de motos no horário compreendido entre 8 hs às 18 hs de segunda a sexta feira e aos sábados de 08 hs a 12 hs., percebendo um salário mínimo mensal. No entanto pretende trabalhar como garçon na lanchonete Pingo no I, no período compreendido entre 18 hs e 2,30 hs a partir de quinta feira a domingo. Juntou documentos de fls.

O Curador da Infância e Juventude manifestou-se às fls. contrariamente à pretensão inicial.

Eis a história constante do feito. Fundamento e decido.

Em que pesem os argumentos apresentados pelo requerente, juntamente com a documentação juntada, não se desconsiderando, obviamente, a importância do tema e a disposição para se realizar um grande trabalho, o Promotor de Justiça emite parecer judicioso, que bem delineou o caso.

A questão de trabalho do adolescente com idade superior a 16 anos é permitida, desde que se respeite as diretrizes do ECA, no sentido de que o trabalho não pode ser perigoso, insalubre e noturno, ou seja, respeitando as normatizações do Ministério do Trabalho, podendo a entidade se valer de consulta junto à unidade do Trabalho localizada nesta cidade.

Não se desconhece aqueles a sustentar a desnecessidade de alvará judicial, para o trabalho de menores, conforme se vê, na jurisprudência do E. TJRS abaixo transcrita: “ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PRELIMINAR DO APELANTE. AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO DE ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. Se a Lei n.º 8.069/90 confere proteção integral à criança e ao adolescente (art. 1º) e nela, precisamente no Capítulo V, é regulado o direito à profissionalização e à proteção no trabalho, é o Estatuto da Criança e do Adolescente que deve prevalecer sobre a Consolidação das Leis do Trabalho no trato do direito ao labor daqueles que por ele são protegidos. Se é o direito ao trabalho do adolescente o objeto da discussão, levando em conta a sua regulação pelo Estatuto, como corolário lógico, tem competência, para o deferimento de expedição de alvará para o labor, a Justiça da Infância e da Juventude.

Embora não seja o caso, mas lembro aos atores do feito que, quando tratar-se de trabalho de menor na condição de aprendiz, é desnecessária a autorização judicial. Para estes casos, condição de aprendiz, não há previsão legal que exija intervenção judicial para autorizar o trabalho de menor na condição de aprendiz. Cabe ao empregador a observância da legislação e ao Ministério do Trabalho a fiscalização da atividade, havendo falta do interesse de agir quando o exercício de direito é assegurado por lei.

No entanto, no caso dos autos, busca o adolescente autorização para trabalhar como garçon na dita lanchonete.

Deixar de apreciar o mérito da questão traz insegurança jurídica ao empregador, que, decerto evitaria o risco da contratação. Em última análise, o adolescente que sofreria as consequências. Impõe-se atuação positiva do Poder Judiciário.

Como é de conhecimento geral, compete à família, à sociedade e ao Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, nos termos do art. 227, da CR: “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à concessão de autorização para o trabalho face aos princípios da razoabilidade e do melhor interesse do adolescente. (Apelação Cível nº 1.0019.11.002381-9/001, 7ª CCív/TJMG, rel. Des. Peixoto Henriques, DJ 28/08/2012)”

Inicialmente, insta salientar que o art. 227, § 3º, inc. I, da Constituição da República de 1988 assegura o direito à proteção especial à criança e ao adolescente, compreendendo a idade mínima de 14 (quatorze) anos para a admissão no trabalho, observada o disposto no art. 7º, inc. XXXIII, in verbis: "Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela EC nº 20/98)".

Por sua vez, os arts. 65 e 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente assim disciplinam: "Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários". "Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não governamental, é vedado trabalho: I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II - perigoso, insalubre ou penoso; III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV - realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola".

Ora, o trabalho do menor, desde que: compatível com a sua saúde física, psíquica e social; garanta a frequência à escola; não seja perigoso, penoso ou insalubre; se atenha à capacitação profissional ao mercado de trabalho, deve ser permitido ao menor de 18 anos, mantendo-o afastado da criminalidade das ruas.

Nesse sentido, este eg. Tribunal de Justiça já se manifestou: "Agravo de instrumento. Autorização para trabalho de menor. Concessão liminar. Estabelecimento das condições de trabalho. Horário escolar preservado. Direitos trabalhistas resguardados. Inexistência de prejuízo para o menor. Decisão mantida. - Tendo a decisão agravada estabelecido condições para a realização do trabalho do menor e preservado o horário escolar, bem como resguardado seus direitos trabalhistas, em sede de cognição sumária, resta evidenciada a inexistência de prejuízo para o menor, devendo a decisão de primeiro grau ser mantida integralmente. - Recurso desprovido" (0358876-86.2010.8.13.0000 - Rel.: Des. Eduardo Andrade - DJ de 16.11.10).

Pois bem. O trabalho de crianças e adolescentes é proibido em geral na legislação brasileira e somente aceito como uma exceção à regra, em casos muito particulares. Trata-se de uma nova política que foi estabelecida, de que a criança e o adolescente não trabalhem e utilizem seu tempo para freqüentar a escola, para desenvolver atividades lúdicas, ter contato com a família e colegas, etc. Pelo menos no imaginário é o que se esperava.

Entende-se no mundo moderno que a criança não deva trabalhar. Porém, as exceções à regra da proibição do trabalho infantil parecem desvendar que a política proibitiva tem mais relação com uma reserva de mercado do que com uma preocupação humanitária. Não se pode negar que o efeito é em grande parte o mesmo, uma vez que Milhões de crianças e adolescente não estão trabalhando. O que é estranho é que a sociedade moderna ainda aceita que tantas crianças trabalhem. Mas como não aceitar diante da inexistência de políticas voltadas para o bem estar das crianças em especial dos excluídos?

Há sim pretensão de muitos adolescentes em trabalhar antes dos 16 anos, pelas mais diversas razões, e, por sinal, compreensíveis, encontrando entrave na vedação da lei. No cotidiano, observamos menores querendo buscar trabalho desde cedo para ajudar a família financeiramente, buscar um pouco de independência e a possibilidade de manterem suas próprias vontades materiais quando os pais não podem ajudar.

Ouvi já muito a frase “meu filho quer trabalhar, mas a lei não deixa”, “O menor pode casar, tirar CNH, votar, fumar maconha, fazer filho, furtar, etc, mas não pode trabalhar”, como forma de indignação. Difícil, senão impossível, entender e compreender esta situação, mas a verdade é que há previsão para o trabalho do menor, todavia, com limite etário, objetivando, primeiramente a proteção ao menor e as formas de exploração que ocorreram outrora.

Espera-se cada vez mais incentivo dos governantes nas políticas públicas e do setor privado quanto à capacitação dos adolescentes, vagas em programas de aprendizagem, possibilidade de angariar experiência para o mercado de trabalho em cursos profissionalizantes, visando despertar um objetivo na cabeça dos menores, que, quando pertencem à parcela pobre da sociedade, não veem perspectiva futura.

A Constituição Federal, no artigo 7º, XXXIII, proíbe trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz. A CLT proíbe o trabalho ao menor de 16 anos, salvo se for na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (artigo 403). E o artigo 428 dispõe que o contrato de aprendizagem exige requisitos, como o jovem ser inscrito em programa de aprendizagem e formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 2º, considera adolescente os que estão entre de 12 e 18 anos de idade.

Apesar da proibição do trabalho infantil e da restrita permissão ao adolescente de trabalhar, há uma série de trabalhos ainda exercidos por crianças. Alguns adolescentes trabalham no setor do comércio e na construção civil, porém cada dia mais diminui o emprego de menores nessas áreas, devido à fiscalização para proibição do trabalho infantil e restrição do trabalho do adolescente. No âmbito rural ainda há uma utilização de crianças e adolescentes nas roças de subsistência e nas monoculturas. Porém, devido à proibição de utilização dessa mão de obra, os empregadores rurais vêm deixando de lado a utilização de crianças. Há uma política estatal de incentivo por meio de pagamento de bolsas para famílias pobres manterem suas crianças nas escolas, desestimulando um pouco o envio desses jovens para o trabalho rural. Essa política é possibilitada por existir população rural adulta em número suficiente, devido à crescente mecanização do campo. No trabalho agropecuário ainda é altíssima a utilização de crianças e adolescentes, em especial no nordeste do país.

O trabalho doméstico infantil ainda existe, em especial longe dos grandes centros. Esse trabalho geralmente não era remunerado ou as crianças e adolescentes tinham uma baixíssima remuneração. Não se pode negar que o trabalho doméstico infantil ainda existe inclusive nas grandes cidades, muitas vezes executados de maneira ininterrupta, por membros da família e geralmente sem remuneração, pois não se reconhece a atividade como trabalho.

O trabalho sexual de menores de 18 anos ainda é uma realidade no Brasil, que luta para proteger crianças e adolescente nessas condições. Fala-se de exploração sexual de menores, indicando que há um maior que lucra com o trabalho sexual de menores. A prostituição infantil ainda é realidade, porém cada vez mais a sociedade condena quem se utiliza desses serviços. Sobre esse assunto há quase um consenso que deva ser um trabalho proibido para crianças e adolescentes e que se deve ter políticas públicas eficazes para reverter essa situação que, via de regra, está associada à pobreza.

Um outro setor que emprega muitas crianças e adolescentes é o tráfico de drogas. Crianças e adolescentes são utilizadas nas mais diversas tarefas no tráfico, em especial na distribuição e na proteção como soldados do tráfico. Traficantes utilizam-se do trabalho infantil devido à grande vantagem dessas crianças não terem o mesmo rigor da lei penal no caso de sanções. É um trabalho altamente rentável e com um alto risco de morte, que diversas crianças e adolescentes se sujeitam, visando sair da pobreza extrema.

O trabalho informal também é exercido por muitas crianças e adolescentes, muitas vezes colocando em risco sua saúde física e mental. O trabalho de crianças nas ruas é muito conhecido em todas as cidades brasileiras, seja vendendo coisas ou realizando pequenos serviços (flanelinhas, engraxates, etc.). A criança nesse caso está sujeita a todos os problemas e sofre todas as mazelas da informalidade, não tendo garantia de nenhum direito trabalhista. Porém, sua situação é agravada pelo fato de não poder por um lado se inserir no trabalho formal com uma proteção legal, e por outro lado não tem condições de não ficar exposta àquela situação de trabalho, geralmente devido à pobreza e incentivo de alguns pais, que vêem no trabalho um valor maior que o estudo formal.

O fenômeno é complexo e diversificado. Nos grandes conglomerados urbanos, crianças e adolescentes passam a maior parte do tempo sozinhas, já que seus pais — muitas vezes apenas a mãe — passam o dia fora, trabalhando para o sustento. Nas cidades menores o problema é outro, é a inexistência de programas de menor aprendiz. Uma terceira situação é a dos menores em áreas rurais, principalmente no sul do país, onde ajudar na lavoura é um hábito vindo com a imigração e o impedimento de que ele seja feito pelos filhos do pequeno proprietário cria um conflito cultural intransponível.

As consequências são dispersas, difusas e de difícil mensuração. Perambulando pelas ruas, sem controle familiar de qualquer espécie, jovens vão aprendendo as piores práticas, por vezes envolvendo-se com grupos criminosos.

Nos grandes e pequenos centros, crianças ficam soltas na noite, usando bebida alcoólica e drogas, conforme retratado muitas vezes na imprensa. Dir-se-á que tudo isto ocorre porque eles deveriam estar estudando, em período integral e com direito a refeição. Também acho. Mas não estão. Os projetos de estudo e atividades por todo o dia seriam maravilhosos se fossem uma realidade. Mas não passa de mera utopia. Pode haver um aqui, outro ali. Muitos municípios pretendem, promessa de campanha política, ampliar o ensino em período integral. Mas o fato é que a maioria absoluta destas iniciativas resulta em fracasso, por uma série de razões, ainda mais agora com os estados atravessando crise econômica grave, alguns insolventes.

Diante de tal quadro, vale a pergunta: dificultar o trabalho dos menores, sem lhes dar ampla possibilidade de ensino, tem sido útil? Por evidente que não, porque a bem da verdade ele acaba não estudando e nem trabalhando e ficam engrossando o caudal de crianças e adolescente ociosos e sendo arregimentados pelo tráfico.

Confesso, não tenho dúvidas quanto a isto. E, ao refletir sobre o assunto, tiro conclusões da minha experiência de vida. E tal se dá de maneira muito acentuada tendo em vista que as famílias excluídas de toda proteção do Estado estão ‘terceirizando’ a criação de sues filhos para a Igrejas, Escolas, Instituições, Crime, etc.

Ora, nós que nos encontramos na faixa etária dos 50 anos para mais, praticamente 100% tiveram que trabalhar desde criança nas mais variadas atividades e ainda estudavam quando tinham a escola perto de sua morada, e quantos deles deixaram de galgar o sucesso (sobreviver dignamente) por conta destas atividades laborativas infanto juvenis? E ainda temos que penar que naquelas épocas as oportunidades eram infinitamente menores que as de hoje, sem qualquer ajuda do Estado.

E que não venham com fala de que querem reabilitar o trabalho infantil, a partir de falsas premissas de inversão da lógica de proteção. Não.

O que não se pode mais é continuar dando ênfase ao falacioso discurso de que é necessário assegurar ao adolescente, veja, disse adolescente e não criança, o direito ao não trabalho, permitindo que desenvolva atividades lúdicas, obtenha educação de qualidade e, no momento adequado, se qualifique profissionalmente para, só depois, começar a trabalhar. Mas quando vamos ter educação de qualidade? Quando vão proporcionar a todas as crianças e adolescentes atividades lúdicas? Quando vamos dar melhores condições dignas de sobrevivência às famílias?

Ora, se fez opção pela educação, pois então que ofereça, universalmenmte, educação a toda as crianças e adolescentes criando, sobretudo condições para sua freqüência, ainda que compulsória, dando-lhes a perspectiva de uma educação de qualidade. Há que se oferecer, porém, alternativas a essas tristes sinas. Melhor do que tudo isto é brincar, desenvolver-se de forma sadia, estudar em escola pública boa, qualificar-se e, só depois de convenientemente preparado, ingressar no mercado de trabalho. Perfeito. Mas se nem isso o País se dá conta.

É necessário, pois, combater — e não reforçar — mitos como os de que crianças e jovens pobres devem trabalhar para ajudar a família, que quanto mais cedo começar a trabalhar, mais “esperto” fica e melhora suas condições de vencer na vida; que é melhor trabalhar do que roubar, além de inúmeros outros que habitam o imaginário das pessoas e que se vivificam mais especialmente quando se constata que os índices de criminalidade envolvendo crianças e adolescentes aumentam. Inadmissível conceber que se inverta a lógica de proteção integral e prioritária assegurada no artigo 227 da Constituição Federal e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente e se permita que crianças e adolescentes pobres, frágeis criaturas em peculiar condição de desenvolvimento, continuem tendo que trabalhar para ajudar no sustento próprio e de suas famílias.

Mas neste País nem uma coisa nem outra, Vamos ficar só no lamento.?

Esse comportamento é ilegal, é inconstitucional, mas, pior, é desumano. A família, a sociedade e o Estado é que devem proteger crianças e adolescentes. Na falha de um, o dever é do outro, em qualquer ordem. Não podem todos falhar. Cuidar sim, agora assumir como terceirizados, não comungo deste entendimento.

Mais do que isto: temos que lutar para que tenhamos educação de qualidade, de preferência em tempo integral, diminuindo as desigualdades e abolindo a pobreza, tornando também o Brasil mais competitivo internacionalmente. Só a educação liberta. Só o trabalho dignifica.

Não se pode dar as costas à realidade. O fato é que o ensino/educação é precário, professores espancados. Cultura de menos, visão de mais. Seria maravilho todos os cidadãos terem escola de qualidade, alimentação, lazer, saúde, moradia, entre outros, todavia, sabemos da realidade. Com a máxima vênia, discordo das opiniões que afirmam que o trabalho na adolescência prejudica o jovem. Quando somos pobres, beirando a miséria, o trabalho fez e faz a diferença. Da minha geração, repito, os que se comprometeram com o trabalho conseguiram e lograram a desfrutar de uma vida digna.

Com 14 anos, já não estamos falando mais de crianças, são jovens que com oportunidade de trabalho digno sem dúvida terá uma melhor formação técnica, profissional, de caráter, de homem.

Onde está a democracia que em nome da falta de capacidade do Estado de fiscalizar impede os bons de crescerem, os impedem de ter oportunidades e os colocam a mercê da informalidade e por fim da criminalidade, quem já criou um filho com dificuldades, deu educação e o capacitou sabe o tamanho do erro dos que defendem o indefensável, não é simplesmente impedindo a todos, certos e errados, que estaremos fazendo o certo é acompanhando, educando, o Estado exercendo o seu dever de fiscalizar. O Estado democrático e seus legisladores não podem tirar os direitos sejam estes ao estudo, seja ao trabalho como complemento da formação ou mesmo da renda familiar.

Esta é apenas uma reflexão, aproveitando o fato da pretensão posta em apreciação ser momentoso, não ambiciono ser o dono da verdade. Apenas coloco o tema em nova discussão, com o objetivo de tentar achar uma solução intermediária. Por exemplo, poderiam ser estudadas "as melhores formas de trabalho infantil” (parodiando a Resolução OIT 182) e, nelas, diminuir as exigências existentes para o menor aprendiz ou até diminuir a idade mínima em circunstâncias especiais. No âmbito geral, ofertar vantagens aos que pretendem contratar menores aprendizes (v.g., benefício fiscal), aumentando significativamente, o número de aderentes.

Pois bem, retornando ao tema. Pretende o requerente a devida autorização judicial para trabalhar em lanchonete como garçon a partir de quinta feira a domingo, portanto por 04 dias na semana, cujo horário compreendido entre 18hs às 2.30 hs. Informa, ainda, que já exerce atividade laborativa como mecânico na empresa Cezinha Motos no horário compreendido entre 08 hs às 18hs de segunda a sexta feira, e aos sábados das 8 hs às 12 hs. Juntou aos autos a declaração de matrícula cursando o 2º ano do Ensino Médio, no turno noturno, com início às 19 hs e término às 22,40 hs, alegando que a pretensão ora posta à apreciação deve-se ao fato de que em razão da pandemia às aulas estão suspensas sine die, de modo que a autorização seria tão somente por tempo enquanto as aulas estiverem suspensas.

É bem de ver que a pretensão encontra óbice diante da legislação de regência, cf. fartamente discorrida. Vedação legal já que para os adolescentes com idade entre 16 e 18 anos, existe sim a permissão para o trabalho, inclusive gozando de garantias trabalhistas e previdenciárias, ou seja, pode ser empregado! Residindo as proibições nos casos de trabalho noturno, perigoso ou insalubre. Eis o impedimento: trabalho noturno e insalubre. (grifei)

Observados estes critérios, além claro do dever do empregador quanto às disposições da CLT sobre os direitos do empregado menor de 18 anos, por exemplo, direitos do estudante, duração de jornada de trabalho, sem horas extras, em regra, entre outros, há permissão para o ingresso no mercado laborativo, não havendo sequer necessidade de qualquer “autorização” para tanto, como muitas pessoas acreditam, haja vista que o texto da própria lei estabelece os parâmetros.

Pela CLT encontramos outro óbice que é exatamente o intervalo a ser observado entre uma atividade (jornada) e outra. Explico. O requerente trabalha como mecânico de motos na empresa Cezinha Motos de segunda a sexta feira das 8 hs às 18hs e, considerando que por hipótese sendo autorizado a exercer a atividade de garçon na Lanchonete Pingo no I, com início às 18 hs, não haverá intervalo entre o término de uma jormada (Cezinha Motos) e início de outra (Pingo no I) o que contrria disposição celetista.

De outro norte é bem de ver que o requerente conta com a idade de 17 anos e 06 meses, completando 18 anos em pouco menos que 06 meses, quando, então adquirirá a maioridade civil, podendo trabalhar sem qualquer restrição.

Proibi-lo de exercer outra atividade laborativa por faltar apenas 06 meses para adquirir sua carta de alforria (18 anos), parece-me ilógico, injusto, pois não seria esse tempo faltante que poria o requerente a sujeitar-se a todas as mazelas proibitivas aos adolescentes entre 16 e 18 anos no exercício de atividades outras.

Em tese estaria ele proibido de trabalhar na lanchonete em questão por ter 17 anos e 6 meses de idade, mas não estaria proibido de freqüentar essa mesma lanchonete até altas horas quando no local pratica a venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.

Então, estamos diante da divergência da aplicação da lei ou de fazer justiça. O que fazer?

Esse talvez seja um dos mais polêmicos debates da literatura em geral e da jurídica em particular. Afinal, como decidir entre a Lei e a Justiça, se nem mesmo podemos definir com exatidão o significado de uma e outra?

Há quem diga existir “especialistas” sobre o assunto, de intelectuais a filósofos, políticos, passando pelos teólogos e juristas, muitos se debruçaram a cerca dessa polêmica escrevendo uma tonelada de livros e definições, porém, nenhuma pareceu ser convincente e o impasse resiste, tamanha à subjetividade e referência íntima que cada um de nós carregamos sobre o assunto, influenciados pelos acontecimentos de uma época ou de um dado momento histórico, de uma cultura e de uma sociedade.

O problema aumenta ainda mais, quando uma parece se opor a outra, ou seja, quando a Lei e Justiça caminham em direções opostas, e assim devemos decidir entre quais das duas seguir.

Essas são situações que a sociedade, o judiciário e os operadores do direito, a todo o momento e em todas as partes do mundo tem se deparado, ou seja, a Lei a Justiça nem sempre caminham juntas. Assim em meio a essa dicotomia, frente a um caso concreto, qual das duas devemos seguir?

Contrariando os ensinamentos do meu guru, jurisconsulto, ex Ministro do STF e amigo Eros Graus, que afirma: “Mas não é só, pois há uma diferença essencial entre justiça e Direito, lex e jus. Os juízes aplicam o Direito, não fazem justiça. O que caracteriza o Direito moderno é a objetividade da lei, a ética da legalidade. Não me cansarei de repetir que os juízes interpretam/aplicam a Constituição e as leis, não fazem justiça.”, entendo que deve sempre prevalecer a Justiça. Porém, chamo de Justiça exatamente à preservação das garantias e direitos individuais que foram conquistados durantes séculos de lutas contra o arbítrio, ou seja, o direito a vida e a dignidade da pessoa humana, que no direito penal e processual penal entendo, de acordo com os inspiradores do pensamento Iluminista, o devido processo legal, o direito a ampla defesa e contraditório, a presunção de inocência, a produção de prova, ao duplo grau de jurisdição, a razoabilidade e proporcionalidade, o da não auto incriminação, e assim por diante.

É para nós, cidadãos e principalmente operados do direito, magistrados, promotores de Justiça e, sobretudo advogados imperioso defender essas garantias, sob pena de retrocedermos na história, ou estarmos alimentando um regime autoritário, sem direitos.

A Justiça, portanto, deve prevalecer sempre quando ela for de encontro e está em harmonia há esses princípios, instituídos em nossa Constituição, mas principalmente esculpida e marcada na alma do Homem, no espírito humano em favor de seu bem maior, que é a vida, a dignidade, a liberdade e a busca da felicidade.

Foi um tormentoso caminho este no qual vivi um conflito entre o dever de aplicar a lei e o dever de servir à Justiça, que nem sempre está expressa na lei.

A vida, os sofrimentos, a reflexão levaram-me a compreender que há uma hierarquia de valores a ser observada.

O juiz está, sem dúvida, submetido à lei. Mas o “regime de legalidade”, em oposição ao regime de arbítrio, não significa submeter os magistrados ao culto idólatra da lei. Nem retira dos juízes a missão, diante dos casos concretos, de trabalharem sabiamente com a lei para que prevaleça a Justiça. Se há um conflito entre a lei e a Justiça, prevaleça a Justiça.

Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.

Se aplico a lei, o requerente estará impedido de trabalhar, enquanto as aulas estão suspensas pela pandemia; se me ponho a serviço da justiça, a ele será oportunizado o trabalho temporário ainda que em afronte à legislação.

O trabalho que o menor pretende não lhe trará qualquer risco, considerando o tempo retorno das aulas de modo não haver prejuízo a seu horário de estudo, deverá ser mesmo deferido, já que preferível um menor em condições de desenvolvimento de atividade lícita, o que dignifica o ser humano, que pelas ruas da cidade, se envolvendo na criminalidade, com o uso das drogas e consequentemente, após, trabalhando, sem pedir qualquer autorização, para o tráfico de drogas.

Assim, uma vez que impedir o menor de trabalhar, proibindo que contribua para o seu desenvolvimento, é justamente o que se deve evitar em consonância com os dispositivos constitucionais supramencionados.

Assim, concedo a autorização para trabalhar na Lanchonete Pingo no I, mediante as seguintes condições, ainda que estejamos a frente de uma decisão condicional que não é usual, no entanto por ser de jurisdição voluntária é perfeitamente admissível. Defiro a concessão de alvará mediante as seguintes condições: 1) O tempo de atividade como garçon na lanchonete deverá observar o período em que as aulas estiverem suspensas por conta da pandemia; 2) com o retorno das atividades letivas, imediatamente o proprietário deverá rescindir o vinculo ‘empregatício’, pena de não o fazendo pagar multa diária de R$500,00; 3) o horário de início na lanchonete deverá aguardar no mínimo uma hora de intervalo entre a saída (18hs) na Cesinha Motos, e a entrada na lanchonete, pena de inobservância sujeitar-se o proprietário a uma multa de R$500,00 por dia; 4) Deverá juntar aos autos em 24 hs declaração da Diretora da Escola de que as aulas estão suspensas por conta da pandemia, e qual a previsão para o retorno, pena de não fazendo ficar sem efeito esta autorização; 5) fica o Conselho Tutelar e o Comissariado de Menores responsáveis pela fiscalização da atividade do requerente quanto aos horários ; 6) o requerente fica proibido de servir os clientes nas mesas ou circulando pelo interior do estabelecimento, devendo permanecer no ‘caixa’ ou servindo no balcão.

Por fim, me chamou a atenção o fato do requerente, com 17 anos, já encontrar-se trabalhando na empresa Cezinha Motos como mecânico de motos segundo sua informação, sem que tenha obtido autorização para tanto, a exemplo do que pleiteia neste azo.

Soa muito estranho que, para trabalhar por apenas 4 dias na Lanchonete, tenha que buscar autorização judicial, e para trabalhar a semana toda, o dia todo, na Oficina Cesinha Motos não tenha pleiteado tal autorização. Portanto, remeta cópia desta decisão ao Ministério Público para que, se for o caso, tome as providências que entender cabíveis.

Assim, julgo procedente o pedido e extingo o feito com subsídio no art. 487, I, do NCPC. Sem custas.

Intimem-se.

Guaxupé, 15/10/2020.

Milton Biagioni Furquim

Juiz de Direito

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 18/10/2020
Código do texto: T7090385
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