Retirada de órgãos para transplante
Estudo de caso
Estudo de caso
Relato:
Homem de 30 anos de idade, politraumatizado em virtude de acidente automobilístico, dá entrada em pronto-socorro. Os médicos plantonistas da clínica médica e da neurologia, por meio de exames clínico e eletronencefalográfico, constataram que o paciente estava em estado de morte encefálica, apesar de ainda apresentar batimentos cardíacos.
Imediatamente, a médica clínica entra em contato com o setor de Nefrologia para avaliar a viabilidade do aproveitamento de órgãos da vítima para transplante renal. O nefrologista, após informar a família do acidentado, consegue autorização para doação de órgãos. Logo após, a vítima é transferida para outro centro hospitalar onde seriam retirados os órgãos destinados aos fins propostos. Nesse centro, após a realização dos exames laboratoriais necessários para o procedimento, é chamado um dos pacientes renais crônicos cadastrados para transplante, julgado compatível para a recepção do órgão.
Durante os procedimentos cirúrgicos de retirada dos rins do doador, a família revoga o consentimento anteriormente dado e decide contrariamente à manifestação anterior, alegando que um dos parentes da vítima, ao entrar na sala cirúrgica, observara que o monitor instalado acusava batimento cardíaco do acidentado, o que o levou a supor que seu familiar ainda se encontrava vivo e que ocorrera um erro médico.
Pergunta-se:
a) Antes de realizar a retirada do órgão para o transplante, qual a atitude do médico frente à família do paciente?
Resposta:
No Brasil, a retirada de órgãos com finalidade de transplante obedece ao princípio da doação consentida, ou seja, deve existir manifestação expressa em vida pelo doador. Na ausência desta pode a família autorizar a retirada dos órgãos, uma vez constatada a morte encefálica.
Nessas circunstâncias, é absolutamente necessário o Termo de Consentimento Informado. As informações aos familiares quando da busca da autorização para retirada de órgãos devem ser oferecidas de forma clara, serena, em linguagem compreensível e abrangendo todas as fases do processo, desde a constatação da morte encefálica até a conclusão da retirada dos órgãos e recomposição digna do cadáver. Deve-se inclusive garantir aos familiares o direito de ouvir um médico de sua confiança, se for o caso. Assim, o familiar que provocou a celeuma, certamente não estava convenientemente esclarecido sobre os critérios para constatação da morte encefálica. Provavelmente, os demais familiares também receberam as informações corretas, pois rapidamente retiraram a autorização previamente concedida. Se estivessem adequadamente esclarecidos certamente teriam não só mantido a autorização como também eles próprios transmitiriam ao parente com dúvidas as informações recebidas.
b) O que fazer frente à situação prática da revogação pela família da autorização para retirada dos órgãos?
Resposta:
Acredita-se que de imediato se deva comunicar tal revogação à equipe que realiza o procedimento, para que interrompa sua atividade ao mesmo tempo em que se renovem as gestões junto à família, procurando esclarecer os pontos duvidosos e aprofundando as explicações sobre o conceito de morte encefálica e qual o real significado dos batimentos cardíacos observados nessas circunstâncias. Caso estas gestões alcancem êxito, o procedimento de retirada poderá ser retomado no ponto em que foi interrompido. Se, porém, esse desiderato não for logrado, deverá prevalecer a revogação da família e o procedimento de retirada encerrado, definitivamente, recompondo-se o cadáver que passará a ser considerado como indisponível para doação de órgãos. Evidente que cessam então os motivos para a manutenção da perfusão daqueles órgãos, devendo tais cuidados ser interrompidos de imediato e tão logo possível o cadáver deverá ser encaminhado para o Instituto Médico Legal acompanhado de minucioso relato dos fatos ocorridos.
Segundo René Ariel Dotti, Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Paraná, caberia ainda aos médicos envolvidos no episódio (equipe da UTI, da neurologia, de retirada de órgãos e mais suas chefias e direção do pronto-socorro e do Hospital de referência), em conjunto com as suas Comissões de Ética, reavaliarem as condutas adotadas no caso em questão, procurando corrigir as falhas que eventualmente foram observadas.