Pandemia prestações financiamento veículo suspensão pagamento etc.
PJe
Vistos, etc.
Trata-se de AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL POR ONEROSIDADE EXCESSIVA DECORRENTE DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE COM TUTELA DE URGÊNCIA LIMINAR em que ADRIANO BONFIM ROCCA, propôs em face de BV FINANCEIRA S.A., sob o argumento que financiou uma Van, RENAULT MASTER MINIBUS, utilitário ano 2016, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para trabalho com transporte de pessoas, na data de 30/03/2019, em 48 (quarenta e oito) parcelas no valor de R$ 1.523,76 (um mil, quinhentos e vinte e três reais e setenta e seis centavos), tendo o mesmo dado sua Van anterior no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) como entrada e, que no mês de março de 2020, a pandemia da COVID-19 se instalou no Brasil, de modo que todas as escolas, faculdades e universidades suspenderam suas atividades presenciais, e, por consequência, houve a suspensão da prestação dos serviços do autor, que tem como fonte do sustento próprio e de sua família o transporte de pessoas e alunos com o veículo acima mencionado.
Assevera, ainda, que com a suspensão das aulas, e, consequentemente do trabalho do Autor, o mesmo entrou em contato com a empresa Ré, a fim de ajustar o pagamento das parcelas, de maneira que foi suspenso o pagamento das parcelas do mês de abril e maio de 2020, sendo as mesmas transferidas para o final do contrato, bem como a alteração da data de vencimento da parcela que era todo dia 8 (oito) e passou a ser todo dia 28 (vinte e oito), bem como que até a presente data, 21 de Julho de 2020, não há nenhuma expectativa de retorno das atividades do Autor, que, como informado anteriormente, retira todo o sustento de sua família da atividade de transporte de pessoas. Desta maneira, igualmente não existe expectativa para o retorno da normalidade das receitas e proventos do Autor, que está sobrevivendo com a ajuda de familiares. Terminou pugnando pela concessão da justiça gratuita e da tutela provisória de urgência antecipada, com a citação da requerida.
Relatei o necessário. Fundamento e decido.
1. Concedo o benefício da gratuidade de justiça à parte autora, o que faço com fundamento no art. 98, caput, c.c. o art. 99, § 3º, ambos do Código de Processo Civil. Insira-se no sistema informatizado a tarja respectiva.
2. O NCPC realmente busca implantar a cultura da resolução consensual de litígios. Todavia, não se trata de uma busca a todo e qualquer custo ou de um desiderato que se concretiza mediante regra absoluta.
De fato, o caput do art. 334 do NCPC só autoriza a designação de audiência de conciliação ou de mediação se “não for o caso de improcedência liminar do pedido”. Isso revela, claramente, a opção primeira pelo julgamento do mérito, o quanto antes possível, tudo no sentido de concretizar um valor mais significativo para o ordenamento, que é o de se evitarem dilações processuais indevidas (razoável duração do processo).
O detalhe é que esse julgamento do mérito, desejado mais do que tudo pelo próprio sistema do Código, só pode ser desfavorável ao autor. A admissão desse julgamento liminar do mérito, mediante sentença de improcedência, nada tem de ilegítimo, até porque o mesmo sistema prevê, numa atitude de reequilíbrio das posições jurídicas das partes, a tutela de evidência em favor do autor (art. 311, do NCPC), a possibilidade do julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356, do NCPC) e até mesmo o julgamento antecipado integral do mérito (art. 355, do NCPC).
Partindo dessas premissas, entendo que a razoável duração do processo, mediante procedimentos que evitem dilações indevidas, não pode ser buscada, na fase inicial do processo, apenas na hipótese em que a postura judicial seja desfavorável ao autor (improcedência liminar do pedido). Em obséquio ao princípio da isonomia, mostra-se pertinente e necessário que o sistema congregue opções que favoreçam a posição do autor, mais precisamente pela admissão de julgamento de mérito favorável ao autor o quanto antes possível.
Essa possibilidade de rápida decisão favorável ao autor, nos casos em que o sistema a admite (art. 311, art. 355 e art. 356), geralmente pressupõe a análise da postura processual do réu, uma vez que, a depender da forma como o réu se apresentar em juízo, será possível imediato julgamento do mérito ou, no mínimo, concessão de tutela de evidência, com todos os benefícios daí advindos.
Então, o ordenamento jurídico que pretende ser célere em desfavor do autor também deve almejar celeridade quando a situação seja favorável àquele, sob pena de maltrato ao princípio da isonomia. Nesse contexto, penso que a aplicação irrefletida do disposto no caput do art. 334 do NCPC permite a produção de resultados inconstitucionais, já que, da forma como posta a regra, a razoável duração do processo só interessa quando se tem um quadro desfavorável ao demandante. Então, promovendo-se uma interpretação conforme a Constituição, no intuito de salvar a boa intenção do legislador no sentido da solução consensual de conflitos, reputo que a audiência de conciliação ou mediação deve ser designada apenas nas hipóteses em que, segundo a legislação, não seja possível o julgamento do mérito, favorável ou desfavorável ao autor.
Para tanto, mostra-se imprescindível que se aguarde a vinda da resposta do réu, quando então será possível aquilatar sobre a possibilidade de imediato julgamento do mérito. Diante do exposto, dou ao art. 334, do NCPC, interpretação conforme à Constituição para o fim de diferir para fase oportuna a designação de audiência de conciliação ou de mediação.
Acresço, ainda, que, tal como outras instituições bancárias e diante da pandemia do coronavírus e com olhos na dificuldade econômica e financeira que ela vem causando ao país, o réu entabulou acordo administrativo com o autor no sentido de alterar data do pagamento de parcelas; foi suspenso o pagamento das parcelas do mês de abril e maio de 2020, sendo as mesmas transferidas para o final do contrato, bem como a alteração da data de vencimento da parcela que era todo dia 8 (oito) e passou a ser todo dia 28 (vinte e oito), de modo que propiciando a adoção de medidas para aliviar a situação financeira de seus clientes.
Diante das especificidades da causa e de modo a adequar o rito processual às necessidades do conflito, deixo para momento oportuno, cf. já expendido, a análise da conveniência da audiência de conciliação (CPC, art.139, VI e Enunciado nº 35 da ENFAM: “Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo”).
3. Por primeiro, verifica-se, na inicial, que o autor requer a prestação de tutela provisória de urgência antecipada, conforme artigo 303, §1º, NCPC dependente de aditamento com a complementação de sua argumentação.
Pois bem.
Busca o autor suspender o pagamento das parcelas do financiamento até o final da pandemia, ou pelo período mínimo de oito meses, quando se inicia o ano letivo de 2021, alicerçados nos artigos e fatos supracitados, com vistas a salvaguardar os interesses até a decisão final do presente feito, que poderá se perder no decorrer do trâmite processual, vez que, evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Pretende, também, que a prestação seja reduzida a fim de evitar a onerosidade excessiva, devendo as parcelas serem reduzidas em 50% (cinquenta por cento) do contrato, estendendo-se no pelo dobro do prazo, sem qualquer imbuição de juros, correção, multas por motivo de JUSTIÇA!
Com efeito, não se desconhece a crise decorrente da pandemia da COVID-19, responsável pelo Estado de Calamidade atual.
No caso, o autor firmou com o réu contrato de financiamento de veículo, uma Van, RENAULT MASTER MINIBUS, utilitário ano 2016, no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para trabalho com transporte de pessoas, na data de 30/03/2019, em 48 (quarenta e oito) parcelas no valor de R$ 1.523,76 (um mil, quinhentos e vinte e três reais e setenta e seis centavos), tendo o mesmo dado sua Van anterior no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) como entrada para trabalho com transporte de pessoas, na data de 30/03/2019, em 48 (quarenta e oito) parcelas no valor de R$ 1.523,76 (um mil, quinhentos e vinte e três reais e setenta e seis centavos).
Em síntese narra que é motorista autônomo de van escolar e que, em razão da pandemia da COVID-19, com a suspensão das atividades escolares, deixou de receber o pagamento mensal pelo transporte escolar dos alunos, o que ocasionou redução drástica de seus ganhos mensais, precisando recorrer a ajuda de familiares, sendo este o seu único meio de sobrevivência. O autor juntou documentos pertinentes.
É caso de concessão da tutela provisória de urgência pretendida. Observe-se. Há a probabilidade do direito alegado. Deveras, a crise global é fato notório e acarretou o fechamento de estabelecimentos de ensinos e empresariais. Com os estabelecimentos de ensino fechados e suspensas as aulas por tempo indeterminado, evidente que a parte autora não vem mais recebendo a contraprestação referente ao transporte de alunos.
Embora não haja culpa de nenhuma das partes, o veículo Van escolar não está sendo utilizado para o seu propósito específico. Nesses termos, vislumbra-se espaço para a aplicação da teoria da imprevisão e/ou do Código de Defesa do Consumidor, dependendo do entendimento jurídico de cada qual, sendo cabível, por consequência, a redução do preço das parcelas do financiamento, ao menos temporariamente. Ainda, segundo uma terceira corrente, inegável a excepcional situação que vivenciamos atualmente onde o isolamento social foi imposto como forma de se evitar o rápido alastramento de doença viral, cujo tratamento é demorado e ocupa os leitos hospitalares por um longo lapso temporal, ainda sem perspectiva de tratamento preventivo.
Por certo, o fechamento dos estabelecimentos educacionais por determinação legal provocados pelo distanciamento social e pelo receio de gastos no período de incerteza, caracterizam o que a doutrina, terceira corrente, classifica de força maior.
Necessário ressaltar, no ponto, também ser viável a suspensão do dever de pagar as parcelas/prestações, ainda que o requerente esteja na posse do veículo e mesmo que o utilize para outras finalidades, com certeza.
O periculum in mora é evidente e decorre das regras comuns de experiência, nos termos do art. 375 do CPC. Evidente que a cobrança de prestações em um cenário de queda generalizada de receitas pode impactar significativamente a atividade empresarial/motorista da parte autora.
A par disso, tem a parte requerente gastos triviais e emergenciais, que não podem deixar de serem honrados durante este período de crise sanitária e econômico-financeira. Outrossim, tem-se que a medida não é irreversível, sendo certo que o valor dos alugueres pode ser pago posteriormente, sem qualquer prejuízo à parte requerida.
Fixadas tais premissas, cumpre reconhecer que, in casu, as assertivas lançadas pela parte autora, a meu aviso, se revestem de intensidade e força necessárias, para, mesmo em mera cognição sumária, convencer da verossimilhança das alegações acerca dos fundamentos invocados.
Insta salientar que consta dos autos provas da efetiva redução dos ganhos mensais do autor. Ademais, é fato notório que, em decorrência da pandemia e a decretação do estado de calamidade no Estado de Minas Gerais, houve a suspensão das atividades escolares, e, portanto, não haverá, durante todo o período da quarentena, o transporte de alunos.
Portanto, o deferimento da medida se justifica, eis que presentes os requisitos da verossimilhança, certo de que demonstrou a posse do veículo e a redução de seus ganhos mensais, e do periculum in mora, que se perfaz na necessidade de manter-se na posse do bem, sob pena de acarretar-lhe prejuízo irreparável ou de difícil reparação, caso a tutela fosse deferida somente a final.
Digno de menção, eis que pertinente, sobre o Projeto de Lei nº 3666/20, cuja autoria é do Deputado Zé Silva “suspende temporariamente, enquanto durar o estado de calamidade em razão da pandemia de Covid-19, o pagamento de prestações de financiamento de veículos utilizados no transporte escolar”, que tramita na Câmara dos Deputados.
Segundo o texto, que está sendo analisado pela Câmara dos Deputados, as prestações suspensas serão cobradas ao fim do contrato sem acréscimo de juros e multa.
O projeto proíbe ainda a instituição financeira credora de requerer busca e apreensão do veículo financiado.
“A pandemia de Covid-19 atingiu em cheio as famílias dos profissionais autônomos que realizam transporte escolar, diminuindo drasticamente a renda dessa parcela da população”, diz o autor do projeto, deputado Zé Silva (Solidariedade-MG).
Ele observa que, por conta da pandemia provocada pelo novo coronavírus, muitos trabalhadores autônomos que atuam no transporte escolar estão parados desde a suspensão das aulas. Silva destaca ainda que, por terem declarado renda superior a R$ 28 mil nos anos anteriores, alguns profissionais não têm acesso ao auxílio emergencial de R$ 600.
Assim, (a) defiro a tutela provisória de urgência para o fim de suspender a cobrança do valor da prestação devida durante o período em que estiverem suspensas as atividades escolares na modalidade presencial, em especial na (s) escola (s) em que o requerente transporta seus alunos. (b) Faço acrescer que não poderá a requerida valer-se do expediente de negativação do nome do autor, enquanto suspensos os pagamentos das parcelas de financiamento, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$1.000,00 ao dia e, ainda, (c) proibida de promover a medida de busca e apreensão do veículo em questão.
3.1. A parte autora deverá aditar a petição inicial, no prazo de quinze dias úteis, nos termos do art. 303, § 1.º, I, do CPC, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito.
No silêncio, tornem os autos conclusos.
4. Cite-se a ré com as cautelas de praxe e com a advertência de que o prazo de 15 dias úteis para apresentar resposta começará a correr a partir da intimação de eventual aditamento da petição inicial, a ser realizado pela parte autora, nos termos do art. 303, § 1.º, I, do CPC.
Em caso de recurso, nos termos do artigo 6º, 378 e 1.018 do CPC/15, o réu deverá comunicar este juízo de sua interposição, para evitar a estabilidade determinada no artigo 304, “caput”, do CPC/15. Após, venham os autos conclusos para a análise da emenda à inicial ou extinção do processo (artigo 303, §1º ou artigo 304, §1º, do CPC/15).
5. Considerando que este feito tramita eletronicamente, a íntegra do processo poderá ser visualizada pela internet, sendo considerado vista pessoal (art. 9.º, § 1.º, da Lei Federal n.º 11.419/2006) que desobriga a anexação de cópias.
Intimem-se.
Guaxupé, 29/07/2020.
Milton B. Furquim
Juiz de Direito