ORIGEM E TRANSFORMAÇÃO DE UMA
MAGISTRATURA REVOLUCIONÁRIA

TRIBUNAL DA PLEBE NO DIREITO ROMANO:
 
INTRODUÇÃO
 
Em Roma existiram diferentes grupos sociais, entre esses, a plebe. Complexa seria uma assunção total dos benefícios decorrentes da performance tribunícia em toda a história republicana de Roma. Este trabalho, ainda que perfunctoriamente, faz uma abordagem histórica das instituições jurídicas romanas, no caso específico do Tribunato da Plebe, como consequência de um movimento social que se prestou a oferecer aos plebeus um meio alternativo de acesso à justiça, de maneira extrajudicial.
 
A PLEBE
 
A literatura pertinente ao Direito Romano diverge sobre o surgimento da plebe, pois esse período, no ensinamento de Jose Arias, é obscuro: “A obscuridade que reina sobre a época permite, pois, infinidade de hipóteses sobre a origem de ambas classes.”[1]
 
E considera o autor:
É muito provável que nas origens de Roma somente existissem, pelo menos de iure, patrícios, id ests, uma classe de famílias detentoras de todos os direitos e, em consequência, a única que poderia pretender o governo e a direção dos negócios públicos. Outro grupo social, uma confusa massa de habitantes, dos quais, à medida que cresce Roma começa a sentir-se mais frequentes as suas manifestações, essa é a plebe...[2]
 
Para Manuel de Figueiredo Ferraz (1989, p. 29): “[...] os plebeus não foram reduzidos à escravidão, como permitia o direito de guerra, mas simplesmente considerados súditos.”[3]
 
O romanista Charles Maynz considera a possibilidade de que os plebeus eram cidadãos livres trazidos dos territórios conquistados por Roma, autorizados a utilizar a terra:
Eles eram recebidos como membros do Estado, mas não tinham parte no exercício da soberania nacional. E tanto assim que os mantinham separados da populus romanus, que não podia ainda utilizar o costume dos itálicos, de conubium com as famílias dos gentiles, isto é, não havia casamento válido entre plebeus e patrícios.[4]
 
O TRIBUNO
 
Tribuno (em latim: tribunus) era o título de diversos diferentes oficiais eleitos na Roma Antiga. Os dois mais importantes foram o Tribuno da Plebe e o Tribuno Militar.
 
Nas palavras de Silvio Meira:
A palavra ‘tribuno’ teve largo uso. Numerosos tribunatos, de várias naturezas, foram criados através dos tempos. Basta citar: Tribunus plebis, tribunus militum, tribunus aerarius, tribunus celerum, tribo fori suarii, tribo fori vinarii, tribo et notarius, tribo militum a populo, tribo militum Augusticlavius, tribo militum comitiatus, tribo militum consulari potestate, tribo militum laticlavius, tribo militum lectus ab ordine, tribo rerum nitentium, tribo stabuli, tribo voluptatum.[5]
 
Chamavam-se Tribunos, ou porque o povo era dividido em 3 partes, ou porque eram escolhidos, cada um por cada uma dessas partes, ou, ainda, porque eram eleitos pelos votos das tribus.[6] Dig. L. 1, T. 2 fr. 2 § 20.
 
Os Tribunos tinham a obrigação de deixar as portas das suas residências abertas dia e noite[7] para facilitar o acesso de qualquer plebeu em busca de auxilium; também se disponibilizavam em grupo nos bancos tribunícios no Comitium. Cumpre ressaltar, porém, que, em muitos casos de apelo aos Tribunos, os mesmos deferiam a decisão ao Senado. A não interferência dos Tribunos com o recrutamento de soldados seguia um delicado equilíbrio, entre os interesses do Senado e o apelo individual do cidadão que não desejava ir à guerra; na guerra contra a Macedônia, por exemplo, em resposta ao pedido de auxilium de centuriões, dois Tribunos deferiram a decisão aos cônsules, mas os demais declararam que protegeriam qualquer plebeu que fosse aviltado pelo recrutamento.[8]
 
O SECESSIO DO MONTE SACRO E A CONQUISTA DA TRIBUNA DA PLEBE
 
Em 494 a.C., enquanto os patrícios tentavam recrutar um exército para enfrentar cidades próximas, os plebeus deixaram a cidade. Devido a isso, a economia e o exército romanos entraram em colapso. Não havia mais um pilar para sustentar a vida de poucos privilegiados, de modo que toda a estrutura entrou em colapso.
 
Era necessário um acordo. O cônsul Menenio Agrippa foi enviado para negociar, cuja tradição nos diz que foi usada uma fábula para convencê-los a voltar. Com obviedade, isso não era gratuito, os plebeus viram uma série de demandas relevantes acatadas.
 
A mais importante foi a criação de um posto para vigiar os plebeus e garantir que as suas demandas fossem atendidas: a Tribuna da Plebe. Além disso, com importância paralela, criou-se assembleia própria para os plebeus - o concilium plebis. Essa posição foi essencial para que os plebeus pudessem determinar seu roteiro a seguir no governo de Roma. Outro tipo de "magistratura" foi criado - o prefeito plebeu, cuja missão era cuidar do tesouro do plebeu, mantido nos templos de Ceres, Libero e Libera, no Aventino.
 
Outra versão que também nos chegou através Tito Livio (Liv. II, 33, 3) fala sobre a criação de tribunos como resultado de uma lei especial.
 
Tudo isso foi apenas a deflagração do conflito patrício-plebeu, que estabeleceu as bases para um confronto que duraria, segundo a tradição, até 287 a.C. com o Lex Hortensia.
 
CRIAÇÃO E ATUAÇÃO DO TRIBUNATO DA PLEBE
 
Quando da sua criação, o Tribunato da Plebe (Concilium Plebis) votara plebiscita: legislação que só vinculava a plebe. Diz a tradição que uma das três leges Valeriae-Horatiae de 449 a.C. conferiu eficácia para com todo o povo às leis votadas pela Assembleia da Plebe; em 339 a.C., a lex Publilia estabeleceu o mesmo; e, por fim, a lex Hortensia, em 287 a.C., reiteraria o escopo dos plebiscita.
 
Embora sejam às vezes chamados de "magistrados plebeus", os Tribunos da Plebe (Tribunus plebis), assim como o edis plebeus, um cargo criado na mesma época, não eram tecnicamente magistrados, pois eram escolhidos somente pela Assembleia da Plebe e não por todos os cidadãos romanos. Mas, atuavam de forma indistinguível da atuação dos magistrados.
 
A Assembleia da Plebe elegia os tribunos e edis, votava plebiscita (os quais, a princípio, só vinculavam a própria plebs), e examinava casos em que tivesse sido clamada provocatio (recurso à plebe contra a decisão arbitrária de um magistrado). Antes da criação dos tribunais criminais permanentes na segunda metade do século II, os tribunos agiam também como promotores perante a Assembleia para processar qualquer magistrado curul[9] por má conduta no exercício de seu mandato.[10]
 
De início, os tribunos eram dois, ou talvez cinco[11]; Lívio menciona as duas possibilidades, aduzindo que em 471 a.C. chegou-se ao número final de dez.[12] Esse aumento do número de tribunos para dez é por Lívio citado como uma maior consolidação do poder plebeu e por Diodoro como enfraquecimento do mesmo, conclui que a criação de mais tribunos simplesmente refletiu a crescente participação da plebe na sociedade romana complexidade da organização política da mesma, a qual necessitava, portanto, de mais dirigentes.[13] Embora fossem dez: “[...] a oposição de um só tribuno era suficiente para neutralizar a ação dos outros nove. Isso porque não foram criados para agir, mas para resistir.”[14]
 
Os Tribunos que se encarregavam de proteger os plebeus contra as violências dos patrícios o faziam pela intercessão dos tribunos ou pelo veto que opunham aos atos dos cônsules e às decisões do Senado.
 
A esse respeito, expõe Silvio Meire:
O tribunato nasceu das lutas entre patrícios e plebeus, duas ordens sociais, dois componentes da sociedade romana do início da república, com raízes no período da realeza.
 
Das fricções entre essas duas ordens - e não classes propriamente - brotou a necessidade de criar líderes capazes de, em qualquer eventualidade, levantar a voz protetora contra os desprotegidos, os humilhados e ofendidos daquele tempo.
 
Que bela lição de clarividência política oferecem os velhos romanos, fazendo germinar do solo social uma instituição tão útil, cuja atuação concorreu para consolidar a república e, em consequência, permitir o seu fortalecimento e a sua expansão, tornando-a imbatível interna e externamente![15]
 
O rei Sérvio Túllio (em latim, Servius Tullius; ?? – Roma, 539 a.C.), foi o sexto rei de Roma. Segundo a tradição, reinou por 44 anos, entre 578 a.C. e 539 a.C. Além dividir o povo romano em classes e centúrias, fez outra divisão, pela qual o território urbano e rural era repartido respectivamente em certo número de regiões, compreendendo, segundo a doutrina dos críticos modernos, somente a classe plebeia; de maneira que a plebe de cada distrito formava uma communa, isto é, uma tribu separada e governada por chefe especial. Pouco tempo depois de sua instituição, no ano 265, os Tribunos começaram a convocar as tribus plebeias em assembleias presididas por eles, para deliberarem sobre os respectivos negócios, substituindo assim as deliberações de toda classe pelas deliberações privadas de cada tribu. E, como a plebe não estava satisfeita com a parte que os comícios por centúrias lhe deixavam no exercício do poder legislativo, os Tribunos principiaram a fazer naquelas assembleias propostas de novas leis, as quais, sendo aprovadas, tomavam o nome de plebiscitos e constituíram a segunda fonte histórica do Direito Romano.[16]
 
SACROSANCTITAS
 
O tribuno da plebe era inviolável. Na secessio, a plebe teria jurado matar qualquer indivíduo que atentasse contra a integridade física de qualquer de seus tribunos; conforme Lívio, tal indivíduo teria suas propriedades confiscadas e doadas ao templo de Ceres no Aventino. A fórmula sacer esto (maldito seja) era pronunciada contra o agressor, e o assassinar era um dever sagrado.
 
DECADÊNCIA DO TRIBUNATO DA PLEBE
 
Com o decorrer do tempo, o Tribunato da Plebe transformou-se em um mero instrumento da ordem dirigente. Suas decisões passaram a ser aceitas sob as diretrizes do Senado, que abrangia homens aliados a famílias nobres, jovens pertencentes à aristocracia, que pretendiam fazer carreira para ingressar no Senado.
 
Os motivos decisivos e primordiais ocorreram durante a ditadura de Sila, quando o tribunato sofreu um rude golpe: transferiram-se as funções legislativas para o Senado e proibiu-se a submissão de qualquer lei a plebiscito sem que houvesse a admissão do órgão. Dessa forma, coube ao Senado os poderes legislativo, fiscalizador e executivo.
 
Manteve-se o poder do veto, ainda que subordinado à auctoritas patruum, que poderia concordar ou não. Para além disso, impediu-se que os tribunos exercessem outros cargos, e, não obstante o reparo dos seus poderes por Pompeu e Crasso, o declínio ocorreu no ano 1 a.C., com a promoção constante e visível do Senado.
 
CONCLUSÃO
 
Talvez, uma das características mais interessantes abordadas neste trabalho, seja a gênese do Tribunato da Plebe, que surgiu do descrédito mais absoluto e se assumiu como entidade própria. Basicamente, foi ignorado e desprezado pelo patriciado, mas apoiado pelo povo. Esse povo permitiu que legislasse e também julgasse aqueles que se colocavam na contramão da tribuna e contra os interesses da plebe. Além disso, foi o Tribunato da Plebe do secessio do Monte Sacro eleito democraticamente. Não coube escolha à classe dominante, a não ser comprometer-se diante das exigências da plebe. Isso porque os plebeus eram necessários para as constantes guerras travadas por Roma. Essa situação de constante crise externa foi usada pelos plebeus para forçar uma mudança no sistema.
 
Pode-se afirmar que se encontra em Roma, nesse passado longínquo, um referencial histórico-jurídico da criação e reconhecimento do Tribunal da Plebe, que acendeu um especial recinto para a edificação de novos paradigmas no estabelecimento de uma sociedade mais justa.
 
REFERÊNCIAS
 
ARIAS, José. Manual de derecho romano. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Guillermo Kraft, 1949.
 
BONFANTE, Pietro. Storia del Diritto Romano. Giuffré, 1958.
 
DE MARTINO, Francesco. Storia della costituzione romana. 2. ed. Napoli: Casa Editrice Dottore Eugenio Jovene, v. 1, 1972. 503 p.
 
FERRAZ, Manoel M. de Figueiredo. Do tribunado da plebe. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1989.
 
FORSYTHE, Gary. A critical history of early Rome. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2005. 400p.
 
MEIRA, Silvio. O tribunato da plebe em face do Direito Romano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 20, n. 80, p. 385-400, out./dez. 1983.
 
PINTO JUNIOR, João José. Curso elementar de Direito Romano. Pernambuco: Typographia Economica, 1888. 262 p.
 
TAYLOR, Lily Ross. Forerunners of the Gracchi. The Journal of Roman Studies, Cambridge University Pres, v. 52, issue 1-2, p. 19–27, nov. 1962.

NOTAS

[1] ARIAS, José. Manual de derecho romano. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Guillermo Kraft, 1949, p. 35.
 
[2] ARIAS, José. Manual de derecho romano. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Guillermo Kraft, 1949, p. 35.
 
[3] FERRAZ, Manoel M. de Figueiredo. Do tribunado da plebe. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1989, p. 29.
 
[4] MAYNS, Charles. Cours de droit romain. 4. ed. Bruxelles: Bruylant-Christophe & Cªº(ie) libraires-editeurs, 1876, v. 1, p. 41.
 
[5] MEIRA, Silvio A. B.. O tribunato da plebe em face do Direito Romano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 80, p. 387, out./dez. 1983.
 
[6] As tribus eram circunscrições territoriais. A cidade compreendia quatro e o território circunvizinho vinte e seis. Um curator tribus formava uma lista dos nomes, domicílio e propriedades imóveis de cada cidadão. Por aí tornavam-se possíveis as operações do censo tendente a provar o número e a fortuna dos cidadãos. Seu número era conhecido, assim como sua propriedade imóvel, pelos registros do curator tribus. Quanto à fortuna móvel, os próprios cidadãos a declaravam sob juramento. PINTO JUNIOR, João José. Curso elementar de Direito Romano. Pernambuco: Typographia Economica, 1888, p. 130.
 
[7] MEIRA, Silvio A. B. Curso de direito romano: história e fontes. São Paulo: LTr, 1996, p. 43.
 
[8] TAYLOR, Lily Ross. Forerunners of the Gracchi. The Journal of Roman Studies, v. 52, p. 20 et seq., 1962.
 
[9] Cadeira curul: cadeira de marfim e ouro, símbolo das altas magistraturas, como consulado, pretura, edilidade curul, ditadura: “La palabra curul remite en su etimología a la palabra latina “curulis”, significando el asiento cuadrado “sella curilis” con adornos de esfinges o alegorías en marfil (a veces toda la silla era de ese material) plegadiza y portátil (tipo tijera), sin respaldar ni apoyo para los brazos, con patas curvas y en forma de x. Su origen sería etrusco, y si bien habrían sido utilizadas desde la monarquía romana como símbolo del poder real, ciertos magistrados de la Antigua Roma, de la época republicana, recibieron el nombre de “curules”, con derecho a usarlas, haciéndose extensiva la denominación “curul” al cargo que detentaban. Eran magistraturas “curules”, solo ocupadas por patricios (magistraturas “populi romani”) y que tenían “imperium”: la dictadura (magistratura extraordinaria) el consulado, la censura, la pretura y el edilato curul (aunque carecía de imperium”. También gozaba del derecho a usar silla curul el “flamen dialis” (sacerdote de Júpiter). Entre los ediles los había “curules” y “no curules”, siendo los primeros detentados por patricios, elegidos por los comicios por tribus, con funciones de policía y cuidado de la ciudad (limpieza, control de mercados, termas, posadas) y de rango intermedio entre los pretores y los cuestores. Los ediles “curules” eran dos, y el cargo fue creado al igual que la pretura, en el año 367 antes de la era cristiana. Las “sillas curules” estuvieron representadas en monedas romanas.” (Concepto de curul - Disponível em: https://deconceptos.com/ciencias-sociales/curul. Acesso em 11 ago. 2020.
 
[10] FORSYTHE, Gary. A critical history of early Rome. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2005, p. 171.
 
[11] “Com o propósito de subtrair os plebeus aos arbítrios da magistratura e da casta patrícia, Terentillo Arsa, no ano 462 a.C. propôs que se elegesse uma magistratura de cinco membros (para a criação dos quinqueviros) com a missão de redigir para a plebe um código de leis.” BONFANTE, Pietro. Storia del Diritto Romano. Giuffré, 1958, p. 119.
 
[12] MEIRA, Silvio A. B.. O tribunato da plebe em face do Direito Romano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 80, p. 395, out./dez. 1983.
 
[13] DE MARTINO, Francesco. Storia della costituzione romana. 2. ed. Napoli: Casa Editrice Dottore Eugenio Jovene, v. 1, 1972, p. 349-351.
 
[14] MEIRA, Silvio A. B. O tribunato da plebe em face do Direito Romano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 80, p. 396, out./dez. 1983.
 
[15] MEIRA, Silvio A. B. O tribunato da plebe em face do Direito Romano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 80, p. 386, out./dez. 1983.
 
[16] PINTO JUNIOR, João José. Curso elementar de Direito Romano. Pernambuco: Typographia Economica, 1888, p. 134-135.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 21/06/2020
Reeditado em 12/08/2020
Código do texto: T6983953
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