ARRAS OU SINAL
(ARTS. 417 A 420 DO CÓDIGO CIVIL)
 
DADOS HISTÓRICOS
 
Em passado longínquo, as arras foram chamadas de "Um centavo sério", ou "Arles centavo", ou o “Deus de prata” (em latim Argentum Dei). Era uma valiosa moeda, ou sinal, dado para vincular um negócio, nomeadamente para a compra ou locação de um servo.
 
A expressão arras foi introduzida no vocabulário comercial dos gregos através da palavra arrabon (fiança, prenda) e dos romanos por intermédio do termo arrhabo frequentemente utilizado pelos mercadores fenícios, de modo a indicar o penhor que funcionava como sinal de firmeza de um contrato pactuado.
 
A palavra arra tem origem no latim arrha, ou ou também arrabo, que tem origem semita e foi introduzida no latim pelo grego, Aῤῤαβωη[1] cujo significado, assim como no egípcio aerb, hebraico arravon, grego arrabôn e persa rabab, é o de garantia. Instituto milenar nas relações humanas, as arras asseguravam, inicialmente, a promessa de casamento, com a entrega, pelo noivo, ao responsável pela noiva ou diretamente à noiva, de uma coisa ou valor. Se o casamento não se realizasse, o quádruplo do valor ou da coisa deveria ser restituído. Posteriormente, esse limite foi reduzido para o dobro e replicado para as demais relações obrigacionais contratuais, a fim de criar uma obrigação de cumprimento no futuro.
 
As arras para os romanos consistiam em tudo o que uma das partes contratantes fornecia à outra como forma de sinal de perfeição do que fora convencionado, tendo por escopo assegurar de forma indireta o adimplemento obrigacional derivado do contrato. Sendo Assim, constata-se que as arras podiam ser fornecidas em dinheiro, bem como em qualquer outra espécie de bem dotado de valor econômico, pressupondo sempre a existência de uma obrigação principal, da qual eram caracterizadas as arras como acessório, podendo ser civil, natural, pura e simples, condicional ou a termo.
 
NOÇÃO CONCEITUAL
 
É a importância em dinheiro ou a coisa dada por um contratante ao outro, por ocasião da conclusão ou fechamento do contrato. Significado = penhor, garantia.
 
Nas palavras de Pontes de Miranda chama-se arras, ou sinal, ao que alguém dá à pessoa com quem interessa contratar: ou a) em sinal da conclusão do contrato(arras confirmatórias), para firmar a presunção de que o contrato foi concluído e vinculou os contraentes (Arrha contractu perfecto data), ou b) em segurança do contrato ainda não concluído(arrha pacto imperfecto data), o que mais ocorre quando se precisa de certa forma, e não ou não se pode, no momento, satisfazer o pressuposto; ou c) para serem perdidas, se o que se deu preferir exercer o direito de ruptura (revogação) do contrato (arha poenitentiales). As arras no primeiro sentido dizem-se declaratórias.[2]
 
Maria Helena Diniz aproxima o termo arras de sinal: “As arras ou sinal vêm a ser a quantia em dinheiro, ou outra coisa móvel, em regra, fungível, dada por um dos contraentes ao outro, a fim de concluir o contrato, e, excepcionalmente, assegurar o pontual cumprimento da obrigação.”[3]
 
CODIFICAÇÃO DO INSTITUTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL
 
O instituto das arras positivou-se no Código Civil brasileiro de 1916, na parte geral dos contratos, em seu Título IV, Capítulo 3: Das Arras, dentre os arts. 1094 ao art. 1097, com destaque para a sua característica preparatória da execução dos contratos. No Código Civil de 2002, as arras passaram a ser tratadas no direito das obrigações, sendo previstas no Título IV: Do Inadimplemento das Obrigações, Capítulo VI: Das Arras ou Sinal, dentre entre os artigos 417 e 420.
 
“Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.”
 
“Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.”
 
“Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.”
 
“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”
 
POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL
 
Em 1964, o STF sumulou as arras penitenciais (Súmula 412), estabelecendo-as como o limite de indenização em contratos com cláusula de arrependimento.
 
Súmula 412
No compromisso de compra e venda com cláusula de arrependimento, a devolução do sinal, por quem o deu, ou a sua restituição em dobro, por quem o recebeu, exclui indenização maior, a título de perdas e danos, salvo os juros moratórios e os encargos do processo.
 
Todavia, em 2017, o STJ inovou, ao admitir a possibilidade de retenção integral das arras penitenciais, mesmo sem que tenha havido o exercício do direito de arrependimento.
 
Recurso Especial nº 1.669.002 – RJ 2016/0302323-0, publicado em 02/10/2017, de relatoria da ministra Nancy Andrighi.
 
Tratava-se de ação de rescisão de instrumento particular de promessa de cessão de direitos aquisitivos sobre imóvel, com pedido de indenização por perdas e danos e reintegração de posse, ajuizada pelos vendedores. Os vendedores demonstraram que os compradores, na posse do imóvel, não estavam cumprindo as obrigações contratuais. O TJ/RJ decidiu pela rescisão do contrato, determinou a reintegração de posse em favor dos vendedores e autorizou a retenção integral das arras. Essas haviam sido determinadas no contrato como penitenciais. Logo, se fosse exercido o direito de arrependimento, serviriam como penalidade à parte que desistisse do negócio. Os compradores acastelavam ser inadmissível e abusiva a retenção integral das arras, pois não houve arrependimento, mas, simplesmente, mora no cumprimento das obrigações contratuais. Sendo assim, de acordo com o art. 418 do Código Civil, o valor integral das arras apenas poderia ser retido integralmente na hipótese de exercício do direito de arrependimento pelos compradores.
 
A posição do STJ foi no sentido de que, a despeito da resolução do contrato não decorrer do exercício do direito de arrependimento, uma vez negociadas as arras penitenciais pelas partes, o efeito indenizatório deve ser aplicado de forma imediata também às hipóteses de inadimplemento contratual.
 
A Ministra Nancy Andrighi consignou: “[...] as arras penitenciais funcionam como verdadeira cláusula penal compensatória representando o valor previamente estimado pelas partes para indenizar a parte não culpada pela inexecução do contrato”.
 
Segundo a ministra, pactuadas as arras, em amparo à autonomia negocial das partes, “[...] o efeito indenizatório decorrente do inadimplemento se opera ‘ipso facto’, ou seja, independentemente de previsão contratual que estipule a perda das arras se houver descumprimento do ajuste”. Essa previsão opera-se em razão do próprio inadimplemento, não sendo necessária previsão expressa no contrato sobre a perda das arras para casos de inadimplemento das obrigações por parte do adquirente, não obstante as arras tenham sido estipuladas apenas para a hipótese de arrependimento.
 
Nesse refrão, manteve a decisão recorrida e salientou não ser requisito para aplicá-la a existência de previsão contratual expressa nesse sentido. Além disso, o STJ considerou plausível a retenção em montante superior a 50% do valor do negócio, porque os compradores fluíam e utilizavam o imóvel há mais de oito anos, sem qualquer contraprestação aos vendedores. A redução das arras definidas pelas partes no contrato, nesse caso, caracterizaria enriquecimento ilícito dos compradores.
 
Conforme exposto pela ministra Nancy Andrighi, do STJ: “[...] as arras constituem a quantia ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. Apresentam natureza real e têm por finalidades: a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal), e c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório)”.
 
ESPÉCIES DE ARRAS OU SINAL (ARTS. 417 A 420)
 
O Código Civil, de forma indireta, separa o instituto jurídico das arras em duas espécies: arras confirmatórias (arts. 417 a 419 do Código Civil) e arras penitenciais (art. 420 do Código Civil).
 
Leciona Daniel Carnacchioni assinala: “É o cumprimento ou o inadimplemento da obrigação que determinará a sua natureza, jamais a previsão ou não de cláusula de arrependimento. [...] Se a obrigação foi cumprida, por óbvio, as arras dadas por ocasião da conclusão do negócio terão natureza ‘confirmatória’. Por outro lado, se a obrigação não foi cumprida, o art. 418 permite a retenção das arras por quem recebeu se a inexecução for de quem deu ou a restituição das arras, mais o equivalente, se o inadimplemento foi de quem recebeu. Essa retenção ou restituição das arras estaria a confirmar o quê? Obviamente nada. Nesse caso, as arras servem como o mínimo de indenização, ou seja, parâmetro inicial para as perdas e danos, função nitidamente indenizatória. Tanto isto é verdade que o art. 419 permite que a parte inocente venha pleitear indenização suplementar, caso prove prejuízo maior do que o valor das arras dadas, valendo estas como taxa mínima. Não é a cláusula de arrependimento que define a natureza das arras, mas a execução ou inexecução da obrigação. A cláusula de arrependimento [...] tem o único objetivo de impedir a indenização suplementar (art. 420 do CC). Nada mais do que isso.”[4]
 
A) Arras confirmatórias (declaratórias) (arts 417 a 419): realizam a função de tornarem concretas as negociações = regra geral.
 
Observações
1. As arras nesta hipótese são consideradas princípio de pagamento e devem ser devolvidas ou computadas na prestação devida.
2. Se quem deu o sinal descumprir o contrato, poderá a outra parte considerar o contrato desfeito. Cabendo-lhes o direito de reter as arras (art. 418).
3. Se a inexecução é daquele que recebeu o sinal poderá quem as deu considerar desfeito o contrato e exigir sua devolução, mais o equivalente (em dobro) com a atualização monetária, juros e honorários advocatícios (art. 418).
 
Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honorários de advogado.
 
Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.
 
INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR (419 – 1ª parte) – a parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como VALOR MÍNIMO. – ou EXIGIR O CUMPRIMENTO DO CONTRATO (419 – parte final) – a parte inocente pode exigir o cumprimento do contrato, bem como perdas e danos que não poderá ser inferior ao montante das arras.
 
Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.
 
B) Arras penitenciais (art. 420): as arras penitenciais têm função unicamente indenizatória, desde que conste do contrato, quando as partes estipulam a possibilidade de arrependimento do negócio principal. Assim, quem as deu perdê-las-á e quem as recebeu devolvê-las-á mais o equivalente (=em dobro).
 
As arras penitenciais não são pena convencional, o seu pagamento (perdas ou paga em dobro) é somente direito da parte, e não dever.
 
Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.
 
Nesse sentido, Maria Helena Diniz ensina: “Assim, se A pretende efetivar um contrato de compra e venda, poderá entregar a B, que é o vendedor, uma quantia em dinheiro, como prova da conclusão do contrato e como garantia de seu adimplemento. O sinal funciona, pois, não só como um reforço nos contratos bilaterais ou comutativos, indicando a realização definitiva do concurso de vontades, ao firmar a presunção de acordo final, devendo, em caso de execução, ser restituído ou computado na prestação devida, se do mesmo gênero da principal (CC, art. 417), mas também como uma garantia ao pontual cumprimento da obrigação avençada, visto que se pode convencionar a possibilidade do desfazimento do contrato por qualquer das partes, hipótese em que terá função indenizatória. Assim, aquele que deu o perderá para outro e o que recebeu o devolverá mais o equivalente, não havendo, em qualquer caso, direito à indenização suplementar (CC, art. 420), assegurando-se, assim, às partes o direito de arrependimento.”[5]
 
No direito alemão, tem-se o § 338, segunda parte, onde se diz que há regra explícita sobre o pedido de indenização por inexecução do contrato: em caso de dúvida, as arras são imputáveis nas perdas e danos, ou, se não é isso possível, que se restituirão quando se der o pagamento das perdas e danos.
 
As arras penitenciais protegem o devedor; as penitenciais protegem o credor.
 
NATUREZA JURÍDICA
 
- Caráter real das arras
As arras inexistem sem a tradição de alguma coisa (dinheiro ou outro bem móvel) – art. 417.
 
- Caráter acessório das arras
As arras surgem em virtude de um contrato principal, não podendo existir isoladamente, daí sua posição ACESSÓRIA. A regra do artigo 218 do Código Comercial que se aplica aos mercadores, na linha das Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 36, § 2, institui: “O dinheiro adiantado antes da entrega da coisa vendida entende-se ter sido por conta do preço principal, e para maior firmeza da compra, e nunca com condição suspensiva da conclusão do contrato; sem que seja permitido o arrependimento, nem da parte do comprador, sujeitando-se a perder a quantia adiantada, nem da parte do vendedor, restituindo-a, ainda mesmo que o que se arrepender se ofereça a pagar outro tanto do que houver pago ou recebido; salvo se assim for ajustado entre ambos como pena convencional do que se arrepender.”
 
- Não cabe presunção.
 
FINALIDADE DAS ARRAS
 
As arras servem para firmar a presunção de acordo final = contrato firme, ou, para assegurar às partes o direito de arrependimento. Constituem hipótese de indenização prefixada.
 
Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.
 
REFERÊNCIA
 
CARNACCHIONI, Daniel. Manual de direito civil. Salvador: Jus Podium, 2017.
 
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
 
MOREIRA ALVES, J. C. Direito romano. 4. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, v. II.
 
PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Tomo XIII..
 

[1] MOREIRA ALVES, J. C. Direito romano. 4. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1986, v. II, p. 62.
[2] PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Tomo XIII, p. 317.
[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
[4] CARNACCHIONI, Daniel. Manual de direito civil. Salvador: Jus Podium, 2017, p. 738-739.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 21/06/2020
Reeditado em 21/06/2020
Código do texto: T6983857
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