Enterrados vivos: análise da situação dos presos idosos nas prisões brasileiras
O Brasil encontra-se em rápido processo de envelhecimento populacional [1] e pela análise do IBGE acerca das condições de vida da população brasileira, com base no índice de envelhecimento, [2] pode-se concluir que o futuro do Brasil é ser um país com alta proporção de pessoas idosas, [3] ainda que a população em geral esteja a caminho do decrescimento demográfico. As estimativas indicam que com 210,1 milhões de habitantes, o país teve crescimento populacional de 0,79% entre julho de 2018 e julho de 2019, abrindo-se a perspectiva de que a tendência de crescimento permaneça em queda e que a partir de 2048 a taxa de crescimento comece a se reduzir e apresentar uma taxa de crescimento negativa. [4]
Pesquisas especializadas na área de saúde demonstram haver uma relação direta entre envelhecimento e doenças crônicas não transmissíveis, destacando-se entre as mais comuns à velhice a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o diabetes mellitus (DM), que, juntas, são consideradas como os principais fatores de risco para o desenvolvimento de complicações renais, doenças cardíacas e cerebrovasculares. [5] Outras doenças crônicas que acometem os idosos, em menor proporção, são câncer, doenças respiratórias e inflamatório-reumáticas que somadas à HAS e DM aumentam sobremaneira as consequências danosas no processo saúde-doença da população idosa. [6] O tratamento dessas doenças nas fases mais avançada exige internações hospitalares, medicamentos caros, exames de imagem, cirurgias agressivas e acompanhamento ambulatorial com equipes multidisciplinares.
Os dados em apreço referem-se à população livre, não privada de liberdade por conta da prática de atos delituosos, tais os presos, que graças às condições insalubres dos cárceres envelhecem mais rapidamente e sofrem maior incidência das doenças próprias da faixa etária. Com outras palavras, não é incomum que o preso com determinada idade fisiológica demonstre uma aparência mais envelhecida, por conta da dura realidade do internamento prisional. Embora não se demonstre por dados estatísticos, pode-se ousar em afirmar que a vida regida pelas regras das unidades de internamento prisional leva ao “envelhecimento precoce pelas condições precárias no cárcere”. [7]
A título de ilustração e com a pretensão de representar a situação do idoso encarcerado, tome-se o caso de um individuo preso desde a década de 60 e que deveria ter saído do sistema prisional e que, mesmo com a pena extinta, permaneceu preso até 2013. Este detento, localizado pelo mutirão carcerário, considerado o mais antigo do país, encontrava-se em cadeira de rodas e usando fraldas. [8] Outro caso representativo encontra-se no responsável pelo “mais longo assalto a banco do Brasil” [9] que cometeu o primeiro crime no final da década de 80 e, após uma série de quatorze condenações, deveria viver até os cento e vinte e sete anos de idade para cumprir a totalidade da pena pelos crimes cometidos. No internamento prisional este detento contraiu vários problemas de saúde, entre os quais “bronquite crônica, asma, cefaleia, artrite reumatoide, hemorroida grau II e III, esofagite erosiva grau C, Gastrite enantematosa, lesão submucosa em duodeno e tuberculose”. [10]
Serve de ilustração, também, episódio envolvendo o primeiro brasileiro a sair da cadeia após cumprir pena de trinta anos na prisão, pelos crimes que aterrorizaram São Paulo na década de 60, conhecido como Bandido da Luz Vermelha. João Acácio aos cinquenta e quatro anos de idade, desdentado, com problemas psiquiátricos e vivendo em outra realidade sobreviveu pouco mais de quatro meses, após sair da prisão. Sem políticas de reinserção social que deveriam ser levadas a cabo durante o cumprimento da pena de prisão, o desfecho fatídico da vida de Luz Vermelha era uma morte anunciada. Afinal, como prenunciara o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, “O Bandido da Luz Vermelha é o símbolo da falência do sistema prisional brasileiro. Como sempre, é somente visto o lado da contenção do criminoso, retirando-o da sociedade, mas não a sua recuperação. Hoje, Luz Vermelha aparenta um homem com problemas mentais. É um zumbi, que ficará perdido no tempo e no espaço depois de deixar a prisão". [11]
A contundente realidade dos presos idosos no Brasil encontra eco fático em prisões de outras nações, a exemplo de Inglaterra e País de Gales onde também se constata a tendência de que o envelhecimento populacional acarreta mudanças etárias também nos presídios. [12] Amelia Hill, em matéria publicada no The Guardian, relata o caso de um homem de setenta e cinco anos que, em decorrência de enfermidade nos membros inferiores, passou a usar andador e, em total situação de fragilidade, dispensava o banho por medo de escorregar ao entrar no chuveiro, ficando sem asseio durante semanas. Ao reportar o fato a um agente penitenciário, recebeu em resposta que isso acontece com todos enquanto envelhecem, e ficou sem assistência e dormiu muitas vezes sujo de fezes.
O mesmo artigo revela que um preso condenado à prisão perpétua e que cumpriu encarceramento por trinta anos, liberado aos sessenta e sete anos, usava cadeira de rodas e raramente saía da cela, por depender do auxílio de outros detentos para usar o aparelho e alimentar-se. Em seu flagelo, sentia-se não reconhecido como ser humano e que estava enterrado vivo, apodrecendo na prisão.
Essas passagens deixam transparecer que, aqui e alhures, o internamento prisional na velhice encerra punições particulares que vão além da privação de liberdade. A reportagem localizou ademais situações em que detentos com demência não sabiam que estavam presos e nem se ou como tinham praticado os crimes pelos quais foram condenados. A mesma matéria noticiou também a existência de idosos doentes e moribundos conduzidos ao hospital algemados, e outros com doenças terminais que esperaram tanto tempo pela liberação compassiva [13] que morreram em suas celas antes de obter resposta das autoridades para tratamento das enfermidades.
No que respeita especificamente à população internada em presídios brasileiros, é verdade que 30,52% da faixa etária das pessoas privadas de liberdade no país têm entre dezoito e vinte e quatro anos e 23,39% entre vinte e cinco e vinte e nove anos de idade, demonstrando que mais da metade da população carcerária registrada no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP. 2.0) implementado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) situa-se na faixa dos vinte e nove anos de idade. [14] Aproximadamente 8% da população carcerária têm sessenta anos ou mais de idade, [15] havendo, contudo expectativa de que em 2025 o Brasil possa ter até 24% da população carcerária com mais de sessenta anos de idade e com tempo prisional acima de vinte anos. [16]
Não se deve ignorar que, embora a parcela majoritária da massa carcerária situe-se abaixo dos trinta anos de idade, a população carcerária brasileira mantém-se assimétrica à tendência de envelhecimento da população em geral. Nesse cenário, é importante se ressaltar que os presos idosos envelhecem mais rapidamente do que as pessoas que estão fora do sistema prisional. E que se deve considerar ainda o fato de que os idosos ou os que atingiram a velhice no cárcere chegaram ao sistema com histórico de abuso de drogas, álcool e alimentação inadequada, fatores que agravam mais as péssimas condições de saúde do idoso preso.
Afora as doenças reportadas, os presos em geral apresentam diferentes sintomas de enfermidades psiquiátricas que são prejudiciais para os presos idosos, faixa etária em que as taxas de depressão são mais altas e tendem a ter um efeito duradouro em grande porcentagem.
O que diferencia a realidade britânica e celta da brasileira é que por lá, num efeito surpreendente, as prisões vem se tornando os maiores provedores de cuidados aos presos idosos. Em solo bretão, as prisões paulatinamente se adaptam a este novo papel, mesmo de forma desorganizada, com agentes prisionais inadequadamente treinados, mas que lutam para manter a dignidade de idoso condenado, cumprindo penas em prédios projetados para presos jovens saudáveis. [17]
No Brasil, nota-se que a realidade do preso idoso nas condições insalubres e frente à evidente fragilidade do sistema prisional que não recebe as adaptações necessárias é diferente. E muito diferente, apesar dos critérios de aprisionamento estabelecidos em tratados internacionais, na Lei nº 7.210/84 (LEP) e na Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso) esta prevendo o tratamento diferenciado às pessoas com idade acima de sessenta anos, estejam custodiadas ou em liberdade.
O objetivo principal deste artigo é alertar as autoridades e a população em geral para uma realidade que não pode mais ser ignorada, já que as doenças dos detentos idosos não são menos sérias do que as da população em geral pelo fato de terem cometido delitos e de um modo ou de outro possuam ainda capacidade de delinquir e de reincidir na prática de crimes. Para os idosos, o tempo de prisão é mais difícil de suportar do que para os jovens e mais aptos, havendo entre o grupo de idosos muitos casos de bullying, abusos, solidão e isolamento o que deixa os idosos presos privados do direito a uma vida digna pelo deliberado esquecimento em depósitos de pessoas ou masmorras medievais como algumas autoridades recentemente denominaram as prisões brasileiras. [18]
Embora muitas vozes afinadas ao discurso da majoração e aumento das penas, adeptas da política da Lei e da Ordem [19] onde a menor infração deve ser punida com rigor, enlouqueçam com qualquer sinal de clemência do sistema penal e venham criticar qualquer melhoria imaginada para a situação dos presos idosos, é difícil ver a prisão brasileira como o lugar adequado para manter pessoas idosas enfermas com gravidade ou com sintomas de demência, que as tornam incapazes até de compreender a razão do encarceramento.
Fiel à boa fé, reconhece-se no que fazer com o idoso preso um problema tão grave quanto o do encarceramento em geral. As opções não são muitas e nem simples, convergindo para a manutenção do preso em instalações inadequadas, esperando que o óbito ocorra ou a conversão em medida de segurança com o devido recolhimento a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado (art. 41 do CP).
Também se vê como possibilidade, a transformação do cumprimento de penas privativas de liberdade em instituições prisionais em prisão domiciliar para que os detentos enfermos recebam cuidados dos familiares. Talvez esta seja a opção mais inviável, dado que os parentes o mais das vezes não possuem recursos financeiros ou conhecimentos adequados para tarefa tão árdua. E como se sabe, “os presos terão sempre muita dificuldade ao saírem da detenção após longos anos e enfrentarem a convivência em sociedade em uma nova realidade". [20]
O estado neoliberal efetivamente não quer ou não tem condições de cuidar de presos idosos acometidos de doenças crônicas ou com alguma espécie de demência, transferindo aos agentes penitenciários e aos companheiros de prisão a angústia de presenciar a morte lenta dos custodiados. Se no mundo extra-prisão os idosos sofrem com cortes nos cuidados sociais para pessoas idosas, para saúde e educação, falta recurso e, principalmente, vontade política para gastar recursos com presos idosos.
É claro que os indivíduos devem ser punidos por seus crimes, mas a condição de fragilidade faz com que muitas vezes o castigo seja pior para idosos do que para presos jovens e de saúde inabalável. No caso dos idosos, pelo que como se demonstrou, a pena se parece com algo mais próximo da tortura do que da punição civilizada. Se alguém com demência não souber a razão de estar sendo punido, mantê-lo na prisão parece inútil. Mas o que fazer se seria até uma crueldade maior devolver o individuo à comunidade onde iriam causar celeuma ao núcleo familiar ou morrer, a exemplo do Luz Vermelha? [21]
Parece não haver resposta à indagação, a curto e médio prazo, mas de concreto fica que as prisões no modelo atual são lugares impróprios para pessoas idosas que sofrem tratamento desumano e degradante próprio das masmorras medievais. A decisão como não poderia deixar de ser deve passar obrigatoriamente pelo crivo do legislador, mesmo que já exista um calhamaço de normas internacionais e nacionais, regulando a custódia do preso.
Os fundamentos civis da proteção a todos os presos e por extensão aos presos idosos estão contidos em documentos internacionais e nacionais que a credenciam e garantem. No plano internacional, a Convenção Europeia de Direitos Humanos ao reportar-se no art. 3º ao tratamento desumano e degradante [22] coíbe a imposição ao preso idoso de castigo que vá além da privação de liberdade. O mesmo sentido de proteção é encontrado nas Regras Mínimas para o tratamento dos presos. O art. 50 determina que “O regime penitenciário deve empregar, tratando de aplicar conforme as necessidades do tratamento individual dos presos, todos os meios curativos, educativos, morais, espirituais e de outra natureza e todas as formas de assistência de que pode dispor”. Isto quer dizer que morrer e sofrer às mãos do estado não faz parte da pena e, não havendo as mudanças necessárias para a proteção da saúde física e mental do preso idoso, o país estará violando o precitado dispositivo.
As normas que regem a proteção dos presos no Brasil “obedecem aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem e daqueles inseridos nos Tratados, Convenções e regras internacionais de que o Brasil é signatário devendo ser aplicadas sem distinção de natureza racial, social, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem.” [23] Entre outros se destaque a Resolução nº144, de 11.11.94 que fixa no art.155 que “A assistência à saúde do preso, de caráter preventivo curativo, compreenderá atendimento médico, psicológico, farmacêutico e odontológico” em enfermarias do próprio estabelecimento prisional e caso estes não estejam suficientemente aparelhados para prover assistência médica necessária ao doente, poderá ele ser transferido para unidade hospitalar apropriada (art. 16).
No contexto específico das normas jurídicas, a tutela dos direitos dos idosos presos inscreve-se no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal que determina ao Estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público. Por seu turno, o art. 40 da LEP, do mesmo modo, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios, sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, inciso VII, do mesmo diploma legal. Nunca é tarde lembrar que o Brasil por cláusula pétrea não endossa a pena de morte em tempos de paz.
O art. 318 do CPP aduz que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for maior de oitenta anos, extremamente debilitado por motivo de doença grave, seja imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência e gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Para que haja a substituição, o juiz deve exigir prova idônea dos requisitos estabelecidos no artigo. Antes a previsão de prisão domiciliar era apenas para reeducandos em cumprimento de pena em regime aberto (art. 117, da LEP). Agora, com este dispositivo a prisão domiciliar será possível para os presos provisórios e por óbvio também a todos os demais presos, independentemente do regime.
O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) dispõe de uma série de proteções especiais ao idoso, prevendo diversos casos de agravamento, aumentos ou qualificações de penas quando a pessoa afetada pela conduta lesiva seja alguém “maior de sessenta anos”, “idosa” ou com “idade igual ou superior a sessenta anos”. [24]
A legislação penal brasileira já prevê algumas regras especiais para criminosos maiores de setenta anos como a diminuição pela metade do prazo da prescrição dos seus crimes (art. 115, do CP). [25] Mas tal benefício não serve à solução efetiva da situação do preso idoso. Claro que pode ser que um idoso com perfil criminoso seja perigoso demais para usufruir um beneficio legal e voltar à sociedade, sendo a prisão sua única opção e lá permanecendo por trinta anos, tempo máximo de pena no Brasil. Mas possivelmente há idosos que praticaram crimes graves ou leves e que por conta da idade avançada arrefeceram a periculosidade e se tornaram responsáveis e capazes de ter uma convivência saudável entre seus familiares e a comunidade. Estes poderiam se beneficiar com a redução da pena, tornando o castigo menos severo pelo merecimento da misericórdia e compaixão do estado.
Assim, a primeira das medidas visando a amainar a situação do preso idoso seria a redução do número de presos, mediante à libertação compassiva ou à compaixão para com presos de idade avançada ou gravemente enfermos, como ocorre no Reino Unido. [26] O correlato da libertação compassiva no Brasil seria a liberdade condicional que poderia liberar presos se eles estiverem gravemente doentes com difícil recuperação. Outra medida seria os juízes aplicarem sentenças mais brandas. Os legisladores de Oklahoma aprovaram medida com apoio bipartidário para facilitar a revisão das sentenças de reclusos cujos crimes seriam classificados como delitos menores, tornando mais fácil aos presos não violentos e com mais de sessenta anos de idade obter audiências de liberdade condicional. [27]
Os tribunais americanos estão percebendo que mesmo um curto período de prisão para uma pessoa idosa poderia ser uma punição excessivamente severa. Imagine-se uma pessoa de setenta ou oitenta anos que tiver de cumprir uma pena de até dez anos. Sem ser dramático, é provável que esta seja uma forma de prisão perpétua em comparação a quem tenha praticado o mesmo crime, mas tenha apenas vinte anos de idade.
Outra solução seria a redução da idade determinada para a prisão domiciliar prevista no art. 318 do CPC que atualmente prevê o benefício apenas para maiores de oitenta anos em caso de doença grave. E por último poderia ser aventada a hipótese da implantação de estabelecimentos penais onde não houvesse o uso de algemas, armas e atuação de agentes, como a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), em estágio de implantação em Santa Catarina. [28] Essas unidades estariam vinculadas ao sistema prisional, mas localizadas em anexo especializados onde os presos idosos receberiam cuidados especiais.
Em outras palavras, é urgente a necessidade de se construir novas prisões projetadas especificamente para presos idosos que precisam ser detidos, mas que não representam mais risco de fuga ou perigo para a sociedade. A idéia pode parecer onírica, mas vem sendo implantada no Reino Unido. O HMP Downview, prisão feminina em Surrey, desenvolveu sua própria política de infratores, incluindo ala dedicada exclusivamente a prisioneiras transexuais que são mantidas em sua própria unidade sem acesso a outros reclusos.
A ideia poderia ser adaptada aos presos idosos brasileiros. O problema é que tanto lá quanto aqui é ferrenha a oposição de grupos que não concordam com a liberalidade judicial, como ocorreu no caso da APAC catarinense em que entidades civis vêem a instalação da unidade como um "desserviço irresponsável do governo do Estado" que está incentivando o "empoderamento das facções criminosas". Tais entidades chegaram a recorrer ao Ministério Público contra a implantação do modelo no Estado.
Aqui e alhures, a imprensa e os grupos conservadores se mantém atentos a qualquer sinal de indulgência para condenados qualquer que seja seu estado de saúde. No Reino Unido houve grande indignação popular quando Ronald Biggs, o ladrão do século celebrizado pelo legendário roubo ao trem pagador foi transferido com quase oitenta anos de idade para um hospital acometido da grave pneumonia adquirida na prisão que causou sua morte três anos depois, de libertado. Também fúria semelhante ocorreu quando o acusado do atentado de Lockerbie de cinqüenta e sete anos de idade foi libertado para morrer de câncer. No Brasil o clamor não foi menor quando se divulgou a soltura de Luz Vermelha. E ainda hoje, as manchetes de jornais e chamadas de programas de tevê não são generosas ao noticiarem saídas temporárias e indultos concedidos a presos de bom comportamento, meios espraiados na LEP visando à gradual reinserção social do apenado.
Enfim, no sistema de justiça penal brasileiro, duro e racista, espelhado no modelo americano que penaliza mais a população negra, encarcerada o mais das vezes por delitos vinculados a drogas, as prisões são verdadeiros aceleradores da miséria humana que mais brutalizam o ser humano e mais danifica a segurança pública do que a protege. E neste painel caótico, a população de presos idosos é a que mais sofre, situação que, à primeira vista, parece impossível de se consertar.
Mas, como se demonstrou, há soluções possíveis e lentamente aplicadas em países civilizados que transformam alas das prisões em casas de repouso para pessoas idosas e em hospícios para os moribundos. Nos presídios brasileiros, infelizmente, para um número crescente de presos idosos, a única saída é continuar enterrados vivos, apodrecendo no cárcere. E não se pode evitar perquirir que no futuro os presos sem socorro, idosos ou não, após a liberdade e não tendo aonde ir, voltem a reincidir apenas para não morrerem nas ruas, como ocorre no Japão. Por lá, aposentados pobres infringem a lei por não terem lugar para morar. [29]
E não precisa ser assim. Tanto que a pouco tempo a imprensa noticiou que a Suécia e a Holanda estão fechando as prisões por causa da escassez de detentos, estando por trás desse declínio um forte foco em reabilitação sobre punição e sentenças mais curtas. [30] Na Finlândia que tinha uma das maiores taxas de prisão na Europa, pesquisadores começaram a investigar o quanto a punição realmente ajuda a reduzir o crime. A partir dos resultados, a Finlândia reconstruiu sua política penal, concentrando-se no que muitos chamam de “descarceração”. No final, a taxa de encarceramento caiu em dois terços, e a reincidência caiu quase 20%. Os infratores finlandeses cumprem suas sentenças em prisões abertas, onde são gradualmente reintroduzidas na vida normal. As prisões finlandesas estão realmente abertas. Não há portões, fechaduras ou uniformes. Os presos fazem suas compras na cidade e recebem três dias de férias a cada dois meses, sendo ainda subsidiados para estudar em faculdades locais e, às vezes, fazem viagens supervisionadas de camping e pesca. [31]
Se não ocorrer com todos os presos, seria interessante saber como essas iniciativas poderiam funcionar aqui em relação aos presos idosos. Mas não se estar nem perto de ouvir no parlamento discussões a esse respeito. Enquanto isso, os presos idosos continuam sendo enterrados vivos nas masmorras medievais, embora todos saibam que a prisão não recupera ninguém, porque o sistema de justiça criminal no país não funciona.
[1] O envelhecimento populacional é a transformação da estrutura etária que acontece em decorrência do aumento da proporção de idosos conjunto da população e a consequente diminuição da proporção de jovens. Ver em: Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/578424-ibge-pnad-continua-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-ano.... Acesso em: 01 dez. 2019.
[2] O índice de envelhecimento expressa a razão entre os componentes etários extremos da população, representados por pessoas de 60 e mais anos e jovens. de 11 de idade, para cada 100 pessoas menores de 15 anos de idade, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. Comumente, o cálculo deste indicador considera idosas as pessoas de 65 e mais anos. No entanto, para manter a coerência com os demais indicadores e para atender à política nacional do idoso (Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994), utiliza-se o parâmetro de 60 e mais anos.
[3] Em seu artigo 230 a Constituição Federal estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado o amparo às pessoas idosas. Ficou reservado ao legislador ordinário conceituar o termo “idoso” e implementar o regramento daquele amparo especial constitucionalmente assegurado. Desincumbiu-se dessa tarefa o legislador por intermédio da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), onde conceituou, em seu artigo 1º, o idoso como sendo as pessoas “com idade igual ou superior a 60 anos”
[4] IBGE. IBGE divulga as estimativas da população dos municípios para 2019. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/252.... Acesso em: 01 dez. 2019.
[5] Duncan, B. B., Chor, D., Aquino, E. M. L., Bensenor, I.M., Mill, J. G., & Schmidt, M. I. (2012). Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Rev Saúde Pública, 46 (1), 126-134.
[6] Bussche, H. V. D., Koller, D., Kolonko, T., Hansen, H., Wegscheider, K., & Glaeske, G. (2011). Which chronic diseases and disease combinations are specific to multimorbidity in the elderly? Results of a claims data based cross-sectional study in Germany. BMC Public Health, 11 (101), 1-9.
[7] ALVIM, Mariana. Idoso e preso: Lava Jato reacende debate sobre encarceramento de pessoas com idade avançada. Da BBC Brasil em São Paulo. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44049604. Acesso em: 01 dez. 2019.
[8] Juvenal foi preso 1968, suspeito de matar o irmão. Esquizofrênico, foi internado na unidade prisional destinada a presos diagnosticados com doenças psiquiátricas. Como nunca chegou a ser julgado, recebeu alvará de soltura em 1989, após ter a pena extinta pela Justiça, por causa da prescrição do crime. De acordo com a diretora do Instituto, Maria de Fátima Vale Barroso, na época não havia parentes nem pessoas próximas que pudessem recebê-lo. A internação, denominada de medida de segurança, de pessoas com doença mental que infringiram a Lei são aplicadas apenas sob decisões judiciais.
[9] Notícias Variedades. Assalto do Banco do Brasil: Após 31 anos, ainda é o mais longo do Brasil. Disponível em: http://tribunadaregiao.com.br/noticias/artigo/assalto-do-banco-do-brasil-apos-31-anos-aindaeo-mais.... Acesso em: 01 dez. 2019.
[10] Padre e freira como reféns. Disponível em: https://www.hnt.com.br/imprime.php?cid=90461&sid=131. Acesso em: 01 dez.2019.
[11] ENFIM, A LIBERDADE. Depois de passar 30 anos preso, João Acácio Pereira da Costa, acusado por 88 crimes, sai da cadeia. Bandido da Luz Vermelha será libertado. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff200823.htm. Acesso em: 01 dez. 2019.
[12] “O número de pessoas idosas na prisão também está crescendo rapidamente e as pessoas acima de 60 anos tem o maior crescimento percentual dentre todos os grupos de idade na prisão, apresentando crescimento de 149% em uma década.” Verem: ATKINSON, Lorraine. Old and inside: older people in prison. In: Working with Older People. Vol. 12, issue 3, September, 2008. p. 34-37.
[13] Por libertação compassiva entende-se o processo pelo qual os presos podem ser libertos com base em "circunstâncias particularmente extraordinárias ou convincentes que não poderiam razoavelmente ter sido previstas pelo tribunal no momento da sentença".
[14] CNJ: BNMP 2.0 revela o perfil da população carcerária brasileira. Disponível em: https://trf-2.jusbrasil.com.br/noticias/610579743/cnj-bnmp-2-0-revelaoperfil-da-populacao-carcerar.... Acesso em: 01 dez. 2019.
[15] A informação disponível refere-se a 543.267 registros que representam 90,21% do total de pessoas cadastradas no sistema. O número de presos idosos , correspondente a indivíduos com 60 anos ou mais é bem pequeno considerados os números estratosféricos de presos do pais que é o terceiro maior concentrador de presos do mundo,ficando atrás somente dos estados unidos e da Rússia.
[16] AZEVEDO, José Eduardo. Prisão e envelhecimento: o monstro algemado. Disponível em: http://www.portaldoenvelhecimento.com/pforum/vmm4.htm. Acesso em: 01 dez. 2019.
[17] HILL, Amelia. Prisons and probation. Prisons taking role of care homes and hospices as older population soars. Disponível em: https://www.theguardian.com/society/2017/jun/20/prisons-taking-role-of-care-homes-and-hospices-as-ol.... Acesso em: 01.12.2019.
[18] MARTINS, Luisa. ‘Presídios do pais são masmorras medievais”,diz ministro da Justiça. Estadão. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,presidios-brasileiros-são-masmorras-medievais--diz-mini... em: 01 dez. 2019.
[19] Lei e Ordem (ou Law & Order) foi a política criminal vigente nos Estados Unidos, nos anos 80 que endossa uma maior atuação policial de modo a restaurar a ordem nos grandes centros urbanos e diminuir a criminalidade.
[20] TARDIVO, Leila. Professora do Instituto de Psicologia da USP.
[21] JOÃO ACÁCIO PEREIRA DA COSTA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2019. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Ac%C3%A1cio_Pereira_da_Costa&oldid=56849168.... Acesso em: 01 dez. 2019.
[22] Convenção europeia dos direitos humanos (aberta para assinatura em 4 de novembro de 1950, entrou em vigor em 3 de setembro de 1953)
[23] RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994. Resolve fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil.
[24] Podem-se arrolar outros exemplos à vista dos artigos 61, II, h, CP; 121, § 4º., “in fine”, CP; 129, § 7º., CP; 133, § 3º., III, CP; 140, § 3º., CP; 141, IV, CP; 148, § 1º., I, “in fine” CP; 159, § 1º. “in fine”, CP; 183, III, CP; art. 207, § 2º., CP e 244, CP.
[25] O Código Penal, em seu art. 115 trata da redução do prazo prescricional e determina que “São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”. (Grifou-se)
[26] Por libertação compassiva entende-se o processo pelo qual os presos podem ser libertos com base em "circunstâncias particularmente extraordinárias ou convincentes que não poderiam razoavelmente ter sido previstas pelo tribunal no momento da sentença".
[27] Nearly 500 prisoners released in Oklahoma. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-50301202. Acesso em: 01 dez. 2019.
[28] Modelo de prisão sem armas e agentes enfrenta resistência em SC. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/noticias/modelo-de-prisão-sem-armaseagentes-enfrenta-resistencia-em-sc. Acesso em: 01 dez. 2019.
[29] Aposentados na cadeia: os idosos japoneses que se esforçam para serem presos. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-47086935. Acesso em: 01 dez. 2019.
[30] Why is Sweden closing its prisons? Disponível em: https://www.theguardian.com/society/2013/dec/01/why-sweden-closing-prisons. Acesso em: 01 dez. 2019.
[31] In Finland's 'open prisons,' inmates have the keys. Disponível em: https://www.pri.org/stories/2015-04-15/finlands-open-prisons-inmates-have-keys. Acesso em: 01 dez. 2019.