DÉCIMA TERCEIRA, A VARA DE UM MITÔMANO

Ao longo dos meses, discussões sobre impeachment da Presidente da República e os desdobramentos da Operação Lava Jato (OLJ) disputam espaço nos noticiários. Embora a imprensa os queira imbricados, para confundir, são assuntos independentes em gênese e resultados, mas como se sabe, o jornalismo conta da história apenas a parte que lhe interessa.

O impeachment a cargo do Congresso Nacional (CN) aprecia pela ótica política e jurídica se houve ou não crime de responsabilidade nas pedaladas fiscais. A OLJ é a uma investigação sobre corrupção conduzida pela justiça federal do Paraná que se iniciou com a investigação de uma rede de doleiros que atuavam em vários Estados e descobriu a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobrás, envolvendo políticos de vários partidos e as maiores empreiteiras do país.

Após diversas fases de operações espetacularizadas com repórteres em campo, antecedendo ou acompanhando agentes policiais, e coletivas de autoridades à imprensa, muitos juristas, compartilhando a insatisfação dos advogados das partes acusadas, consideram que o juiz macula o processo com exacerbação, protagonismo e voluntarismo, dando corpo a agressivo ativismo judicial, indo, uma instância de primeiro grau, além da competência conferida pela Constituição Federal.

As infrações alegadas grampo ilegal, longa investigação sem denúncia, decisões tomadas sem consulta ao Ministério Público Federal (MPF), presos sem acesso a advogados e banho de sol foram tantas que, depois da divulgação de conteúdo de grampos incluindo a Presidente da República, as iniciativas questionadas resultaram em representações ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Chegaram, até o Supremo Tribunal Federal (STF) onde perante a Corte, o juiz se desculpou, afirmando ter errado ao gerar polêmica quando decidiu tornar públicos grampos de conversas de ex-presidente.

O coroamento das infrações às normas processuais e à Lei Orgânica da Magistratura (Lomam) surge em extensa reportagem em que diversos documentos “apontam indícios da existência de uma prova ilegal no embrião da operação, manobras para manter a competência na Vara Federal de Curitiba e até pressão sobre prisioneiros”. A Operação Lava Jato, para alguns profissionais de Direito, já deveria ter sido retirada de Curitiba.

Induvidoso para os advogados e parlamentares que ingressaram com Reclamação Disciplinar no mínimo tais condutas estão desconectadas das regulamentações legais e regimentais usuais em outras varas e comarcas. Comenta-se, inclusive, a existência da Corte Moro, a exemplo da Corte de Warren, considerada um paradigma para a jurisdição constitucional americana.

Alguns periodistas chegam a taxar o juiz responsável pela OLJ de arbitrário e de flertar com o fascismo em quase todas suas decisões, como é o caso de Dais Sena Filho:

Moro é arbitrário e flerta com o fascismo em quase todas suas decisões. A condução coercitiva, traduzida no sequestro e na prisão do expresidente Lula por quatro horas no aeroporto de Congonhas é o maior exemplo de o quanto um juiz de primeira instância totalmente politizado e ideologizado e livre do controle dos órgãos que regulamentam e fiscalizam a Justiça pode chegar, ou seja, ao totalitarismo aplicado diretamente na veia da sociedade.[1]

A arbitrariedade e o flerte observados encontram parâmetro em Processo Penal do Espetáculo, artigo de Rubens Casara reproduzido em parte no “O direto penal e o processo penal no estado de direito: análise de casos”, de Juarez Tavares e Geraldo Prado:

Com a desculpa de punir os “bandidos” que violaram a lei, os “mocinhos” também violam a lei, o que faz com que percam a superioridade ética que deveria distingui-los. Porém, o enredo que pauta o processo e é consumido pela sociedade, com o auxílio dos meios de comunicação de massa, não permite reflexões éticas ou miradas críticas. Tudo é simplório, acrítico e condicionado por uma tradição autoritária (o importante é a sedução exercida pelo poder penal e o reforço da ideologia dominante). Nesse quadro, delações premiadas (que, no fundo, não passam de acordos entre “mocinhos” e “bandidos”, em que um criminoso é purificado – sem qualquer reflexão crítica – e premiado com o aval do Estado), violações da cadeia de custódia (com a aceitação de provas obtidas de forma ilegítima, sem os cuidados exigidos pelo devido processo legal) e prisões desnecessárias (por vezes, utilizadas para obter confissões e outras declarações ao gosto do diretor) tornam-se aceitáveis na lógica do espetáculo, sempre em nome da luta do bem contra o mal. [2]

A imagem humana a transparecer no sentido dessas considerações, querem muitos, que se pareça ao exato perfil do juiz responsável pela OLJ. Nessa presunção, centenas de matérias jornalísticas remeteram os leitores para o ensaio Considerações sobre a Operação Mani Pulite, publicado por Sérgio Moro em 2004 que se diz seja a base da OLJ. [3]

Os periodistas suspeitam que desde a publicação, o autor tornara-se obsessivo em relação a aplicar no Brasil os procedimentos adotados na Operação Mãos Limpas.

Como é cediço que “do nada, nada vem” (ex nihilo, nihil fit) é de se indagar: seria então o juiz Antonio di Pietro e a Operação Mani Pulite (versado para o vernáculo, tem-se Operações Mãos Limpas) as inspirações do juiz responsável pela OLJ? [4]

Não há de se negar o fato de ser o juiz nacional aficionado pela histórica investigação italiana, tanto assim, que, indagado sobre se a Operação Lava Jato espelhava-se na similar italiana, respondera enigmaticamente: “É apenas o começo”.

Comenta-se, que ele não se desgruda de livro que conta a história da Operação Mãos Limpas, cuja edição brasileira será disponibilizada a partir de junho.

Resenhistas comentam que no artigo sobre o caso italiano, o juiz responsável pela OLJ exalta os chamados pretori d’assalto, ou “juízes de ataque”, geração de magistrados dos anos 1970 na Itália que ganharam espécie e legitimidade ao usar a lei para “reduzir a injustiça social”, tomar “posturas antigovernamentais” e muitas vezes agir “em substituição a um poder político impotente”. E a imprensa local e nacional reputam à Operação Mani Pulite a inspiração do juiz paranaense:

A inspiração de Moro por suas ações durante a Operação Lava Jato é clara. Ele é motivado pelos juízes italianos responsáveis pela Operação Mãos Limpas, uma investigação nacional na Itália sobre as relações entre funcionários públicos e a máfia que foi realizado no início de 1990. Segundo alguns relatos, até 6.000 pessoas ficaram sob suspeita, e mais de 3.000 mandados de prisão foram emitidos. Em certo momento, mais da metade do Parlamento italiano foi indiciado. Mas o vazio deixado pela remoção de tantas figuras políticas resultou na ascensão de Silvio Berlusconi - e agora sabemos que não restou um estado livre de corrupção.

Desde David Hume, discute-se a melhor maneira de identificar a energia, a motivação, aquilo que provoca reação em certo objeto que no caso presente poderia ser uma pessoa. A causa da Operação Lava Jato, ou o arquétipo normativo da Operação Lava Jato poderia residir no paper Considerações sobre a operação Mani Pulite, de 2004. Em sete páginas, toda a operação italiana é analisada pelo autor de forma esquematizada, a se ter como verdadeiro manual de montagem de uma operação similar no Brasil. A Operação Mani Pulite serviu de roteiro para a estratégia montado para a OLJ. “Neste artigo, Moro defende o uso intensivo de prisões, confissões e publicidade como instrumentos para obter êxito em operações deste tipo. Para o magistrado, o largo uso da imprensa feita pelos seus operadores teria contribuído para a deslegitimação do sistema político e para a formação da imagem positiva dos juízes na Itália.” [5]

A energia que atuara sobre o juiz responsável pela OLJ, poderia, também, ser encontrada noutro artigo, este escrito em 2001, intitulado A Corte Exemplar: Considerações sobre a Corte de Warren. Nele, o autor que e Sérgio Moro cita expressões tais pretori d’assalto, ou juízes de ataque, “reduzir a injustiça social”, tomar “posturas antigovernamentais” e muitas vezes agir “em substituição a um poder político impotente”.

De acordo com matéria publicada no The Washington Post, o juiz confirma ter aprendido a investigar casos de corrupção com a Operação Mani Pulite. Sua abordagem também pode ter sofrido as influências do processo legal dos Estados Unidos, onde frequentou programa especial na Escola de Direito de Harvard e treinamento destinado a potenciais líderes patrocinados pelo Departamento de Estado dos EUA.[6]

Não é segredo para ninguém não ser jornalismo profissão liberal. Os profissionais que seguem esta carreira são invariavelmente adeptos à filosofia da empresa para a qual trabalham. A verdade muitas vezes é deixada de lado para se afogar em marés de ideologias e de opiniões pessoais. Sem conhecimento técnico suficiente, alguns jornalistas não retratam acontecimentos nem personalidades sem fugir às idiossincrasias dos editores dos meios de comunicação. Aqui no Brasil os veículos de comunicação situados à direita do espectro político enaltecem Moro. A demonização personagem ocorre nas impressões que tem dele articulistas progressivos, simpatizantes da ponta esquerda do espectro.

Não sendo jornais blogs e revistas fontes confiáveis, outros documentos foram objetos de pesquisa, além das sentenças do magistrado e os recursos judiciais e entrevistas à imprensa de advogados dos réus e doutrinadores.

Então, a descoberta de uma possível Corte Moro, Corte de Exceção, se é que houve ou há em Curitiba, seria perquirida nas posições doutrinárias assumidas pelo juiz responsável pela OLJ em obras assinadas por ele. Afinal, as convicções mais íntimas saltam das entrelinhas do que se escreve.

O juiz responsável pela OLJ tornou-se uma das principais figuras públicas no Brasil e muitos o consideram herói popular. Outros, o acusam de partidarismo. Assim, as reportagens não seriam as ferramentas adequadas para traçar o perfil do magistrado.[7]

Desta forma, para que não se falseie sua realidade biobibliográfica, tomaram-se quanto possível informações coletadas da Plataforma Lattes.[8] Em texto informado pelo próprio autor, consta:

Sergio Fernando Moro, Juiz Federal da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, especializada em crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e praticados por grupos criminosos organizados. Atuou, como juiz em diversos processos criminais complexos, envolvendo crimes financeiros, contra a Administração Pública, de tráfico de drogas, e de lavagem de dinheiro. Trabalhou como Juiz instrutor no Supremo Tribunal Federal durante o ano de 2012. O autor cursou o Program of Instruction for Lawyers na Harvard Law School em julho de 1998 e possui título de mestre e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Escreveu livros e artigos especializados na área jurídica. Participou do International Visitors Program organizado em 2007 pelo Departamento de Estado norte-americano com visitas a agências e instituições dos EUA encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro. É Professor Adjunto de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Paraná - UFPR.

Verificando-se no site do Departamento de Estado americano tem-se que:

O The International Visitor Leadership Program (IVLP) é um programa de intercâmbio profissional desenvolvido pelo Departamento de Estado Americano. Através de visitas de curto prazo, líderes estrangeiros atuais e emergentes especializados em vários campos de conhecimento são convidados a experimentar em primeira mão a cultura americana e cultivar relacionamentos permanentes com seus colegas estadunidenses em encontros profissionais que reflitam interesses comuns dos participantes e apoio aos objetivos da política externa dos Estados Unidos.[9] (Tradução livre)

Complementando as impressões sobre Sergio Moro, [10] recolheram-se outros dados disponibilizados na plataforma digital, idealizada por um grupo de jornalistas e publicitários que passaram a traduzir o Brasil para estrangeiros, a Plus55 (http://plus55.com/):

É doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, e também participou Harvard Law School, onde ele seguiu o Programa de Instrução para Advogados. Desde que se tornou um juiz em 1996, Moro tem se especializado em investigações de lavagem de dinheiro. Nove anos mais tarde, ele participou de Programa de Liderança do Departamento de Estado os EUA Internacional de Visitantes, onde visitou agências americanas responsáveis pela prevenção e combate à lavagem de dinheiro. Considerado o melhor mente brasileira sobre o assunto, Moro em seguida, escreveu um livro que agora serve como um guia para juízes da Suprema Corte que lidam com esses tipos de casos. (Tradução livre)

Neste trecho além da confirmação da participação em seminários americanos, destaca-se a informação de ser autor de livro-guia para os ministros do STF analisarem os crimes de lavagem de dinheiro durante a Ação Penal 470. Na verdade serviu como juiz instrutor no Supremo Tribunal Federal durante o ano de 2012 tendo assessorado diretamente a Ministra Rosa Weber. O assunto gerou contencioso judicial com desenlace no TRF 4ª. [11]

A admiração do STF a Sergio Moro durara pouco. Mal passara um ano, o Tribunal parece ter encontrado autores de obras de maior tamanho a quem deveria ter recorrido e passou a enfrentar o juiz como elementos de escola inimiga. Tanto é que Gilmar Mendes teceu ácidas críticas a Sérgio Moro, chegando a dizer que o "Estado e seus agentes atuam como bandidos fossem". Para o magistrado, os juízes não podiam abusar das prisões cautelares, nem tergirversar com a liberdade dos cidadãos.[12]

Fechado o parêntese histórico, retorne-se à Plataforma Lattes de onde se pesquisou a fecundidade monográfica e doutrinária de Sérgio Moro.[13] Nem todos os títulos serão aqui referenciados,mas à guisa de apresentação, algumas explicações serão dadas a respeito do que interessar a este artigo.

Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais, publicado por M. Limonad no ano de 2001 é uma delas. Como a leitura não foi feita, reproduz-se sinopses recolhidas na rede mundial de computadores. Sobre Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais tem-se:

No presente livro procura-se superar o bloqueio através de enfoque diverso do problema da aplicabilidade das normas constitucionais. Tratado do ponto de vista judicial, ou seja, sem embargo dos progressos que poderiam advir de propostas legislativas, buscam-se respostas "hic et nunc" para o bloqueio, que sejam viáveis diante do quadro constitucional e legal hoje existente”.[14]

O livro Jurisdição constitucional como democracia é de 2004 tendo sido publicado no ano de 2004. As idéias ali delineadas serviram como ponto de partida para a obtenção do título de doutor em Direito pela UFPR, em 2002, com orientação de Marçal Justen Filho.

Na tese, o juiz federal se revela “perturbado por preocupações relativas a como deveria proceder, especialmente no que se refere aos limites do agir judicial”. Para ele, entre os princípios da democracia encontra-se o de que nenhuma política pública ou instituição deve ser considerada imune à contestação. Tem agido fiel a essa convicção.

Transformada em livro a tese monográfica traz capítulos acerca da A experiência constitucional norte-americana, Origens do controle judicial de constitucionalidade, O caso Dred Scott, A Era Lochner e A Corte Warren, entre outros. Em sinopse, consta:

Jurisdição constitucional significa atribuir a autoridades não eleitas o poder de controle sobre as políticas públicas formuladas por autoridades eleitas. A história revela que sua instituição pode ser contrária à democracia, mas também pode contribuir para o seu aprofundamento, dependendo da forma como atua.

A presente obra tem como um de seus objetivos sugerir ao juiz constitucional, como guardião da democracia e dos direitos fundamentais, posturas para sua atuação, a partir de uma abordagem interdisciplinar, com incursões históricas, políticas e institucionais.

O autor defende um Judiciário comprometido com a democracia, o que exige alternância de postura de autocontenção e de ativismo, argumentando que a jurisdição constitucional pode ser com ela compatível na medida em que contribuir para o seu aprimoramento.[15]

Em Legislação Suspeita?: afastamento da presunção de constitucionalidade da lei, destaca-se que

O juiz, no exercício do controle de constitucionalidade, deve agir com cautela, a fim de não invalidar decisões políticas tomadas pelo Congresso, no processo democrático. Em alguns casos, porém, é possível justificar a submissão dos atos legislativos a um exame judicial mais rigoroso, à semelhança do que faz a Suprema Corte norte-americana desde a nota aposta ao caso 'Carolene Products Co. v. USA', de 1938. Isso significa adotar, em casos especiais, uma posição contrária à presunção de constitucionalidade da lei, exigindo-se a demonstração da compatibilidade da lei com a Constituição. Neste livro, o autor tem como objetivo examinar os motivos dessa prática norte-americana e defender, com as devidas adaptações, a sua aplicação pelos tribunais brasileiros, como mais um instrumento de defesa da cidadania [16]

Em Crime de lavagem de dinheiro, de 2010, publicado pela Editora Saraiva, o autor trata o crime de lavagem de dinheiro de modo profundo, esclarecendo as particularidades deste delito com equilíbrio entre as abordagens práticas e teóricas, sem abdicar da carga crítica requerida pelo tema.

Como afirmado, os livros não foram lidos e suas resenhas foram obtidas nos sites de divulgação, transcritos ipsis literis sem julgamento de valor. O que realmente interessa a este texto é o artigo A Corte Exemplar: Considerações sobre a Corte de Warren, publicado no ano de 2001, na Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 36, 2001, que a nosso ver é a gênese da atuação do juiz.

Em dezoito páginas, Moro faz um balanço da atuação de Earl Warren, o mais influente juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos no pós-guerra. O “propósito do artigo traçar breve panorama sobre a muito citada, mas pouco conhecida entre nós, Corte de Warren, suas decisões e suas técnicas de decisão, traçando, quando possível, um paralelo em relação à prática constitucional brasileira”.

Por dedicar bons parágrafos do texto a comentar episódio marcante na luta pelas liberdades civis e pela defesa dos direitos individuais, alguns podem achar que as idéias de Moro voltavam-se à defesa dos direitos humanos e se contradizia em manter presas algumas pessoas para delas obter confissões que muitos diriam sob tortura, no âmbito da Lava Jato. [17]

Nada mais falso. Sob a superfície de direitos humanos e constitucionalistas jazia o que foi classificado por ideia tentadora por Luis Roberto Barroso, ministro do STF a advertir quanto aos riscos democráticos que ela envolve.

Essa energia imensa, que atravessou continentes, foi gerada por uma ideia tentadora: a de que uma corte de justiça progressista pode promover a revolução humanista que o processo político majoritário não é capaz de fazer. As minorias reacionárias e as maiorias acomodadas são capazes de retardar indefinidamente o processo histórico. Nessas horas, é preciso que uma vanguarda intelectual, comprometida com o avanço civilizatório e a causa da humanidade, desobstrua o caminho e dê passagem ao progresso social.

Barroso, pontual e cirúrgico, expõe de onde Moro pretende municiar-se de forças para dar curso à Operação similar à Operação Mãos Limpas. A validação, a chancela autorizativa para a Operação Lava Jato, nos moldes até aqui conduzidos, será o referendo de uma Corte de Justiça progressista onde o judiciário antecipe os direitos diante da inércia de minorias reacionárias e as maiorias acomodadas. Mesmo que contrarie programas de governo.

E então, Mani Pulite pode até ser o livro de cabeceira de Moro, a orientá-lo no que concerne aos procedimentos. Entrementes, vem do confronto entre a Jurisdição Constitucional e a Democracia a fundamentação teórica da Operação Mãos Limpas.

O tema não é novo nem conta com consenso doutrinário desde que Hans Kelsen e Carl Shcmitt se engalfinharam academicamente em desvendar quem deveria ser o defensor da Constituição. Moro seguindo o pensamento de Grimm que se contrapõe às idéias de Smith aduz ser a democracia procedimentalista ou deliberativa falha na aplicação dos direitos, cabendo ao judiciário, na suposição de ser imparcial defender a Constituição mesmo contrariando os planos de governo. E o exemplo vem de países desenvolvidos como Reino Unido, Holanda e Suécia onde o controle é exercido por outros fatores como a mídia, a sociedade civil e os demais poderes.[18]

Moro defende em seu texto a sobressair da conduta que o judiciário imponha freios aos planos de governo mesmo sem ter a representatividade conferida pelo voto. Em síntese, aventa a concretização de direitos mediante decisões jurídicas mais politizadas,desde que “a atividade da jurisdição constitucional se justifique em vista do mau funcionamento da democracia e sirva de orientação para se eliminar obstáculos e favorecer o seu ótimo funcionamento.

É o que se extrai de:

Tal teoria forneceu base interessante para justificação da jurisdição constitucional frente à democracia. Os inimigos da jurisdição constitucional recorrem normalmente ao argumento de que é necessário resguardar a autonomia popular exercida pelos representantes eleitos do povo contra interferências excessivas de juízes que não foram elevados e nem podem ser destituídos de seus cargos através do voto. Sem embargos de todas as críticas que podem ser feitas a tal argumento, ele perde força quando a atividade da jurisdição constitucional é justificada em vista do mau funcionamento da democracia e orientada a eliminar obstáculos ao seu ótimo funcionamento.

Ao se referir acima que a guarda dos direitos fundamentais na Corte de Warren seria uma falácia pensar-se no caso Baker v. Carr, de 1962, quando a Corte reviu o precedente Colegrove v. Green, de 1949, admitindo que “não se podia confiar no processo democrático para reparar a violação da constituição, uma vez que esta também afetava o seu adequado funcionamento. O legislador, cuja permanência no cargo dependia da continuidade da má ordenação, não era confiável para repará-la, estando nessa hipótese a autoridade judicial em melhores condições para atuar com a imparcialidade necessária”.

Adiante ressalva que “É certo que o juiz constitucional não deve desconhecer seus limites. Quanto mais intensa a atividade da jurisdição constitucional, maiores serão os questionamentos acerca da legitimidade da interferência judicial em regime democrático.”

A Corte de Warren prova, todavia, que algum ativismo judicial pode mostrar-se benéfico, contribuindo não para o enfraquecimento da jurisdição constitucional e da democracia, mas para o seu próprio fortalecimento. É viável a defesa da jurisdição constitucional e de parte de suas decisões com base em argumentos que apelam para o próprio regime democrático. [19]

A convicção em sua tese alonga-se ao afirmar que “O que enfraquece em realidade a jurisdição constitucional, provocando questionamentos acerca de sua necessidade e legitimidade, é a recusa das Cortes no enfrentamento dos problemas constitucionais mais sérios.” E que a Corte ou qualquer corte deve exercitar as funções do ofício até o limite de suas responsabilidades”. Como afirmou Earl Warren quando de entrevista concedida antes de aposentadoria da Corte.

A história da Corte de Warren mostrou que seu chefe comportou-se segundo seu entendimento e inspirou Sergio Moro que em ato de oração “Roga-se para que o exemplo seja seguido.” E aqui há de se indagar: é possível alguém entender diferente seus próprios pensamentos?

Por paradoxal que seja, a respostas cabível à pergunta enigmática, diante dos acontecimentos da Corte Moro é afirmativa.

Veja-se. A busca do “bem” a identificar-se na Corte Moro com o combate à corrupção, alheia aos parâmetros legais, ao invés de servir à ampliação de conquistas sociais, como fez a Corte Warren, servirá à prática do mal, inclusive o mal radical como bem demonstrou a Alemanha nazista. O que vem sendo feito em combate à impunidade engajado à ”voz popular a exigir combate à corrupção” afasta direitos ou garantias fundamentais ao argumento de que era necessário.

A Corte Moro dá destaque à ideia de “malignidade do bem”, conceito atribuído por Rubens Casara aplicável a situações em que o mal é mascarado por uma ação voltada para o bem ao contrário da “benignidade do mal”.

Na Corte Warren, aplicava-se o voluntarismo dos juízes, contrariando as maiorias de ocasião, visando à aplicação das garantias civis o que se percebe nas decisões de Mapp v. Ohio, 1961 que impediu a utilização de provas obtidas de modo ilícito, e Gideon v. Wainright que estendeu às cortes estaduais a obrigatoriedade de prover advogado de defesa em processo criminal aos acusados que não tenham recursos para contratá-lo. Em Miranda v. Arizona (1966) decidiu que suspeitos devem ser informados do seu direito de se consultar com um advogado e do seu direito de não se auto-incriminar, podendo permanecer calado. [20]

Por seu turno, a arbitrária e autoritária Corte Moro, elegeu a benignidade do mal, como se fosse possível extrair bons frutos de árvore contaminada por veneno, consistente em esgarçar as fibras constitucionais a livrar de amarras legais o judiciário para agir contra a maioria no interesse da minoria, afastando os direitos civis.

O Estado social e democrático de direito, certamente, não compactuaria com essa linha inconstitucionalissimamente ilegal o que ficou manifesto na posição do STF: a Constituição dá limites rígidos ao exercício do poder judiciário e demais poderes, conforme o princípio da legalidade estrita.

A Corte Warren construiu contra a opinião majoritária da sociedade, o capítulo mais rico e belo da Suprema Corte dos Estados Unidos com a reafirmação da primazia dos valores perenes da Constituição. A Corte era uma instituição desviante na democracia escravocrata norte-americana, obviando algumas vezes os conflitos, denotando a suposta contradição entre as decisões de juízes nomeados que iam de encontro a leis aprovadas por autoridades eleitas ou ao que pensavam as maiorias .

Com a prática sucessiva de infrações processuais configurando inaceitável intervenção de um poder da república noutro, a Corte Moro não é unanimidade entre juristas, doutrinadores e muito menos no STF que, ao menos, até aqui, em duas ocasiões alterou as decisões dela originárias por ter desrespeitado a prerrogativa de foro de alguns dos investigados e praticado ilícitos no caso em que uma interceptação telefônica flagrou conversas da Presidente.

O STF reduziu a Corte Moro à sua exata dimensão: 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná da Justiça Federal sob jurisdição de um juiz federal. 20 Ali as investigações da Operação Lava Jato devem prosseguir, por óbvio, em conformidade com a ordem constitucional, ficando assegurado aos acusados o devido processo legal, com o amplo direito de defesa, com os recursos pertinentes.

A admiração dos idos de 2010 esvai-se a cada afronta ao texto constitucional, já tendo concluído o STF que Sérgio Moro de há muito ultrapassou as fronteiras da justiça.

Ao julgar favoravelmente o pedido de reclamação 23.457, Teori escolheu palavras duras e formulou argumentos claros, que merecem uma reflexão mais demorada. Empregando uma expressão que não deixa margem a dúvidas, o ministro disse que Sérgio Moro era “reconhecidamente incompetente” para determinar a divulgação de grampos telefônicos em que estavam envolvidas autoridades com direito a foro privilegiado, “inclusive a própria presidente da República.”

Também acrescentou que a decisão do juiz comprometeu “direitos fundamentais” assegurados pela Constituição, afirmação de gravidade incomum, ainda que nem todos prestem atenção a esses valores nos dias que correm. [21]

Nos Estados Unidos, a Corte Warren, também, não foi unanimidade. Os críticos sustentavam que, por distorcerem os significados da Constituição, ela caracterizava-se por ser imperialista, política, liberal e por demais ativista, impondo os valores morais dos magistrados, bem como a agenda político- judicial do tribunal, acima da Constituição. O mesmo que por aqui, anos depois, se pensa da Vara Moro.

Finalmente, a ideologia emula a realidade, e neste tom, pode ser que o responsável pela OLJ, apesar da intelectualidade sobremaneira reconhecida, não se esforçou bastante para aferir os resultados políticos, sociais e econômicos da Operação Mão Limpas. Superado o espetáculo da mídia que foi seu eixo central, a população percebeu estupefata o abissal vácuo de poder surgido da corrosão da credibilidade dos partidos políticos tradicionais, franqueando o ingresso na política de oportunistas muito piores do que os tradicionais políticos.

A mistura da Corte Di Pieto com a Corte Warren deu à Vara Moro feições, senão de Frankenstein jurídico, o aspecto de uma grande jabuticaba jurídica, sem caroço e pouco palatável. O mitômano, o messiânico juiz da 13ª vara federal criminal de Curitiba, notório à frente das investigações da Operação Lava-Jato, que aprendeu com o FBI e prestou assessoria ao STF, percebe pelos escritos que tenha encontrado semelhanças entre os magistrados da Corte Warren e a geração dos chamados pretori d’assalto, exaltados em seu artigo de 2004.

Ele próprio, iluminado pela luz dos juízes de assalto que ganharam destaque e legitimidade ao usar a toga contra a lei, quiçá sonhe ou sonhava encarnar o paladino da justiça capaz de “reduzir a injustiça social”, tomar “posturas antigovernamentais” e agir

“em substituição a um poder político impotente”.

O pretor d’assalto Antônio Di Pietro, acusado de intervenção na vida política do país, interferência no resultado de eleições e pela queda de um Primeiro-Ministro, bem como de perseguir líderes políticos de esquerda, respondeu a centenas de procedimentos judiciários contra atos injustificáveis à frente da operação em que tanto sujou as mãos. No Brasil alguns juristas iniciaram reação junto aos Tribunais Superiores e órgãos de classe com apresentação de noticia-crime ao TRF ou Reclamações Disciplinares junto ao CNJ.

Os fatos vistos até aqui remetem à existência da Corte Moro de brevíssimo destaque, a ruir e reduzir-se, a custa dos arranhados à Constituição, a simples Vara que alguém bate contra as pernas ao constatar que a pessoa que entende diferente seus próprios pensamentos é ela própria.

O tempo, agente mediato, ou o STF, imediato, há de decidir se a Vara é de galho de marmelo ou frágil cipó-de-amarrar-caranguejo.

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] DAVIS SENA FILHO Davis Sena Filho é editor do blog Palavra Livre . Disponivel em: http://www.brasil247.com/pt/colunistas/davissena/223765/Moro-continua-o-golpe-e-a-atacar-Lula-mas-alista-de-tucanos-da-Odebrecht-não-vem-ao-caso.htm. Acesso em: 04. Abr. 2016.

[2] CASARA, Rubens. Processo Penal do Espetáculo.Disponível em: < http://justificando.com/2015/02/14/processo-penal-espetaculo/> Acesso em: 04 abr. 2016.

[3] Em 2004, Sergio Moro assinou o artigo "Considerações sobre a operação mani puliti", a operação "mãos limpas". O texto é um relato sobre a operação que inspirou a Lava Jato, escrito num estilo simples e pouco inspirado, mas suficiente. A leitura permite entender a ordem da operação Lava Jato, bem como verificar que os vazamentos são propositais. Destaco um trecho: "Os responsáveis pela operação mani pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: Para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes. http://wrevolta.blogspot.com.br/2016/04/moro-e-odesign-inteligente-da-justica.html

[4] Moro’s inspiration for his actions during Operation Car Wash are clear. He is motivated by the Italian judges responsible for Operation Clean Hands, a nationwide investigation in Italy on the links between public officials and the mafia that was conducted in the early 1990s. By some accounts, as many as 6,000 individuals came under suspicion, and over 3,000 arrest warrants were issued. At one point, more than half of the Italian Parliament was under indictment. But the void left by the removal of so many political figures resulted in the rise of Silvio Berlusconi – and we now know that didn't translate into a corruptionfree state

[5] Disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/advogados-gauchos-denunciam-moro-porprevaricacao-abuso-de-poder-violacao-de-sigilo-funcional-e-grampo-ilegal.html. Acesso em: 09 abr.

[6] Disponível em: https://www.washingtonpost.com/world/the_americas/brazils-new-hero-is-a-nerdyjudge-who-is-tough-on-official-corruption/2015/12/23/54287604-7bf1-11e5-bfb665300a5ff562_story.html. Acesso em: 09 abr. 2016.

[7] Material interessante sobre Sérgio Moro pode ser acessado em: Retrato do juiz Sérgio Moro quando jovem. Por Renan Antunes de Oliveira. Disponível em: < http://www.diariodocentrodomundo.com.br/retrato-do-juiz-sergio-moro-quando-jovem-por-renanantunes-de-oliveira/. Acesso em: 09 abr. 2016.

[8] De acordo com o Wikipedia: “A Plataforma Lattes é uma plataforma virtual criada e mantida pelo CNPq, pela qual integra as bases de dados de currículos, grupos de pesquisa e instituições, em um único sistema de informações, das áreas de Ciência e Tecnologia, atuando no Brasil. Foi criada para facilitar as ações de planejamento, gestão e operacionalização do fomento à pesquisa, tanto do CNPq quanto de outras agências de fomento à pesquisa, tanto federais quanto estaduais, e de instituições de ensino e pesquisa”.

[9] Disponível em: < http://eca.state.gov/ivlp>. Aceso em: 09 abr. 2016.

[10] Sérgio Fernando Moro é filho de Dalton Áureo Moro e Odete Starke Moro. Graduou-se em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, em 1995, tornando-se juiz federal no ano seguinte (?). É mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, onde ocupa a carteira como docente de Direito Processual Penal.

[11] MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5030076-02.2012.404.7000/PR. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/indeferimento-liminar-sergio-moro.pdf>. Acesso em: 09 abr. [12] 2016; AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5011215-16.2012.404.0000/PR. Disponível em: < http://s.conjur.com.br/dl/trfsergio-moro.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2016.

[13] HC 95518 / PR.

[14] Entre os artigos completos publicados em periódicos tem-se, A autonomia do crime de lavagem e prova indiciária. Revista CEJ (Brasília), v. 41, p. 11-14, 2008. Colheita compulsória de material biológico para exame genético em casos criminais. Revista dos Tribunais (São Paulo. Impresso), v. 853, p. 429-441, 2006. Considerações sobre a Operação Mani Pulite. Revista CEJ (Brasília), v. 26, p. 56-62, 2004.

[15] Competência da Justiça Federal em Direito Ambiental. Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 31, p. 157-166, 2003. Por uma revisão da teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 37, p. 101-108, 2001. Livros publicados/organizados ou edições, Crime de lavagem de dinheiro. 1ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Jurisdição constitucional como democracia. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. Legislação suspeita? Afastamento da presunção de constitucionalidade da lei. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2003. Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais. 1. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. Outras produções bibliográficas O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. (Tradução/Artigo). 14 Distribuidora de livros Itagyba. Disponível em: http://www.livrariaitagyba.com.br/livrodesenvolvimento-e-efetivacao-judicial-das-normas-constitucionais-9788586300790,mo6085.html. Acesso em: 09 abr. 2016.

[16] Thomson Reuters. Revista dos tribunais. Disponível em:< http://rt.com.br/?sub=produto.detalhe&id=6565>. Acesso em: 09 abr. 2016.

[17] SARAIVA. Disponível em: http://www.saraiva.com.br/legislacao-suspeita-2-edicao-165099.html. Acesso em: 09abr.2016.

[18] LEITE, Paulo Moreira. PML: artigo de Moro dá razão a Vaccari. Disponível em: <http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2015/06/16/pml-artigo-de-moro-da-razao-a-vaccari>. Acesso em: 09 abr. 2016.

[19] Jurisdição Constitucional e Democracia. Disponível em: http://jurisdicaoconstitucional.blogspot.com.br/2009/04/jurisdicao-constitucional-e-democracia.html. Acesso em: 09 abr. 2016.

[20] BARROSO, Luis Roberto. A americanização do direito constitucional e seus paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo. Disponível em: http://www.jfpr.jus.br. cesso em: 20 abr. 2016.

[21] Teori diz que Sergio Moro é "reconhecidamente incompetente". Disponível em: http://www.netcina.com.br/2016/03/teori-diz-que-sergio-moro-e-reconhecidamenteincompetente.html/feed". Acesso em: 09 abr. 2016.