A CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO PAÍS QUE NÃO APRENDE PRENDER

Os dados do levantamento nacional de informações penitenciárias referentes à população carcerária do Brasil divulgados pelo Infopen cotejados com informações do Centro Internacional para Estudos Prisionais1 sobre os índices de outros países apontam o Brasil ocupa a quarta posição entre os dez países com maior população carcerária do mundo. O México, a sétima e os Estados Unidos destacam-se no top do ranking.2

Os dados revelam ainda que em números absolutos, o Brasil superou a marca de 600.000 presos, atrás apenas da Rússia, China e Estados Unidos3. Quando se compara o número de presos com o total da população, o Brasil também está em quarto lugar, atrás da Tailândia (3º), Rússia (2º) e Estados Unidos (1º). No decênio entre 2004 e 2014, a população carcerária brasileira aumentou 80% em números absolutos, saindo de pouco mais de trezentos e trinta mil presos para mais de seiscentos mil. O Brasil tinha aproximadamente trezentos presos para cada grupo de cem mil habitantes e tomando-se o índice da taxa de encarceramento o crescimento do número de presos por grupo de cem mil habitantes, entre 2004 e 2014, aumentou 61,8%. 4

O marco inicial do surto de superpopulação carcerária surgiu com nitidez, nos anos 90, com a ascensão da ideologia da Tolerância Zero, movimento conservador utilizado no enfrentamento da criminalidade em Nova York, durante o mandato do prefeito Rudolph Giuliani. 5

Segundo a teoria a reconquista do espaço público e a disseminação da sensação de insegurança passaria pela adoção de respostas rápidas e eficazes para banir a criminalidade a partir da intolerância aos pequenos delitos dos quais derivavam os demais modos da criminalidade.6 Este movimento, que ao lado do Direito Penal do Inimigo e do Movimento de Lei e Ordem foi uma das maneiras utilizadas para incrementar a punição está baseado no Darwinismo Social,7 teoria que prega a ideia de que os indivíduos que não se encaixarem na sociedade de consumo são os responsáveis pela própria desgraça e que o estado deles não deve cuidar, apenas como móveis sem uso abandoná-los em depósitos entregues à própria indigência.

A guerra contra as drogas constituiu o slogan da política criminal neoconservadora que equiparou o consumidor ao traficante, taxando todos de criminosos. Em 1986, os Estados Unidos aprovaram uma lei que aumentou em 100% as condenações por posse de crack. A posse de cinco gramas de crack já significava cinco anos de cadeia. Em 1980, cinco mil pessoas estavam presas por posse de drogas. Em 2009 já passavam de cem mil por esse motivo. No total, os EUA contam hoje com mais de 2 milhões e 200 mil presos.8

No Brasil que adota as diretrizes da política criminal americana as prisões por tráfico de drogas tornaram-se comum e atualmente 27% das pessoas presas respondem por tráfico de substâncias entorpecentes, seguindo-se o crime de roubo. A curiosidade revelada pelo estudo está em que “o alvo da criminalização é muito claro: jovens entre dezoito e vinte e nove anos, negros, com escolaridade até o primeiro grau e sem antecedentes criminais” 9 e que a incidência do tráfico de drogas é diferente entre homens e mulheres. Entre os homens, 25% dos homens foram presos por tráfico, enquanto entre as mulheres, o percentual sobe para 63%.

Engajado na revisão da política criminal, o presidente Barack Obama “baseado” no bom senso, parece querer o fim da guerra às drogas. Em agosto de 2010, cerca de doze mil presos foram liberados, em razão de leis mais brandas. Em 2012, a Casa Branca apresentou um Plano Nacional de Drogas que, pela primeira vez, priorizou o tratamento e a prevenção e jogou para segundo plano a prisão e a condenação dos consumidores de drogas. A mudança radical proporcionará à receita americana economia de bilhões de dólares que passarão a ser gastos com a recuperação dos drogados, que passarão a não mais serem vistos como criminosos.10

Para americanos e mexicanos, a dosagem do medicamento vem parecendo forte demais provocando como efeitos colaterais o aumento da violência, da criminalidade e o previsível inchaço na população carcerária. Ao contrário desses países que reconhecem a ineficácia da política criminal baseada na tolerância zero e marcada pela agenda midiática, o Brasil insiste na produção e aplicação destas leis, por imposição da ala conservadora de doutrinadores, juristas e tribunais.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos se prepara para libertar cerca de seis detentos de presídios federais como parte de uma medida para reduzir a superlotação e as penas elevadas dadas a traficantes de drogas entre 1980 e 2000. 11 Com a medida o governo pretende conceder liberdade a um número elevado de presos que serão encaminhados para o regime semiaberto.

Para além do muro fronteiriço que separa os Estados Unidos do México, e impede a imigração ilegal e o tráfico de drogas, o México, país que convive desde a muitos anos com alarmantes índices de traficância e consumo de drogas, passará a utilizar a não violência produzida por parte do Estado como forma de combater a violência e a criminalidade.

Apoia-se a iniciativa, na percepção de que não se pode pensar em soluções para a violência e criminalidade com forças policiais mal preparadas, mal remuneradas e administradas por cúpulas infestada por autoridades corruptas. Não se descreve aqui situação peculiar ao México. Descreve-se a realidade brasileira que muito se assemelha à mexicana.

A partir de 2016, pelas inovações introduzidas no novo sistema de justiça penal adotado pelo México, os suspeitos por crimes de homicídio, roubo ou furto simples responderão ao processo em liberdade, sem se submeterem à prática abusiva das prisões cautelares.

Estudo realizado pelo Instituto de Processo Penal, no México revela que 42% da população carcerária são pessoas presas arbitrariamente.12 Este número é bem próximo do que reflete a situação das prisões cautelares brasileiras. Aqui, onde a prisão de acordo com a Constituição Federal deverá ser exceção e na prática é a regra, 41% do total de pessoas privadas de liberdade estão presas em situação cautelar aguardando julgamento. 13 Nesse sentido, grupo de trabalho enviado pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2013 para verificar a situação das prisões arbitrárias no Brasil, detectou que de uma população penitenciaria de aproximadamente mais de meio milhão de pessoas, uma das maiores do mundo, duzentos e dezessete mil estavam presas preventivamente aguardando julgamento. 14

Dois países de situações socioeconômicas e criminais similares e de soluções tão dispares. O novo sistema penal mexicano propõe-se a eliminar as práticas prejudiciais que comprometem o sistema jurídico penal, garantindo aos presos o devido processo legal, o acesso à justiça, a proteção às vítimas, a presunção de inocência e as reparações por prisões arbitrárias. Os crimes a serem apreciados sob a norma estatuída na nova lei são todos os de menor potencial ofensivo como as contravenções, incluindo-se mais o furto e roubo simples, homicídio culposo, ameaças, discriminação, abandono pessoas, lesões corporais, furto, danos à propriedade, aborto, entre outros. São mais de mais de quatrocentos e vinte infrações não consideradas graves que poderão ser punidas de acordo com os critérios da legislação mais benevolente. 15

Não se pense que o novo sistema penal mexicano venha unicamente em benefício do estado com a redução da lotação carcerária, nem para proteger corruptos e organizações criminosas. O novo sistema de justiça ignora tanto os crimes praticados por integrantes de organizações criminosas quanto os crimes de colarinho branco. Tais condutas permanecerão julgadas pelas normas do antigo sistema processual-penal.

Do lado de cá da linha do Equador, mesmo que o percurso de criminalização do tráfico e do consumo de drogas não tenha produzido qualquer resultado positivo, tendo pelo contrário, elevado a taxa de superlotação de presídios brasileiros, a exorbitância dos números não faz a cabeça das autoridades. Mesmo que se saiba estar o aumento da taxa de encarceramento no Brasil indo na contramão da tendência dos países que possuem as maiores populações carcerárias do mundo. A taxa brasileira aumentou 33% entre 2008 e 2013, a dos Estados Unidos caiu 8%, a da China caiu 9% e a da Rússia, 24%. Ao invés de defenderem também a reestruturação da pena de prisão, no sentido de minimizar o efeito negativo do cárcere, os brasileiros lutam pela maximização do tempo da pena privativa de liberdade.

Oxalá que os formadores de opinião e os legisladores brasileiros, em 2016, fumem o “baseado” norte americano e que a fumaça siga em direção ao Brasil que pelo menos nesse ponto poderia adotar o slogan tão prejudicial no campo econômico e social “o que é bom para os Estados Unidos é para o Brasil”.

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS

1 Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:wY4Iq_de-CQJ:www.ufjf.br/ladem/2015/06/24/brasil-tem-4a-maior-populacao-carceraria-do-mundo-diz-estudo-do-ministerio-da-justica/+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 31 dez. 2015.

2 Disponível em: http://www.ufjf.br/ladem/2015/06/24/brasil-tem-4a-maior-populacao-carceraria-do-mundo-diz-estudo-do-ministerio-da-justica/. Acesso em: 31 dez. 2015.

3 CORREIO BRASILIENSE. DF tem uma das piores taxas de encarceramento do país, diz estudo

O país tem 375.892 vagas no sistema prisional, no entanto, há 607.700 presos. Em números absolutos, o Brasil alcançou a marca de 607.700 presos, atrás apenas da Rússia (673.800), China (1,6 milhão) e Estados Unidos (2,2 milhões). http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2015/06/23/internas_polbraeco,487650/brasil-tem-a-quarta-maior-populacao-carceraria-do-mundo-diz-estudo.shtml

4 Ministério da Justiça. Dados do Infopen.

5 WENDEL, Travis; CURT, Ric. TOLERÂNCIA ZERO – A MÁ INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS. Horizontes Antropológicos. , Porto Alegre, ano 8, n. 18, p. 267-278, dezembro de 2002.

6 WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

7 O darwinismo social na concepção de Célia Maria Marinho de Azevedo ingressou simultaneamente nas sociedades brasileira e americana através da difusão das ideias de Herbert Spencer, o qual sistematizou as implicações do evolucionismo de Charles Darwin para além da biologia. AZEVEDO. Célia Maria Marinho de. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo> Annablume, 2003.

12 GOMES, Luiz Flávio. Drogas: eua perderam mais uma guerra. Disponível em: http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/121928677/drogas-eua-perderam-mais-uma-guerra. Acesso em: 31 dez. 2015.

9 BBC Brasil. Porte de drogas para uso pessoal deve ser crime? Conheça argumentos a favor e contra. Disponível em: <ttp://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150819_stf_julgamento_porte_drogas_rb>. Acesso em: 31 dez. 2015.

10 Disponível em: http://institutoavantebrasil.com.br/drogas-eua-perderam-mais-uma-guerra/. Acesso em: 31 dez. 2015.

12 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/10/1690964-eua-deverao-soltar-6000-presos-apos-reducao-de-pena-para-crimes-de-drogas.shtml>. Acesso em: 31 dez. 2015.

13 Disponível em: https://es-us.noticias.yahoo.com/adi%C3%B3s-prisi%C3%B3n-preventiva-m%C3%A9xico-060000585.html. Acesso em: 31 dez. 2015.

14 Ministério da Justiça. DEPEN. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional

De informações penitenciárias INFOPEN. Junho de 2014

15 ONU, Grupo de Trabajo sobre Detenciones Arbitrarias, Comunicado de prensa sobre conclusión de la visita a Brasil, 28 de marzo de 2013, disponible en inglés) en: http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=13197&LangID=E

16 VELAZQUE, Rogélio. Adiós a la prisión preventiva en México [El Universal].29 de diciembre de 2015

Disponivel em: http://www.eluniversal.com.mx/articulo/periodismo-de-investigacion/2015/12/29/adios-la-prision-preventiva-en-mexico

17 Ministério da Justiça. DEPEN. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional

De informações penitenciárias INFOPEN. Junho de 2014

• José Erigutemberg Meneses de Lima Advogado Criminalista