ENTRE HERMENÊUTICA FENOMENOLÓGICA E O NEOCONSTITUCIONALISMO TUPINIQUIM A ONISCIÊNCIA DO MAGISTRADO É O PONTO.

Como a hermenêutica fenomenológica com suporte na “virada linguística" a considerar ser “na linguagem que está a surgência do mundo poderá evitar que o texto da lei ou a norma inseridos em contexto fático de “caso difícil” sofram distorção de sentido e omissão de trechos relevantes divergindo ou anulando o que foi pensado pelo constituinte originário, negando a validade da constituição? E como fica a segurança jurídica diante da hermenêutica fenomenológica?

O x do x da questão representado em outras indagações: Direito como ciência não é cascata e a constituição do (neo)constitucionalismo não está na constituição, mas na ficção da norma fundamental (?)

A frase acima é tão aberta quanto deveria ser a mente de quem se disponha a esmiuçá-la à luz da história do direito e da filosofia do direito. Os questionamentos aos quais se refere são vários: O que é ciência? O que é direito? Direito é ciência? Há ciência do direito? A pirâmide kelseniana valida o direito ou é mera cascata? A constituição é a matriz dos males do neoconstitucionalismo e o que é constitucionalismo e neoconsitucionalismo, afinal de contas? A aplicação da norma constitucional decorre do fenômeno da linguagem constitucional e da remodelação da teoria constitucional? Norma fundamental é mera ficção e como sustentar a existência do direito apoiado em ficção? Direito é o mesmo que justiça? Seria a justiça ficção? Etc.

A razão de o pequeno discurso fraseológico remeter a uma cadeia quase imensurável de questionamentos dá-se porque o mundo é linguagem, e estando o sistema jurídico no mundo, como “ente mundano”, como tudo mais, tem existência na linguagem. O direito está no mundo logo existe como texto, norma e sobretudo linguagem. Pode-se até firmar esta tese em suposta base cartesiana: "Se o direito está no mundo, é linguagem, pois somente aquilo que não for do mundo não poderá ser descrito pela linguagem”. Subi aos ombros de centenas de doutrinadores para concluir a hipótese que se tentará demonstrar em tese.

O que é mundo e o que é linguagem? Explica-se o mundo pela linguagem assim o que se quer mundo estará definido? Mundo é a terra? O mundo existirá pela correspondência dos signos linguísticos que o definem? Não está no mundo é não ter presença física ou não ter presença física, mas está no mundo mental que cada um carrega consigo? A única coisa a ser levada como certa na frase e em todas as interrogações é o ponto de interrogação? Mas quem definiu que este ponto exprime indagação? O que é uma indagação? A resposta faz parte da indagação ou tem existência, além do existir da pergunta? Penso, logo desisto...

Direito não tem existência natural, como uma pedra no meio do caminho. Não se é dado pela materialidade pegar o direito como se pega a pedra ou se pega gripe. Direito é ideia, abstração, conhecimento, interpretação. Ao se dizer tenho direito, não equivale a ter um bem fungível (um carro, por exemplo), embora seja possível comprar-se direito. Compra-se o direito a assistir à peça no primeiro lance de cadeiras do teatro. Cuidado, comprar-se sentença ou trocar a decisão judicial por um carro não é comprar o direito que não é algo torto quanto à criminosa atitude do magistrado que se deixa corromper.

Direito como linguagem é uma cascata de sons, mas não equivale à cadeia de eventos em que o efeito de um é a causa do efeito de outro, de forma que todos os eventos dessa cadeia estão interligados por uma relação de causa e efeito como definia Kelsen para o direito onde na topografia do ordenamento jurídico situava-se a constituição e acima desta a norma fundamental e abaixo a legislação infraconstitucional. Noutros dizeres: Hans Kelsen considerava que uma norma para ser valida basta que se reportasse a outra, anteriormente editada, o que perfazia uma validade normativa em cascata, desde o topo, uma norma fundamental (não a constituição) até a base da pirâmide.

Por este modelo está descartada a necessidade da participação popular ou qualquer outro mecanismo democrático de elaboração e validação do aparato legislativo e do direito, aparecendo totalmente desvinculado dos interesses dos cidadãos. Por não fazer a conexão do Direito com a sociedade, pois o objetivo dele era explicar o direito por dentro das normas,muitos acham, ainda hoje, que a teoria kelseniana tenha ido “pro saco”, por não aparecer na Teoria Pura do Direito os valores como a centralidade do direito. Foi sem antes ter ido porque o direito se são as normas, não significa que como um todo não possua valores.

Direito é ciência de natureza subjetiva (se houver tal forma de ciência) ou uma filosofia aplicada à solução de conflitos, muito aproximada de uma ideologia? É ciência Porcina que foi e é sem jamais ter sido? A resposta mais próxima de uma verdade real que não existe é que o direito é aquilo que o interprete quer que seja, mesmo torto. Direito é coisa de cabeça que faz a cabeça dos outros.

Para Kelsen, direito não tem valor, enquanto ciência é teoria pura, mas o direito com totalidade tem valor ou valores que incorpora. E justiça, tem ou não valor? Isso é outro papo. A justiça de Kelsen existe dentro do direito como totalidade, embora não tenha base cientifica devido á sua situação permanente a dinâmica dos valores morais e éticos de um povo. Kelsen considerava, assim, que justiça está impregnada de valores porquanto existe e unicamente enquanto momento de decisão do magistrado. Justiça existe no sistema jurídico como totalidade embora não no direito como ciência. A decisão sentencial é o momento em que o direito se realiza de fato e a isso chamamos de justiça, mas já é um momento fora da ciência jurídica.

Porque direito é ciência para a corrente majoritária e para quem rema contra a corrente é um método de resolução de conflitos, uma filosofia, uma ideologia, um papo cabeça? Sabe como se forma um paradigma? Quem não confundir Khun com pescoço em francês sabe: A hora da virada ocorre com convencimento como em qualquer relação. Fazer ciência é enfrentar um verdadeiro saco de gatos ou entrar em lata de caranguejo. Os cientistas sérios fazem ciências, os chefes dos sérios obram atos, fatos científicos e boatos políticos. A dimensão da grana dos financiadores é proporcional ao lucro que eles terão com o resultado da pesquisa, geralmente movida pela tal da serendipidade: atirei no que vi e matei o que não vi.

A vida em laboratório se equivale ao aprisionamento em realities show em que cada participante compete pelo prêmio e as baixarias ficam embaixo dos edredons. Para dizer que direito é ciência a coisa funcionou assim: algum iluminado lança a ideia que se deseja inovadora mediante um manifesto, vários parceiros (bajuladores,interessados em financiamentos?) se organizam em rede com aplausos e contraofensiva aos opositores da ideia, convencem editoras e universidades para a publicação de livros e números especiais sobre o tema. Bingo.

O paradigma estava criado: Direito é ciência social de natureza subjetiva, seja lá o que isso represente até que novo realty show permita a sua quebra. Conta-se que alguém já contou mais de quarenta e sete viradas nas ciências humanas com uma dupla intenção: ver o que se faz nas ciências humanas e analisar como isto se faz. Virada é quebra de paradigma, digma? Pero “sin de city pero no, pode ser que sim ou não. Depende, como tudo em direito.

Sobre este ponto basta dizer que “virada”, às vezes, é coisa boa. Outras, nem tanto, por depender de quem quer a virada e de quem sofre os efeitos da virada. Quem fica por baixo revira-se, contorce-se e pode até fingir o que não sente...

O neobobo para passar a impressão de ser moderno pensa que basta inserir antes de um termo o prefixo neo ou pós e tudo será como se ele tivesse subido as escarpas da caverna e descoberto a luz.

No fundo ele poderá ter soltado o monstro que mantinha preso na caverna oca de seu cérebro. Se não há quebra de paradigma em ciências sociais, apenas há uma continuidade epistemológica, o neo e pós em neopositivismo, neoconstitucionalismo, pós-positivismo ou pós-constitucionalismo não tem qualquer significação para representar uma quebra de paradigma.

O que se tem hoje parece ser um campo cientifico “sem qualidades” no que respeita às ciências sociais categoria em que se inclui o direito que passa pelo trauma da falta de fundamentação, desde quando procurou desvencilhar-se do suporte teórico do positivismo kelseniano e não encontra chão nos aportes de Herbert Hart e Alf Ross.

A tábua de salvação como saída para o impasse da aplicação de um direito torto por falta de fundamentação foi constituir a resignificação do texto constitucional a partir da hermenêutica fenomenológica. A cura para o mal e o perigo de aceleração mortal da doença está, portanto na constituição que para ser deve ser desconstituída pelas forças de uma fictícia norma fundamental baseada em princípios e valores morais reconfigurada pela linguagem.

Se ainda não há como evitar que o texto da lei ou a norma inseridos em contexto fático de “caso difícil” sofram distorção de sentido e omissão de trechos relevantes divergindo ou anulando o que foi pensado pelo constituinte originário, negando a validade da constituição é previsível se dizer que a sentença valora em moral e princípios mediante resignificação do texto legal constitui agressão à segurança jurídica e ao próprio estado democrático de direito.

Os fatos catalogados de casos difíceis e a valoração do magistrado impostos em camada hierárquica sobre a análise de acordo com as provas carreadas aos autos conferidas pelas normas jurídicas sobrepõem-se sobre a constituição e as leis reduzindo o processo à simples convicção do magistrado a respeito do que queira ou não que signifique o texto legal: a norma é o que o juiz quer que seja.

Sendo a norma o que o juiz quer que seja, o processo e a valoração moral estão oniscientes ao magistrado e a jurisdição passa a dispor de unicamente duas fases: fatos e sentença, conforme quadro acima.

Neste diapasão, o crime da hermenêutica é não validar o crime de hermenêutica que ocorre quando deliberadamente ou por falta de conhecimentos teóricos e técnicos adequados ao caso concreto simples ou difícil o magistrado assassina a constituição, por ter a bola virada, tornando o direito bola da vez.

Uma resposta definitiva ao xis da questão seria, portanto: em matéria de, principalmente, constituição e hermenêutica, tudo o quanto é a mesma sopa. Continuam os teóricos presos à visagem das sombras sem sequer imaginar que podem se desvencilhar dos grilhões imaginários e subir as escarpas em busca de luz. Continuam a ver sombras e criando mais assombrações (neosombras) como se elas fossem algo mais do que são: continuidade dos delírios.

Kelsen (norma fundamental) pode até ser um calçado velho, mas ainda poderá servir a quem estiver sobre brasas ou sobre friagem intensa para garantia da segurança dos dedos dos pés que íntegros tornarão a caminhada mais firme. E para que o calçado fique confortável é bom usar meias como a regra de conhecimento de Hart e as práticas tribunalícias de Ross. O que tem se cada meia tiver cor diferente contanto que agasalhe os pés?

A linguagem serve para esconder o que realmente se pensa. É isto o que dela entendem as camadas menos “cientificadas” do povo. Camadas estas que “se viram” para ser atendidas em seus reclamos prometidos pelo neoestado constituído na prática do neoconstitucionalismo que nada ou pouco tem a ver com a (paleo)linguagem da Constituição de 1988.

O resto sem prefixo, sufixo, pré-sufixo ou su-prefixo é apenas rodeio pleonástico, onde a segurança jurídica fica por conta das rédeas que o peão segura para domar o touro, mas que só terá serventia se manejadas com força pelo peão. O povo nesta historia parece o saco deformado sob a pressão da guia colocada para motivá-lo a derrubar o peão com os solavancos doloridos...