CONTESTAÇÃO
Respeitosamente venho à presença de Vossa Excelência
Trazendo este papel manuscrito e assinado,
A prova dos fatos e de direitos relatados com o teor da minha inocência,
Peço também a Vossa Excelência que permita minha história contar
Desde o início ao fim, e que tenha comigo paciência.
Minha maravilhosa filha nasceu com direitos iguais,
Desde criança dizia que um dia seria capaz,
De vencer na vida e ser engenheira,
Mexer com agronomia, cultivando alimentos
Com grande maestria, pra curar a fome de toda minha família.
Nasceu aquela criaturinha
Bem bonita de se vê, um lindo brotinho,
Que até o médico se admirou com seu rostinho,
Com cabelo vassourinha, parecia princesinha
Delicada de pegar, suas roupinhas preparadas, com cuidado, bem passadas,
Tinha que vestir bem devagar
Pra não correr o risco de acontecer de se quebrar.
A perninha tinha que ver Excelência!
Com aquelas curvinhas parecendo sanfona
Não é por ser minha filha, qualquer um se apaixona,
É só em falar, meu olho até brilha.
Bem na hora em que nasceu, foi uma festa tão grande,
Que o prefeito da cidade apareceu pra dar boas-vindas
Àquela coisa miúda, trazendo alegria profunda, que conheceu.
O nascimento de minha princesa foi assim que se sucedeu.
Ela foi crescendo, e cada dia mais bonita foi pegando forma,
Combinei com a patroa, vamos botar na escola! Pra que cumpra com seus deveres e que defenda seus direitos, neste mundo de maldade que se abisma em crueldade. Mas quem conhece a lei, não trocará por vintém, seu caráter, honra e personalidade.
Mas um dia, Excelência, não se sabe se foi má sorte ou azar, fui à venda do Tonhão buscar café, e de repente, quem eu vejo lá, na porta do cabaré, aquela que mais amo no mundo, abraçada com um vagabundo! Minha gata faceira. Minha jóia preferida, que um dia sonhou ser engenheira, e que passei todo tempo lhe dando guarida.
Não acreditei no que vi, o sangue me fervilhou nas veias vendo aquela terrível cena. Queria saber o nome do cramulhão, que levou minha princesa para aquele buraco do cão. Fui pra casa pegando fogo, pensando como é que resolverei aquele jogo. Botei meu shimitão canela seca na cinta, e jurei ao meu padrinho Padre Cícero, que de qualquer jeito eu pego aquele Zé pelintra que de maneira sórdida e cruel, fez isso. Raptou minha preciosa, com tamanha malvadeza, e a levou ao cortiço.
Fui entrando de mansinho e estava lá o gigolô. Sujeito meio distraído, sentado em uma cadeira. Bati os olhos nas redondezas pra me certificar que estava desguarnecido, e eu disse comigo: seja lá o que for, o cabra tem que pagar pelo desaforo que causou. Ao me ver à porta do bacanal, e como já pressentindo a extrema unção e seu momento final, se levantou de repente. Correu pra detrás do balcão pra pegar sua munição, quando se viu na boca do meu shimitão. Tu sabes rezar, compadre, tua sorte se lançou ao léu, por que pra onde vais, com todo esse teu alarde, terás que pedir muito ao Padrinho, pra que mude teu caminho, e te mande para o céu.
Assim, este caboclo humilde, mas trabalhador, que honra sua família e que mesmo sendo bruto, no coração tem amor, e que ao mal não se sujeita. Está certo que o Bom Senhor do céu, viu que na terra a justiça foi feita. Se digne Vossa Excelência, absolver este contrito, pois todo fato ocorrido, foi no calor do sentimento.
Nestes termos,
peço deferimento.